Ana Paula Vitorino: novo aeroporto de Lisboa deve ser um lugar de convergência de todos os transportes
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É obrigatório que uma linha ferroviária sirva o novo aeroporto de Lisboa fique ele onde ficar: esta é a posição defendida pela presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), Ana Paula Vitorino.
Ana Paula Vitorino não se quer comprometer com nenhuma das localizações apontadas pela Comissão Técnica Independente, mas assume que mesmo que o aeroporto não fique no campo de tiro de Alcochete, isso não pode pôr em causa a existência de uma ponte ferroviária sobre o Tejo para ligar o norte ao sul do país.
"Eu diria que como especialista em transportes e como Presidente da AMT, é necessária uma nova travessia ferroviária do Tejo que garanta as ligações ferroviárias Norte-Sul a nível nacional e, portanto, a dita terceira travessia do Tejo, seja com a configuração que já existiu, seja com outra qualquer, tem que existir e tem que ser ferroviária. Isso tem que existir, ou seja, nós não podemos estar a pensar o futuro do país em função do novo aeroporto; nós temos que ter um novo aeroporto ao serviço do futuro do país."
Outro tema abordado nesta entrevista foi o aumento do IUC, o imposto único de circulação que penaliza os veículos anteriores a 2007. Para a presidente da AMT, é preciso uma solução de compromisso entre os valores a aplicar e a necessidade desta tarifa ambiental: "Tudo tem que estar garantido que existe um período de transição suficientemente alargado, porque quem tem carros com matrícula anterior a 2007 não será porventura que é porque faz muito gozo nisso, mas porque não tem capacidade financeira e, portanto, estarmos aqui a penalizar dessa maneira. Quando, em contrapartida, também estamos a baixar as portagens, ou seja, há aqui alguma contradição relativamente a estas matérias."
Assim, Ana Paula Vitorino propõem, "talvez um aumento, em vez de dois euros por mês, ser um aumento de um euro por mês e haver uma garantia plurianual de que se não aumentará mais do que isso todos os anos e portanto, é um custo marginal para as pessoas se for mantido a estes preços".
No próximo ano os TVDE vão ter um novo regime jurídico e a AMAT chama a atenção para a necessidade de regulação das relações laborais entre os trabalhadores e os donos dos veículos ao serviço das plataformas que já perderam o espírito inicial: "Temos que aumentar fortemente a fiscalização e a supervisão e é isso que nós estamos a fazer. Mas, existe uma outra coisa que tem a ver com as relações laborais. Uma coisa é alguém ter o seu próprio carro (o espírito inicial era esse) e tem disponibilidade de tempo e de utilização de carro e põe-no ao serviço da população. Outra coisa é haver um intermediário que tem os seus carros e que tem motoristas para fazer ao seu serviço e isso sem que exista clareza nas relações laborais", defende.
Com 360 milhões no Orçamento do Estado para serem distribuídos para incentivar o Transporte Publico nas Comunidades Intermunicipais, através do programa INCENTIVA +TP, o Governo deveria mudar a fórmula das compensações baseada na população,
Ana Paula Vitorino defende um outro tipo de cálculo.
A ideia é dar mais a quem tem menos. "Tem a ver com o índice de, por exemplo, quilómetros de serviço oferecido em transporte Público por cada quilómetro quadrado. Nós temos na maior parte do território do interior, menos que 1 km de rede por quilómetro quadrado de linha de rede. E nós na maior parte das áreas metropolitanas a intensidade da oferta de transporte é de 11 km por quilómetro quadrado", conclui.
Ana Paula Vitorino é há dois anos presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, que tem por missão regular e fiscalizar o setor da mobilidade e dos transportes terrestres, fluviais, ferroviários e as respetivas infraestruturas, e é reguladora da atividade económica no setor dos portos comerciais e dos transportes marítimos.
Ela é também engenheira civil e esteve em dois governos socialistas, primeiro como secretária de Estado dos Transportes e depois como ministra do Mar. Foi também deputada à Assembleia da República.
