Álvaro Almeida, diretor-executivo do SNS: "Apesar das falhas, estamos a fazer mais e melhor"
O diretor-executivo do SNS reclama uma melhoria da prestação de serviços de saúde, mesmo com alguns problemas nas urgências. Na Grande Entrevista TSF-JN, Álvaro Almeida não garante uma data para o início do funcionamento do novo sistema de gestão de listas de espera para consultas e cirurgias
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Álvaro Almeida tem 60 anos, nasceu no Porto, é economista, professor universitário, com carreira feita na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, na Porto Business School, no Fundo Monetário Internacional, doutorou-se na London School of Economics, foi candidato do PSD à Câmara Municipal do Porto em 2017, cumpriu o mandato de vereador, foi também deputado, presidente da Entidade Reguladora da Saúde e da Administração Regional de Saúde do Norte e é o terceiro diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) desde que o cargo foi criado, em novembro de 2022.
Chegámos a um ponto em que até a Ministra da Saúde fala de problemas de operação e de entrosamento entre os diversos serviços de emergência no que ao atendimento das grávidas diz respeito. Está alguma coisa a correr bem?
Há muita coisa a correr bem. No Serviço Nacional de Saúde nós temos uma capacidade de resposta para a maior parte dos problemas ao nível que nunca tivemos. Nós hoje, em 2025, estamos com mais consultas hospitalares, mais consultas nos centros de saúde, mais consultas de saúde oral, de psicologia, de nutrição, mais cirurgias em 2025 do que em 2024. E, portanto, a atividade do SNS está a um nível que nunca esteve.
Isso também ocorre ao nível das urgências?
No caso das urgências, há problemas, mas menos do que no passado recente, nomeadamente em 2023 e 2024. Nós estamos com encerramentos de algumas urgências, sobretudo de obstetrícia, mas ainda assim são cerca de 40% inferiores aos que ocorreram no mesmo período do ano passado. Estive na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) há 20 anos e na Administração Regional do Norte foi há 10 e esses problemas já existiam nessa altura. O SNS sempre teve problemas e, portanto, eu não estou a dizer que não há problemas, pelo contrário. O que eu estou a afirmar é que dizer que o SNS nunca esteve tão mal é uma afirmação sem fundamento. E, portanto, sim, temos problemas, mas são problemas que são estruturais e que estamos a resolver gradualmente, progressivamente.
Há meses, a ministra da Saúde disse no Parlamento que, na verdade, não consegue dizer com honestidade se o SNS funciona bem ou mal por falta de indicadores fiáveis. Concorda? O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses disse há dias que a Ministra da Saúde gere o sistema público como uma espécie de navegação à vista e que deve haver mais financiamento e menos ajuda aos privados.
Há sempre necessidade de melhorar a informação. O SNS é uma máquina com 150 mil colaboradores que presta serviços a uma população de mais de 10 milhões de pessoas. E, portanto, as necessidades de informação para gerir um sistema dessa complexidade são muito grandes e há sempre necessidade de melhorar essa informação. Dizer que não temos nenhuma informação não corresponde à verdade. Dizer que é preciso melhorar, sim, é preciso melhorar, porque há sempre lacunas. poderíamos ter mais informação e poderíamos, sobretudo, ter capacidade para tratar essa informação de uma forma mais produtiva. Mas há planeamento, há gestão, há informação suficiente para fazer gestão do SNS.
Tanto no Governo anterior como no atual, uma parte da resposta com vista à resolução de alguns problemas passou pela utilização de determinadas tecnologias, com recurso à telemedicina, triagens remotas e linhas telefónicas. Por outro lado, há agora uma indicação dada até pela própria ministra que alguma utilização desses sistemas poderá estar a ser feita de forma errada por parte dos profissionais. Isso justifica, eventualmente, algumas falhas no atendimento e algum mau funcionamento do sistema?
