Afinal, o que se passa com o seguro obrigatório para as trotinetes? Há entendimentos diferentes
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Está instalada a confusão com a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil para as trotinetes, com as autoridades a terem entendimentos diferentes. Na quinta-feira, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) disse que o decreto-lei não se aplica aos utilizadores daqueles veículos. No entanto, no dia anterior, em declarações à TSF, a comissária Andreia Pissara, da divisão de trânsito e segurança rodoviária da direção nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP), adiantou que a fiscalização seria iniciada a partir desta sexta-feira e que o processo ocorreria de forma idêntica àquela que já é feita junto de condutores de automóveis e motociclos, pelo que, quem não apresentar o seguro, pode, então, ser multado. Perante a explicação da ANSR, a PSP afirmou que vai cumprir o entendimento da Segurança Rodoviária, uma vez que é a autoridade administrativa, mas vai solicitar esclarecimentos para consolidar a interpretação jurídica nesta matéria.
Na quinta-feira, numa nota enviada à agência Lusa, a ANSR avançou que as trotinetes e scooters elétricas, segways e hoverboards “não estão sujeitos à obrigação de ser efetuado seguro de responsabilidade civil automóvel como condição de admissão à circulação na via pública”, algo que contradiz a informação anteriormente adiantada pela PSP, que falava numa obrigatoriedade prevista no decreto-lei que transpõe a diretiva comunitária relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Segundo a ANSR, este decreto-lei, que entra em vigor esta sexta-feira, “é aplicável à circulação de qualquer veículo a motor destinado a circular sobre o solo, que não se desloque sobre carris, acionável por uma força mecânica, assim como os seus reboques, ainda que não atrelados”, que tenha uma velocidade máxima de projeto superior a 25 quilómetros por hora ou um peso líquido máximo superior a 25 kg e uma velocidade máxima de projeto superior a 14 quilómetros por hora”, não sendo o diploma aplicável “às cadeiras de rodas destinadas exclusivamente a pessoas com incapacidade física”.
A Segurança Rodoviária sublinhou que estão excluídos deste decreto-lei todos os veículos que são, “para efeitos de circulação rodoviária, equiparados a velocípedes, o que significa que a sua admissão à circulação na via pública não depende da realização de seguro de responsabilidade civil nem exige que o seu condutor seja detentor de título de condução”.
A ANSR salientou ainda que as trotinetas ou dispositivo de circulação com motor elétrico “com potência máxima contínua superior a 0,25 kW ou que atinja uma velocidade máxima em patamar superior a 25 quilómetros por hora, não estão autorizados a circular na via pública, dado que ainda não foi definido quer o seu regime de circulação, quer as suas características técnicas, que têm, ainda, de ser objeto de decreto regulamentar”.
Fonte da PSP disse, entretanto, à TSF que a polícia vai cumprir o entendimento da ANSR, uma vez que é a autoridade administrativa, mas vai solicitar esclarecimentos à Segurança Rodoviária para consolidar a interpretação jurídica nesta matéria.
Ora, na quarta-feira, a comissária Andreia Pissara tinha referido à TSF que a fiscalização passaria a ser a mesma que é efetuada com o seguro dos automóveis, motociclos e ciclomotores. "As regras passam a ser exatamente as mesmas, não só para trotinetes, mas também para bicicletas elétricas, desde que tenham um peso máximo superior a 25 kg e uma velocidade máxima superior a 14 km/h", disse.
Já sobre as trotinetes ou bicicletas elétricas alugadas através de aplicações de telemóvel, a comissária da PSP sublinhou que terão de ser as operadoras a disponibilizar o seguro dos veículos.
"Sendo uma trotinete de aluguer, o responsável será sempre o detentor da trotinete, tal qual como é que os automóveis de aluguer. Terá de ser a plataforma disponibilizar o seguro, de alguma forma através da aplicação também, para os utilizadores terem acesso ao mesmo quando forem abordados", afirmou.
Também ouvido pela TSF, Nuno Martins, presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros, destacou a importância do seguro para os utilizadores destes veículos.
"Pela evolução da mobilidade urbana, quer da tecnologia, estes veículos estão cada vez mais rápidos, mais potentes, com mais baterias. Também vemos outras coisas a acontecer, que são os acidentes. A sinistralidade deste tipo de veículos aumentou brutalmente", assinalou. Nuno Martins acredita que esta é a razão "fundamental" da nova legislação: a preocupação com as vítimas e possíveis lesões que resultam destes acidentes.
O presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros avançou igualmente que tem havido uma boa adesão à subscrição destes seguros, algo que prova que os utentes têm noção da importância deste produto.
"Nota-se bastante no mercado que os clientes estão, com as notícias, a ganhar consciência de que vai haver uma obrigatoriedade de utilização de seguro para a utilização de determinado tipo de veículos e estão-nos a pedir cotações. E também alguns, que sabem que esta nova lei não se aplica a eles, estão a pedir cotações. Estão a começar a ter a noção do risco que este tipo de veículos tem e querem-se proteger", explicou.
Este não é, contudo, um dado adquirido para a Mubi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta. Rui Igreja, coordenador do grupo de trabalho de políticas públicas desta associação, também entrevistado pela TSF, rejeitou que seja necessário um seguro para os veículos homologados pela legislação portuguesa.
"O decreto-lei não entra em vigor em 20 de junho, ele entrava 60 dias depois da publicação, ou seja, a 19 de maio. Esse decreto-lei o que faz é transpor uma diretiva europeia sobre seguros automóveis, que só se aplica a veículos movidos exclusivamente por força mecânica e por isso exclui as bicicletas elétricas", argumentou.
Vincou ainda que, segundo a lei, estão apenas abrangidos os veículos que se movem com velocidade de projeto acima dos 25 km/h.
"O que acontece é que, se olharmos para o Código da Estrada português, tanto as trotinetes como as bicicletas elétricas só podem ter assistência até aos 25 km/h. Ou seja, nesse âmbito, não estão abrangidos. Se forem legais para circular em Portugal, não estão abrangidas porque a assistência elétrica só pode ir até aos 25 km/h", disse.
Fora desta medida estão veículos mais leves do que 25 kg, com uma velocidade superior a 14 km/h, ou com uma velocidade máxima abaixo dos 25 km/h. As cadeiras de rodas elétricas e restantes dispositivos para pessoas com deficiência também não são contemplados.
O tema parece não reunir o consenso das demais associações. A TSF já tentou ouvir o Governo para tentar esclarecer esta situação, mas a Secretaria de Estado da Mobilidade não está disponível para dar esses esclarecimentos.