Ana Paula Vitorino é a convidada de hoje da Vida do Dinheiro, seja bem-vinda. O Orçamento do Estado promete o reforço e a expansão das redes do metro de Lisboa e do Porto e também dos sistemas de transportes coletivos em sítio próprio nas áreas metropolitanas e nas cidades médias.
A Autoridade já sabe do que é que estamos a falar?
Somos uma entidade independente, somos uma entidade reguladora independente e a nível da construção do Orçamento do Estado não existe a obrigatoriedade de sermos ouvidos antes da sua construção, mas não são novidades, são empreendimentos e investimentos que estão em curso, que estão anunciados e, portanto, não existe uma novidade. Existe uma novidade que não é nenhuma dessas e que é uma boa novidade, que é que existe um reforço em cerca de 360 milhões de euros para apoio ao transporte público de passageiros.
Mas esta rede de transportes que está a ser desenhada é uma rede que vai criar mais procura dentro dos transportes coletivos, ou seja, é uma rede suficiente para a procura que temos?
Julgo que sim, sempre no sentido positivo, principalmente no metro do Porto. O metro do Porto é um sistema, diria, de sucesso e que de facto atraiu um número muito impressionante de passageiros e conseguiu captar uma procura que normalmente não é a utilizadora dos transportes públicos. No Porto, vemos a classe média e a classe média alta no metro, enquanto em Lisboa, a tipologia, a caracterização da procura, não é exatamente a mesma.
E até porque há outra rede, uma rede maior de transportes, é isso?
É. Sabe que o facto de o metro do Porto ser um metro à superfície, na maioria da sua extensão, e o facto de em Lisboa ser um metro enterrado, em túnel, faz com que muita gente ainda prefira utilizar os transportes de superfície, portanto, os autocarros, por exemplo. A montante disso, também temos uma outra questão, que é o tipo de utilizador.
E há a questão da perceção da fiabilidade do serviço?
Exato, da fiabilidade do serviço, ainda que o metro, que agora tem tido problemas muito derivados das obras que estão em curso o que, por vezes, implica interdições que são inexplicáveis para os passageiros e que de facto prejudicam muito a vida dos passageiros, mas que não têm a ver com o serviço que o metro normalmente presta, mas sim com as interdições provocadas e com as penalizações provocadas pelas obras. Porque quando um ramal deixa de poder ser utilizado durante um período de tempo, enfim, isso prejudica toda a rede, mas mais do que isso, a procura de transporte público em Lisboa ainda é uma procura de determinadas classes sociais. Começa agora a haver uma procura de transportes públicos pelas classes económicas mais favorecidas, mais elevadas, mas ainda não é o típico. No Porto, sim, de facto existe uma grande diferença entre o tipo de utilizador no metro do Porto e no metro de Lisboa, mas temos também em Lisboa, e no metro do Porto também, mas aqui com maior expressão, a utilização do metro por turistas. E esta nova linha circular está muito vocacionada para os turistas, não me parece que vá introduzir grande benefício em termos do utilizador regulado, do casa-trabalho, mas para o turismo, que é muito em Lisboa e também é muito no Porto, faz diferença.
Uma das outras questões que é importante e que levou a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes a promover a conferência Desafios da Mobilidade nos Territórios de Baixa Densidade, que se realizou na terça-feira em parceria com a Câmara Municipal da Covilhã e a Universidade da Beira Interior, é porque existe uma grande desigualdade nas redes de transportes entre as zonas urbanas e as zonas rurais, nomeadamente no interior do país. Como é que resolvemos este desequilíbrio?