Há conhecimento de casos concretos em que houve falhas no atendimento, isso já foi reconhecido pela própria entidade que gere esse atendimento. E, portanto, falhas no atendimento há. Que é preciso melhorar, sim. Mas que o atendimento que temos é melhor que a situação anterior, em que não havia esse apoio, também é verdade. E, portanto, sim, estamos num processo de melhoria contínua. Repito, um sistema complexo como o SNS nunca estará sem problemas, nem o SNS português nem nenhum sistema de saúde do Mundo. Os sistemas de saúde em todo o Mundo estão sob pressão, estão com grandes dificuldades, sobretudo devido à falta de recursos humanos, mas não só. E o SNS português não é exceção.
Reconhece que há uma carência de médicos e que a insuficiência não é uniforme no país? Já ponderou, em conjunto com a ministra, um subsídio de deslocação, tendo em conta os custos da habitação, nomeadamente em Lisboa? isso já foi feito com os professores agora, com este Governo.
O problema, no caso dos médicos, não parece que seja sobretudo por causa dos custos de habitação. Provavelmente, noutras categorias profissionais da saúde, esse problema faz-se mais sentir. Eu diria que nos enfermeiros é possivelmente uma das causas. O problema das desigualdades regionais tem a ver com fatores históricos. A formação dos médicos, a formação na especialidade, faz-se no terreno, em hospitais, nos centros de saúde, no caso de medicina geral familiar. A capacidade formativa resulta da existência de recursos humanos com capacidade formativa. Ora, na região de Lisboa e Vale do Tejo é uma região onde, historicamente, há falta de recursos humanos e, portanto, a capacidade formativa é menor. Se a capacidade formativa é menor, formam-se menos médicos naquela região e, portanto, há um ciclo que se perpetua por causa disso. Obviamente que esse ciclo podia resolver-se transferindo médicos que são formados no resto do país, no Norte e no Centro, para a zona de Lisboa. O problema é que os médicos têm as suas vidas, têm as suas famílias, no local onde fizeram a formação. Um médico que termina a formação especializada está perto dos 30 anos. Já tem, na maior parte das vezes, uma vida estabilizada, uma vida familiar estabilizada, e não quer mudar. E, portanto, há uma resistência natural e compreensível.
Então o problema da habitação não é essencial?
O problema principal vem dessa falta de capacidade formativa em números suficientes. Por outro lado, na região de Lisboa, as alternativas no setor privado são bastante maiores do que no resto do país e, portanto, há uma maior facilidade de médicos que saem do SNS para o setor privado na região do que no resto do país.
Defende a ideia de obrigar os médicos a permanecerem durante um certo tempo, uma década ou outro período que fosse estabelecido, para recompensar tudo o que o erário público gastou com a sua formação? Isso ocorre na Força Aérea.
Eu não sou grande fã de proibições, de limitações e de obrigações. E, neste caso concreto, é verdade que os médicos fazem muitas vezes no SNS a sua formação especializada, mas o SNS também beneficia da sua presença para suprir algumas necessidades. Nos anos mais avançados do internato, os médicos já fazem urgências e, portanto, o problema das urgências seria maior se nós não tivéssemos os internos no SNS. Portanto, não me parece que andar aqui com restrições muito grandes resolva o problema, até porque, citou o problema da Força Aérea, o que nós observamos no caso dos pilotos é que eles cumprem o período a que estão obrigados e no final saem logo todos no final. E, portanto, a única coisa que nós fazemos era adiar o problema.
Os médicos são mal pagos em Portugal? Isso cria um incentivo implícito ao recurso abusivo às horas extraordinárias?
A remuneração-base dos médicos teve uma evolução, até 2023, bastante negativa, em termos reais e em termos comparativos. Os médicos portugueses sofreram uma perda de poder de compra em termos de remuneração-base e entre 2010 e 2023 bastante significativa. Houve uma valorização salarial importante nos últimos anos, nomeadamente no Governo anterior do doutor Luís Montenegro, e a situação agora já não será tão má como foi, mas obviamente continua a ser um salário que é relativamente baixo em termos absolutos. Isto é, quando nós comparamos o salário do médico em Portugal com o salário do médico na Alemanha ou na Noruega, o salário-base é claramente inferior. Em termos relativos, face aos salários médio português, não é particularmente baixo, também não é muito bom estar ali na média. Portanto, os salários dos médicos em termos de salário-base não são excepcionais, não. Podiam ser melhores. Agora, todos os salários em Portugal são piores do que em muitos países, naqueles países que eu citei, pelo menos.
