Amadora-Sintra: enfermeiros da urgência pedem escusa de responsabilidade, bastonária "muito preocupada"
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A equipa de enfermagem do Serviço de Urgência Geral (SUG) do Hospital Amadora-Sintra pediu escusa de responsabilidade por considerar que faltam condições de segurança necessárias para a prestação de cuidados, revelou esta sexta-feira a Ordem dos Enfermeiros.
Em declarações à TSF, a bastonária Ana Rita Cavaco confessa-se "muito preocupada e nota que estes profissionais não têm como dar resposta à situação com que se deparam. Apesar de a sala do Serviço de Observação da urgência só comportar 29 pessoas em cama e 11 em maca, "todos os dias estão a ter cem, 110 internados em sala de observação".
"Dá uma média mensal de 104 doentes em sala de observação, isto é incomportável", avisa a bastonária. A estas contas junta-se "uma média diária de 200 doentes em ambulatório, que são os que estão a circular pela urgência em observação médica, a fazer exames ou em triagem".
A situação de maior gravidade acabou por dar-se no dia em que as escusas foram enviadas à Ordem, ao ministro da Saúde e ao conselho de administração do hospital. Nessa data, revela Ana Rita Cavaco, "havia inclusive doentes internados na chamada sala de reanimação".
Essa sala, explica, "é para onde entram pessoas diretamente da urgência" no caso de ser necessária uma reanimação, ou seja, quando é "preciso intervir de imediato, nem vão à triagem".
Com a ocupação desse espaço, "se nesse dia tivesse entrado uma reanimação", só seria possível fazê-la "no parque de estacionamento da Urgência do hospital".
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Casos sociais estrangulam urgências
O Amadora-Sintra justifica esta situação com o elevado número de camas ocupadas por casos sociais, que estará a estrangular o serviço de urgência dado que os doentes ficam mais tempo do que desejável à espera de uma vaga de internamento em enfermaria.
Numa resposta escrita à agência Lusa, o Conselho de Administração do hospital confirma a receção da escusa de responsabilidade da equipa de enfermeiros e afirma que a pressão que se tem verificado sobre este serviço resulta do aumento de procura, e em grande medida do subdimensionamento do internamento para a população servida.
O hospital refere que o serviço atende 400 episódios de urgência, "mais de 16 doentes por hora, ou uma média de 2,7 doentes a cada dez minutos".
A esta situação acresce "uma utilização indevida" das camas de internamento de agudos por utentes que aguardam resposta de estruturas sociais. Ao dia de hoje, mais de 15% dos doentes à responsabilidade do HFF são casos sociais (85 doentes)", observa o hospital, cuja urgência serve a maior área demográfica de Portugal e do Serviço Nacional de Saúde, "com uma população superior a 550.000 utentes com características sociais e culturais muito desafiadoras".
"O elevado número de camas ocupadas por utentes com alta clínica e a aguardar resposta social estrangula o Serviço de Urgência, onde os doentes que necessitam de internamento para tratamento permanecem mais tempo do que seria desejável à espera de vaga/cama de internamento em enfermaria", sublinha.
Perante um problema que parece não ter solução à vista, Ana Rita Cavaco assume-se "muito preocupada" e com receio do que possa vir a acontecer.
"Estes colegas estão a viver uma situação de impotência naquela urgência", alerta, A ordem está a "acompanhar esta situação desde dezembro" e a gravidade observada já levou, além da entrega das escusas, à "marcação de uma visita em conjunto" com ministro da Saúde a esta urgência "no próximo dia 28" de fevereiro.
Face a esta situação, o hospital deixa uma "palavra de agradecimento" aos enfermeiros e aos outros profissionais do SUG que, afirma, "com espírito de missão e por vezes grande sacrifício pessoal, prestam os melhores cuidados de saúde possíveis à população" que serve.
Hospital contratualizou camas
Em termos de soluções para os doentes com alta, mas que ficam à espera de colocação num lar pelo Estado, o hospital contratualizou esta semana mais dez camas de resposta social sob sua responsabilidade financeira, tendo internados atualmente 106 doentes fora das suas instalações.
A estas junta-se ainda a contratação de 30 camas da rede nacional de cuidados continuados e 15 camas clínicas, que estão todas ocupadas, encontrando-se "ativamente a procurar mais vagas sociais".
Paralelamente, a Hospitalização Domiciliária do HFF foi alargada para dez camas em 2022, para libertar camas de internamento, e está planeada a expansão para 15 camas em 2023.
Excluindo as enfermarias de Pediatria, Ginecologia-Obstetrícia e Psiquiatria, o hospital possui 635 camas de internamento com uma taxa de ocupação próxima dos 100%.
Também para atenuar a pressão na afluência ao SUG foi celebrado um protocolo com os dois agrupamentos de centros de saúde da região, com a disponibilização de 30 vagas por dia, para encaminhamento de doentes menos urgentes (cerca de 50% dos atendimentos na urgência).
No entanto, os doentes têm expressamente de consentir a transferência para o centro de saúde, o que tem dificultado a efetividade da medida, refere o hospital.
Por seu lado, a Ordem dos Enfermeiros alerta para "a falta de meios físicos e humanos" e para o "igualmente preocupante" atraso na realização de meios complementares de diagnóstico decorrente desta situação.
"A equipa de enfermeiros do Serviço de Urgência Geral já esgotou toda a capacidade para colmatar os problemas existentes, inclusive com a oferta de turnos extra-horário laboral contratados", sublinha.
A Ordem refere que os profissionais reconhecem o esforço do Diretor de Enfermagem, mas consideram que "os problemas já tomaram tamanha proporção que só poderão ser resolvidos a nível superior".
Em janeiro de 2022, esta mesma equipa formalizou o primeiro pedido de escusa de responsabilidade. Nessa altura, a Ordem dos Enfermeiros visitou o Serviço e denunciou graves falhas nas condições do exercício profissional.
Dados da OE indicam que, até final de dezembro de 2022, a Ordem recebeu no total 7.656 pedidos de escusa de responsabilidade.