Se olharmos para o mapa de Portugal, para o mapa da densidade populacional por um lado e da densidade da rede de transportes públicos por outro, o que vemos é que existem dois países. Nos transportes existem dois países, existe um país a duas velocidades, para utilizar uma linguagem mais de transportes, e vê-se bem a expressão do que tem sido o nosso modelo de desenvolvimento territorial, que é, e bem, uma aposta muito forte na nossa faixa atlântica. A questão é que também tem de se cuidar do interior, porque temos 80% da população a residir em 20% do território, que é a tal faixa atlântica, mas depois temos os outros 80% do território, onde vivem 20% das pessoas. E como é que respondemos a esses 20%? Primeiro que tudo, temos de ter consciência que, na maior parte desse território, as pessoas não têm a possibilidade de viver o seu dia a dia usando transportes públicos. Na maior parte das ligações, pelo menos, porque não é possível ir trabalhar, ir estudar e voltar, o casa-trabalho ou casa-escola não é possível realizar e, portanto, temos de atuar a vários níveis. Por um lado, temos que apostar no reforço daquele eixo que é Castelo Branco, Fundão, Covilhã, Guarda, em que nesse eixo, curiosamente, existem fortes fluxos de pessoas, porque existem polos universitários, porque existe emprego que não se localiza necessariamente nas zonas de residência das pessoas, o que faz com que devesse ser feita uma primeira intervenção em que, tendo a linha da Beira Baixa alguma capacidade excedente, se pudesse introduzir um sistema de comboio, não é um metro, mas utilizando a mesma linha ter comboios mais frequentes só ali naquele troço, e isso resolvia um primeiro nível de necessidades objetivas de transporte. Além disso, facilitava muito também as relações económicas entre as regiões, e potenciava o emprego para as pessoas que estão nas áreas que têm menos, potenciava também a localização e a atratividade.
A questão da habitação, nomeadamente, isto é, o acesso à habitação que os transportes podem de facto favorecer com as deslocações e que permitem que as pessoas procurem soluções mais à medida daquilo que são as suas possibilidades?
É verdade. Isso é para o reforço daquele eixo e é para o reforço económico e social daquele eixo, mas depois em cada um dos municípios tem de haver uma rede de distribuição, uma rede mais fina, ou seja, como é que as pessoas chegam às estações, como é que as pessoas se deslocam?
É a micromobilidade que resolve o problema?
Não é só micromobilidade, é um conceito de transportes flexível em que não temos de ter autocarros de 50 ou 80 lugares, quando existem 20 ou 30 passageiros, portanto, temos de ter um ajustamento daquilo que é o conceito dos transportes públicos, em que podemos ter uma rede estruturada mais convencional, que é a rede dos transportes públicos do sistema de autocarros, juntamente com a rede de transportes escolares. Podemos também ter transporte a pedido, que é nas paragens de autocarro, entre determinados períodos, ter acesso a uma plataforma por telefone, porque estamos a falar de territórios, e isto é importante, em que as pessoas têm menor literacia em algumas matérias, nomeadamente a literacia em termos digitais, além de menor capacidade financeira e uma média de idade superior. Estamos a falar, ou seja, de populações mais fragilizadas, digamos assim, relativamente às modernidades e às inovações tecnológicas.
Estamos a falar então de uma espécie de táxis sociais?
Não são táxis sociais, já vamos à parte financeira, que é extremamente importante, mas é pensar que há alturas do dia e há dias da semana em que, se calhar, existe procura para ter um autocarro, principalmente se esse autocarro também fizer o transporte escolar, porque não faz sentido ter uma rede de transportes escolares e ao lado uma rede de transportes normal, integrar é a palavra-chave. Mas há alturas do dia ou há alturas do ano, quando acaba o período escolar, em que esse serviço pode ser fornecido por um táxi e há também que potenciar, e é extremamente importante isso, ter a mobilidade suave.
Existem muitos sítios em que é possível fazer percursos em bicicleta, elétrica principalmente, e em que no próprio sistema se pode incentivar a integração também deste serviço, que pode ser integrado no operador. Agora, tem é que haver integração tarifária.
E as autarquias têm um papel fundamental aqui. Como é que elas podem ajudar e como é que está a ser esse processo para resolver este desequilíbrio?