Mantém a ideia de que é perfeitamente possível e natural que um médico ganhe 400 mil euros num ano? Na verdade, até conhecemos um caso que ganhou essa quantia em muito menos de um ano. Acha que isso é compreensível para o público em geral?
Eu não disse que era natural, eu disse que era possível. Em resposta a uma pergunta que me fizeram no Parlamento, disse que era possível um médico ganhar 400 mil euros sem que exista fraude, sem irregularidade. Como? Trabalhando muito. Como não há limites ao número de cirurgias, se fizer muitas cirurgias e à correspondente remuneração, pode-se chegar a esses valores. E se realmente não houver nenhuma irregularidade no processo, a mim não me choca que isso aconteça. Pelo contrário, porque cada cirurgia que é feita e que gera a remuneração é um doente que teve o seu problema resolvido.
Não devem ser criadas limitações?
O que nós temos que ter preocupação é que não existam incentivos perversos, nem existam incentivos a irregularidades. Agora, e há várias coisas que se podem fazer e nós estamos a rever o modelo de gestão das listas de espera, Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que vai ser eliminado e substituído por um novo chamado Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia (SINAC).
Quando é que vai ser implementado esse novo sistema que se chama SINAC?
O novo sistema vai arrancar em fase-piloto agora nos próximos meses, está quase pronto para arrancar. Entrará em funcionamento depois do piloto ser validado ou não. Mas aquilo que nós vamos fazer no novo modelo é eliminar alguns incentivos perversos que o sistema antigo tinha. O incentivo perverso principal é o facto de ser o médico que gere a lista de espera - ou melhor, é o serviço que gere a lista de espera -, que depois é remunerado para eliminar essa lista de espera. Vamos tentar minimizar os incentivos para que isso aconteça. Não vamos impedir que os médicos realizem as cirurgias adicionais fora do horário de trabalho, porque nós precisamos disso. O que nós vamos fazer é quebrar a ligação direta entre as cirurgias que eu não faço no horário normal e as cirurgias que faço em horário extra.
A Inspeção Geral de Atividades de Saúde está a investigar alguns casos em que aparentemente houve um comportamento abusivo. Há uma tendência para ter reduzir a produtividade em em horário normal e uma imensa produtividade quando são horas extraordinárias?
Nós temos evidência disso e, de facto, por isso é que queremos alterar o sistema. Aliás, deve notar que um novo sistema está a ser montado desde o início deste ano, portanto, muito antes das notícias que surgiram nos últimos meses, relativamente às irregularidades eventuais que terão ocorrido em Santa Maria. E, portanto, é um problema que nós conhecíamos, que estamos a resolver e que aquilo que queremos não é reduzir a atividade cirúrgica adicional, fora do horário de trabalho. Queremos é criar mecanismos para que não haja os tais abusos.
Esses abusos ocorrem com o conhecimento do diretor do respetivo serviço? A decisão nunca é tomada isoladamente por determinado médico?
Sim, geralmente são situações que ocorrem ao nível do serviço. É difícil que sejam médicos individuais, a fazer isso isoladamente, porque o agendamento é feito a nível do serviço.
Há números mínimos de médicos estabelecidos pela Ordem para que uma determinada urgência funcione. Não valeria a pena, por vezes, deixar uma urgência aberta ligeiramente abaixo desses padrões e, portanto, assistir as pessoas que aparecem, seja numa urgência obstétrica ou outra? Quando a urgência está fechada, na verdade quem decide a transferência de determinado paciente não é um médico, são os bombeiros ou os profissionais do INEM. Não é uma decisão médica.
