"Ainda não é para todos." Menos de metade das crianças até aos três anos em creches em 2023
Em declarações à TSF, Isabel Leite, membro do Conselho Consultivo do Edulog, afirma que o financiamento do período de creche, dos 0 aos 3 anos, tem sido "claramente insuficiente"
Corpo do artigo
A taxa de cobertura das creches aumentou nos últimos anos, mas apenas 48% das crianças com menos de três anos estavam matriculadas em 2023, segundo um estudo nacional, que sublinha que esta oferta “ainda não é para todos”.
Há cada vez mais crianças a frequentar a creche e cada vez mais vagas disponíveis, mas ainda há regiões onde as famílias continuam a ter dificuldades em encontrar uma solução, revela o relatório “Balanço Anual da Educação 2025”, um trabalho de investigação desenvolvido pelo Edulog, o ‘think thank’ para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo.
Em declarações à TSF, Isabel Leite, membro do Conselho Consultivo do Edulog, afirma que o financiamento do período de creche, dos 0 aos 3 anos, tem sido "claramente insuficiente". "Se a intenção é universalizar esta resposta educativa dos 0 aos 3 e integrá-la com a educação pré-escolar, temos de ter um investimento muito mais forte, o que vai obrigar a ter mais infraestruturas e mais recursos humanos", explica à TSF Isabel Leite.
Outra das áreas que tem estado "sistematicamente subfinanciada", segundo Isabel Leite, é "o apoio social dado aos alunos mais carenciados, que na última década não teve um aumento real".
"Isto significa que temos muito menos alunos bastante carenciados que deixaram de estar elegíveis, porque não houve mudança nos critérios de elegibilidade, uma atualização destes critérios em função da evolução dos rendimentos, e temos na realidade muito menos alunos nos escalões que tradicionalmente eram mais apoiados", acrescenta.
Entre 2018 e 2023, o número de crianças até aos três anos matriculadas em creche cresceu 13,8%. O acesso democratizou-se com a gratuitidade desta oferta através do programa Creche Feliz, lançado em 2022, dizem os investigadores mostrando que há hoje uma maior proporção de alunos cujos pais não têm ensino superior, “sinal da rápida diversificação do contexto socioeconómico e de capital cultural das famílias”.
“A taxa de cobertura aumentou, mas a creche ainda não é para todos”, alertam o estudo hoje divulgado, que mostra que apenas 48% das crianças com menos de três anos estavam matriculadas em 2023, ano em que a taxa de cobertura chegou aos 55%, com 130.787 lugares disponíveis.
Das mais de 130 mil vagas, só 87% estavam efetivamente ocupadas, porque nem sempre a procura coincide com a oferta. As famílias que mais sentem esta falha são as das regiões de Lisboa e do Porto, assim como do sudoeste alentejano e algarvio.
O estudo alerta também para eventuais falhas na qualidade pedagógica destes profissionais, uma vez que apenas cerca de 6% do currículo da Licenciatura em Educação Básica se dedica à faixa etária das crianças com menos de três anos.
“Mesmo nos mestrados, a proporção ronda 24% no Mestrado em Educação Pré-Escolar e 16% no Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico”, lê-se no documento.
Nesta análise, que olha para a Educação desde a creche até ao ensino superior, conclui-se que as famílias têm cada vez mais acesso ao sistema de ensino e que as taxas de participação em todos os níveis de ensino continuam a aumentar.
O ensino universal está mais perto de ser uma realidade tanto no ensino pré-escolar, como no básico e secundário: A totalidade das crianças entre os 6 e os 14 anos já frequenta o ensino básico e cerca de 90% dos jovens em idade regular estavam inscritos no secundário, no ano letivo de 2022/2023.
No entanto, os investigadores sublinham que ainda existem “desequilíbrios territoriais e socioeconómicos”, uma vez que a oferta está concentrada nos grandes centros urbanos e continua a haver “carência de respostas nas regiões de baixa densidade populacional”.
No pré-escolar, 94% das crianças dos três aos cinco anos estavam inscritas numa escola, com as escolas do centro a registar a maior percentagem de crianças no pré-escolar (99,9%), seguindo-se a Região Autónoma da Madeira (98,3%) e o Alentejo (98,1%), por oposição à Península de Setúbal, onde a taxa de escolarização é a mais baixa do país (83,1%).
No ensino obrigatório, a escola pública e o privado que está dependente do Estado asseguram a quase totalidade da cobertura da rede, sendo que o ensino particular tem vindo a ganhar espaço no ensino secundário. Os investigadores consideram que esta mudança “reflete a aposta das famílias em escolas mais seletivas e de maior reputação, encaradas como via privilegiada para o ensino superior”.
Além das assimetrias regionais, os investigadores alertam ainda para as questões de subfinanciamento do sistema e para o aumento do rácio de professores com mais de 50 anos em todos os níveis de ensino.