O interessante da conferência de ontem foi também que foi uma conferência que envolveu, utilizando uma linguagem mais económica, todos os stakeholders. Primeiro, tivemos aquela experiência interessantíssima e inédita em Portugal, da conferência na parte da manhã ter sido em movimento, ou seja, a parte da manhã foi a conferência num comboio. Portanto, tínhamos um primeiro nível, o nível dos decisores políticos, em que tivemos toda a manhã os autarcas daquele eixo, que iam entrando nas estações dos seus municípios e faziam a sua intervenção e depois fechávamos o streaming e discutíamos entre nós. E além dos autarcas, tínhamos o secretário de Estado da Mobilidade, que lançava os desafios e fazia um bocadinho o papel que os senhores estão a fazer agora. Portanto, tivemos ali os decisores políticos, porque os gestores do território são os autarcas. Não tem de haver dúvidas, quem gere o território e quem acha que pode tomar alguma decisão ou fazer alguma espécie de planeamento sem os autarcas está enganado.
E com os utilizadores?
Exatamente, mas isso é o interessante. E depois, numa segunda fase, fomos para a conferência mais clássica, em que tivemos utilizadores representados pelas mais diferentes associações, tivemos pessoas das universidades que fizeram estudos com ligação a comunidades. Houve o estudo da professora Paula Teles, muito interessante, em que ela fez, de facto, todas as suas análises e conclusões com focus groups, em que teve estudantes, em que teve idosos, enfim, toda a interação com os utilizadores. E isso é extremamente interessante, ou seja, os autarcas também são um pouco representantes dos munícipes, mas essa representação foi feita indiretamente e de uma forma deferida, através de pessoas que fizeram os seus estudos e que foram lá apresentá-los com forte contacto com as populações. Depois, há uma coisa que também é muito interessante, que é termos feito esta iniciativa na Covilhã e com pessoas de lá, os cientistas eram de lá, os técnicos eram pessoas que já tinham feito trabalho lá, o que dá uma perspetiva técnica, mas cruzada com uma perspetiva social e isto é extremamente interessante.
Como é que sendo os gestores do território os autarcas, estes não têm influência na formação, por exemplo, dos horários?
Mas têm, são eles, a competência é deles.
Mas na ferrovia não?
Na ferrovia não, porque está num nível supramunicipal.
Por exemplo, esta questão de a ferrovia ser pendular a todo um território, a toda uma série de conselhos, se estamos a pensar num reforço, por exemplo, do transporte do comboio regional, isso não devia partir dos autarcas? Ou seja, os autarcas não deviam ter influência na formação ou na multiplicação desses comboios?
Deviam e têm de ter, têm de assumir a sua força enquanto ou município cada um por si, que acho pouco aconselhável para ganhar escala e até a escala de poder, ou através das comunidades intermunicipais. Têm de ter e por isso estamos a trabalhar em conjunto com eles. Mas deixe-me voltar um bocadinho atrás na questão tarifária, que é uma questão que não é de somenos. Porque estamos a falar de uma questão de coesão, que é uma questão diferente daquilo que porventura se deve ter quando estamos a falar das áreas metropolitanas, porque estamos a falar de milhões de pessoas. Ali estamos a falar de milhares, mudamos de escala.
E o poder de compra e o poder económico são diferentes?
Exatamente. Só lhes quero dar um exemplo: uma pessoa na área metropolitana de Lisboa, para ir de Setúbal até Mafra, que são alguns quilómetros de distância, para fazer isso todos os dias são 40 euros. O passe, chamamos-lhe passe, que é um conceito diferente, porque o passe que existe são 120 euros. Ou seja, num sítio onde as pessoas têm mais dificuldades económicas, temos um passe que é três vezes superior.
Está a referir-se ao interior do país?
Ao interior do país, exatamente.
Porque o Programa de Redução Tarifária não chegou a esses territórios?