Nós, na Direção Executiva, fizemos uma análise sobre as urgências de obstetrícia. Para manter todos os pontos da rede de urgências atual a funcionar 24 horas por dia, 365 dias por ano, e chegámos a um número de 1 milhão e 22 mil horas. E depois fomos ver qual era o número de horas que os médicos do SNS estavam obrigados a cumprir na urgência. Eles podem fazer mais, mas será sempre voluntariamente. E as horas obrigatórias que o SNS tem são 509 mil. Ou seja, metade. Felizmente, nós temos um conjunto de profissionais no SNS que têm demonstrado disponibilidade para trabalhar para além do que é obrigatório e, dessa forma, minimizarem os problemas de encerramento. Se todos eles decidissem, de um momento para o outro, “eu só faço o que é obrigatório”, teríamos metade das urgências fechadas, porque não tínhamos capacidade para equipar de recursos humanos suficientes. E, portanto, nós temos já adotado algumas soluções de contingência, que é ter, em alguns casos, as urgências a funcionar para casos enviados pelo INEM e que são verdadeiramente emergentes, embora tal não aconteça com pessoas que cheguem por outras vias. E, nesses casos, acontece mais ou menos o que descreveu: tem-se um número de obstetras mínimo em termos de padrões de segurança que garante o funcionamento, mas é um funcionamento com constrangimentos, que não tem capacidade de acordo com os padrões estabelecidos para estar a funcionar em pleno. Eu prefiro essa situação do que não ter resposta e, de facto, nós temos hoje essa dificuldade, que em muitos casos, como disse, falta um médico e fecha-se a urgência.
Então defende que por vezes é mais válido estar aberta determinada urgência com ligeiras restrições do que estar fechada e termos casos relatados pela comunicação social?
Há uma questão concreta que é esta. Os padrões são também em função do número de partos médio. Por exemplo, um hospital que tenha um número de partos médio maior precisa de mais médicos na urgência. O que é perfeitamente compreensível e razoável. A questão é que se não tiver seis médicos, só tiver cinco, fecha. Mas porque há de fechar tendo lá cinco médicos? Tendo lá cinco médicos, com certeza que têm capacidade para responder não ao número de partos médio habitual, mas a alguns. E, portanto, o que pode fazer é responder a alguns e, então, quando atingir o limite, pode começar por transferir o paciente, e é uma decisão médica perante aquele caso concreto.
Defende que os enfermeiros, sobretudo quando têm um certo grau de especialização, possam suprir algumas carências, nomeadamente na especialidade de obstetrícia?
O SNS funciona em equipas, não são profissionais isolados. E essas equipas têm vindo ao longo dos anos a adaptar o seu modo de funcionamento de maneira a aproveitar as capacidades dos profissionais e, no caso da área materno-infantil, os enfermeiros têm um papel central. Sobre se deve haver maior intervenção dos enfermeiros, há quem defenda que sim, outros defendem que não. A questão é que eles já intervêm, já têm um papel fundamental na resposta do SNS e aquilo que nós fazemos é incentivar esse funcionamento em equipa. Agora, se a sua questão é se recorrêssemos mais aos enfermeiros, resolvíamos o problema das urgências encerradas, não. O problema das urgências encerradas é a falta de médicos perante os padrões definidos pela Ordem dos médicos. E, portanto, enquanto esses padrões não mudarem, não há alteração do modo de funcionamento.
Há uma resistência corporativa?
Não é isso que eu estou a dizer. O que estou a dizer é que há avaliações técnicas das profissões, neste caso dos médicos, que fizeram a avaliação e chegaram à conclusão que os padrões necessários são aqueles. Não há nada que a direção executiva possa fazer em termos de gestão que resolva esse problema.
O bastonário da Ordem dos Médicos diz que a sua direção, a direção executiva não está a liderar nem a coordenar o SNS. Aceita esta crítica?
