Novo estudo adianta que cerca de 68% dos maçaricos-de-bico-direito seriam afetados, número que contrasta com os 6% indicados no Estudo de Impacto Ambiental.
Corpo do artigo
Um aeroporto no Montijo teria muito mais impacto na avifauna do estuário do Tejo do que anteriormente estimado, indica um estudo científico divulgado hoje.
Segundo os investigadores, cerca de 68% dos maçaricos-de-bico-direito seriam afetados, um valor bastante superior aos 6% que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) associado ao projeto aeroportuário estimava.
Publicado na revista "Animal Conservation", o artigo centra-se no maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), uma ave que consta na lista de espécies para as quais uma secção do estuário do Tejo foi designada como Zona de Proteção Especial (ZPE).
É, explicam os autores, um estatuto de proteção enquadrado na Diretiva Aves da União Europeia e adotado pela legislação nacional.
O estudo foi liderado por investigadores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro (UA), com a contribuição de investigadores da Universidade da Islândia e de East Anglia, no Reino Unido.
Os autores explicam que as aves se deslocam a distâncias consideráveis, dos movimentos diários às migrações sazonais intercontinentais, e que na identificação e quantificação de ameaças a essas espécies nas áreas protegidas os estudos são feitos com animais em locais fixos.
Usando essa forma, diz citado no estudo o investigador do CESAM e da UA Josh Nightingale, corre-se o risco de subestimar a importância do sítio e da ligação entre locais. Os investigadores usaram uma nova abordagem tendo em conta as deslocações das aves.
Em declarações à TSF, o investigador José Alves explicou que neste novo estudo são quantificados, "não só os indivíduos que ocorrem dentro da zona protegida, mas também os movimentos e a conectividade destes indivíduos que usam zonas dentro da área protegida e fora dela".
TSF\audio\2023\04\noticias\07\jose_sousa_2
Porque a área protegida tem "fronteiras artificiais", é possível aos investigadores "quantificar, usando análises de rede, estes movimentos entre diferentes locais do estuário, coisa que não foi feita no EIA".
O estuário do Tejo é um dos locais mais importantes para os maçaricos-de-bico-direito, abrigando dezenas de milhares de indivíduos não só durante o inverno, mas também no período da migração de primavera, dizem os autores, que analisaram os movimentos das aves dentro do estuário entre os anos 2000 e 2020.
Com essa informação analisaram os efeitos da construção de um aeroporto no Montijo, com aviões a sobrevoar a área protegida a baixa altitude e com uma elevada frequência.
Josh Nightingale frisa no estudo que o EIA estimou que menos de 6% da população do maçarico-de-bico-direito da ZPE seria afetada mas que o que os investigadores descobriram agora é que mais de 68% dos maçaricos que invernam no estuário do Tejo estariam expostos à perturbação causada pelas aeronaves, e 44% considerando apenas os que usam a ZPE.
TSF\audio\2023\04\noticias\07\jose_sousa_1
O estudo demonstra também que as aves seguidas individualmente são muito fiéis a um pequeno número de locais ao longo das suas vidas, pelo que podem não vir a utilizar as novas áreas de habitat eventualmente criadas devido à construção de um aeroporto.
A construção de um novo aeroporto na região de Lisboa está a ser analisada por uma comissão criada para esse efeito, mas no passado o aeroporto do Montijo já foi dado como certo.
José Alves avisa que ter um aeroporto e "aviões a sobrevoar, a baixa altitude, uma área protegida designada para aves e para aves migradoras não é, desde logo, uma boa ideia" devido às consequências na biodiversidade.
TSF\audio\2023\04\noticias\07\jose_sousa_3
Assinalando que os investigadores não tomam decisões e que apenas produzem "a evidência e a informação" para que os decisores possam "tomar a sua decisão em pleno conhecimento do que está em jogo", José Alves nota que "preservar a biodiversidade tem custos e algumas limitações".
"Diria que colocar ali um aeroporto vai ter efeitos nefastos na biodiversidade que ocorre nesta área protegida", conclui.