É uma crítica perfeitamente infundada porque nós estamos no terreno continuamente, ativamente, em contacto permanente com as instituições do SNS. No caso das urgências, que é o caso mais mediático, a atividade da direção executiva permitiu que os encerramentos fossem coordenados de forma a garantir que há sempre uma resposta em cada região e, portanto, uma redução do número de encerramentos.Este é um indicador óbvio de que a direção executiva está no terreno e está a coordenar. Porque se não o fizesse, havia descoordenação. Aliás, no passado isso já aconteceu. Aconteceu que, numa determinada região, num dia estavam as três abertas e no dia seguinte estavam as três fechadas, quando era perfeitamente possível, com coordenação, que é isso que nós temos feito. E, portanto, nós estamos ativamente a coordenar nessa área, estamos a coordenar na área das prestações de serviços, estamos a coordenar na contratação de médicos, estamos a coordenar na Rede Nacional de Cuidados Continuados, estamos a coordenar em todas as atividades. É uma atividade de coordenação se calhar aqui o que está em causa é uma visão diferente do que é coordenação. Há quem ache que coordenar é mandar, é comando e controlo. Não é isso. Eu sou totalmente contra haver um comité central que tome as decisões todas. Nós temos é que ter descentralização e proximidade na gestão. Quem é responsável pela gestão do dia a dia são as unidades de saúde. Aquilo que a direcção executiva tem que fazer é coordenar naquelas áreas em que há ou que pode haver conflito entre unidades. Não estamos a gerir no dia a dia, não somos, até porque era impossível, somos 150 mil pessoas, nós não podemos gerir centralmente 150 mil pessoas, tem que ser uma gestão descentralizada. E, portanto, se calhar aqui há uma visão ideológica, diria eu, de quem defende modelos de planificação central, de comando e controlo, que não é a minha visão. O Governo aposta na gestão descentralizada, na proximidade e não nessa centralização que a história demonstra, onde foi tentada, funcionou sempre mal. Nos países de planificação central correu sempre mal.
Em termos de estrangeiros, nós tínhamos 164 mil em Portugal em 2017 e agora temos quase um milhão. Reconhece que este é um problema, que o SNS tem uma sobrecarga?
É um desafio. Aliás, posso dizer-lhe que, comparado julho de 2025 com julho de 2024, que são os últimos meses de que temos informação, nós tínhamos mais 366 mil utentes com médico de família. Só que no mesmo período houve mais 220 mil inscritos. E, portanto, apesar de haver uma redução de utentes sem médico de família, o facto é que, mesmo tendo aumentado em 300 mil esse número, o ganho em termos de utentes sem médico de família não foi tão grande porque houve também um grande crescimento dos inscritos. Eu disse há pouco, logo no início, referi uma série de áreas onde o SNS tem um nível de atividade que nunca teve, que é praticamente em todas as áreas. Não há área nenhuma onde o nível de atividade atual não seja dos maiores de sempre. O problema é que também a procura está nos níveis maiores de sempre e, portanto, esse aumento da procura é uma das razões pela qual subsistem muitos dos problemas no SNS.
É o primeiro diretor-executivo do SNS que não é médico e isso ajuda ou dificulta o relacionamento com os médicos e enfermeiros?
A equipa da direção executiva dispõe dessas competências internamente. Portanto, não parece que isso dificulte nem facilite, apenas implica uma recomposição da equipa. Nós temos dois médicos, um da área hospitalar, o doutor Francisco Matos, um da área mais de cuidados subprimários, doutora Ana Correia de Oliveira, temos o enfermeiro Helder Souza. E a direção não é só o diretor-executivo, é o Conselho de Gestão e todo o resto da equipa, temos essas competências, e, portanto, não parece que seja um problema de maior o facto de eu não ser médico nem enfermeiro.
E como é que está a relação do SNS com os operadores privados?
Desde sempre que, em determinadas áreas, a resposta aos utentes do SNS é assegurada por operadores privados, nomeadamente na área das análises clínicas, na área da imagiologia, na área da diálise, em algumas cirurgias adicionais, em algumas consultas hospitalares e, para além disso, nós queremos expandir essa colaboração, por exemplo, através da implementação no terreno de algo que já está previsto na lei, mas que nunca tinha sido implementado, que são as Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo C. O que é que são USF modelo C? Centros de saúde geridos por privados que prestam serviços exatamente nos mesmos termos que prestam serviços os outros centros de saúde, as outras USF do país. E, portanto, há uma vontade de reforçar o recurso ao setor privado, até porque esta direção executiva e este Governo entendem que é preferível aproveitar a capacidade que já existe no sistema de saúde do que estar a investir mais em aumentar a capacidade do SNS interna. Se a capacidade já existe no setor privado, vamos aproveitá-la, não vamos desperdiçar os recursos que existem. Essa é a vontade do Governo e é nesse sentido que a direcção executiva tem de trabalhar.
E confia na forma como o serviço é prestado pelos operadores privados, quando contratualizado pelo SNS?
Nós temos uma experiência de 10 anos, em alguns casos até mais, de parcerias público-privadas (PPP) na área hospitalar, que funcionaram, todos os estudos demonstram, melhor do que os hospitais públicos. E funcionaram melhor a dois níveis. Primeiro, em termos de qualidade. A qualidade era igual ou melhor do que nos hospitais que se podiam comparar. E, em termos de custos, é o mais baixo. Temos, através das parcerias público-privadas e de toda a relação com o setor privado, um serviço melhor ou pelo menos tão bom, com custos mais baixos. E, portanto, o SNS ganha, os utentes ganham, o país ganha com essa colaboração.
Acha que um dos problemas do SNS é a falta de dinheiro ou o orçamento de saúde é mais do que suficiente? Um estudo recente mostra que os incrementos orçamentais da saúde, basicamente, foram absorvidos pela inflação.
O problema é dinheiro também. Também é dinheiro, com certeza. Historicamente há um subfinanciamento do SNS. Não estou a falar de agora, é um problema de sempre. Sempre houve subfinanciamento, pelo menos desde que estou no setor há 20 anos, que essa é uma constante. E sempre houve um problema que eu gostaria de ver resolvido, mas não tenho visto, que é o financiamento inicial é sempre inferior ao final, porque o financiamento inicial é claramente insuficiente e depois, a meio do ano, descobre-se que é preciso compensar essa insuficiência, mesmo assim, não completamente. E, portanto, isso resulta historicamente de uma relação tensa e muito difícil entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças. Na minha opinião, porque os sucessivos ministérios das Finanças não compreendem que a saúde é uma realidade diferente das outras a dois níveis. O primeiro nível é que grande parte da despesa não é determinada previamente. A despesa está, como se costumava dizer antigamente, agora já não é assim, mas é na ponta da caneta do médico. Quando o médico escreve é que está a determinar qual é que vai ser o nível de despesa. E, portanto, não é possível controlar da mesma forma como na educação, por exemplo. Na educação a despesa é aquela porque as escolas funcionam com aqueles recursos. Na saúde, não. Porque se aparecer um doente, o doente é tratado, tem sido sempre assim, e, portanto, se ele é tratado, gera despesa. O segundo problema é que a saúde é uma área onde as necessidades são crescentes a ritmos muito superiores ao resto da economia. Por várias razões, está estudado pelos economistas da saúde, isso está tudo demonstrado, que tradicionalmente, por várias razões diferentes, o envelhecimento da população, a inovação tecnológica, as próprias preferências das pessoas e o aparecimento de novos medicamentos. A despesa da saúde cresce muito mais depressa do que o resto da economia. Ora, as finanças não aceitam isso. Geralmente, o que fazem é que o orçamento da saúde cresça em linha com o resto dos orçamentos. Mas isso é insuficiente, porque as necessidades crescem mais. E por isso é que nós temos hoje um SNS que tem níveis de atividade que são os maiores de sempre. Mas o que as pessoas sentem é que há problemas. E há, que os níveis de atividade são os maiores de sempre, mas também o nível da procura é o maior de sempre. E, portanto, essa incapacidade do financiamento acompanhar a procura e as necessidades faz com que, historicamente, haja um subfinanciamento do SNS. E, portanto,o problema também é dinheiro.
Tendo sido candidato à Câmara Municipal do Porto, acha que o PSD apostou bem em Pedro Duarte nestas eleições do próximo mês de outubro?
Acho que o Porto vai ter um excelente Presidente da Câmara quando o Pedro Duarte vencer as eleições.