Não. E é uma das críticas que tem de se apontar ao sistema e que se espera que o novo sistema que agora anunciaram vá corrigir.
O sistema que se chama Incentivo Mais TP, TP de Transportes Públicos?
O nome é engraçado, temos de concordar que é engraçado. Agora vamos ver se o resto também tem graça.
Acha que não tem graça?
Não sei, não sei porque quero perceber quais são as regras. Quero eu e querem os autarcas, diga-se de passagem. Agora, o que é facto é que temos de ter um financiamento que não pode ser só proporcional à população. É curioso, e ontem também tive oportunidades de discutir isso com a ministra da Coesão, que concorda com isto que vou dizer, que é, se continuamos a ter os apoios e atribuí-los ao território em função da população, quer dizer que continuaremos a dar mais apoios à área metropolitana de Lisboa, à área metropolitana do Porto, ou seja, a reforçar essas áreas.
Os tais 80% do interior, que têm 20% da população, serão esquecidos?
Se a regra for atribuir os financiamentos em função da população, a única coisa que estamos a apoiar é o círculo vicioso, que é cada vez mais pobres, cada vez mais lentos, na tal imagem do país a duas velocidades. Continuaremos a ter mais apoio na faixa atlântica e menos apoio no interior. E não pode ser, ou seja, tem de se introduzir um indicador que esteja inversamente proporcional, de facto, ao sistema de transportes que existe.
Mas que indicador deve ser esse?
Deve ser isso, tem a ver com o sítio onde está e tem a ver com o índice de, por exemplo, quilómetros de serviço oferecido em transporte público por quilómetro quadrado, em que aí temos, neste momento, 11 vezes mais, isto é, um indicador 11 vezes superior àquilo que temos no interior. Temos na maior parte do território do interior menos de um quilómetro por quilómetro quadrado, um quilómetro de linha de rede de transportes por quilómetro quadrado. E aqui, na maior parte das áreas, principalmente nas áreas metropolitanas, em toda a faixa o mesmo indicador, a mesma intensidade de oferta de transporte, é 11 quilómetros por quilómetro quadrado. Ou seja, se há mais população também tem de haver apoios, com certeza, mas temos é que ter um indicador que elimina, ou pelo menos atenua, o enviesamento que existe dos territórios com elevada densidade para os territórios com baixa densidade.
E de quantos anos iríamos precisar?
Se encararmos isto como um assunto menor, leva uns anos. Temos de esperar pela próxima geração dos contratos das concessões de transporte. E, portanto, daqui a cinco ou sete anos, dependendo, as concessões não têm toda a mesma duração, depois pensaremos como serão os indicadores. Iremos andando. Agora, podemos até achar que este é um assunto prioritário. E acho que é. Agora, evidentemente, podem dizer que não tenho uma visão ampla, porque estou preocupada com os transportes e com a mobilidade, mas há outras preocupações, como a saúde, a educação, a habitação, ou seja, percebe-se que pode haver aqui prioridades. Agora, o sistema de mobilidade não pode deixar de ser uma das prioridades porque não estamos só a falar de qualidade de vida, estamos também a falar de qualidade de vida. Não estamos só a falar numa questão de desenvolvimento económico, mas também estamos a falar de desenvolvimento económico, porque nenhuma empresa vai localizar-se num sítio em que não tenha boas acessibilidades para os seus funcionários e para os seus clientes. Isto é talvez mais importante do que qualquer benefício fiscal que se possa dar.
Mas, há ainda outra coisa, que é em termos ambientais. Não podemos dizer que vamos promover a transferência no âmbito da descarbonização, que é absolutamente essencial e que já não é uma conversa de ambientalista, é uma conversa de gente que tenha consciência e que perceba qual é a situação ambiental em que o mundo vive.
E Guterres diz que já é um problema de ebulição ambiental, em que apenas 15% dos objetivos de desenvolvimento sustentável das estratégias das Nações Unidas até 2030, apenas 15% estão nos carris, e nos carris é expressão minha, e que temos de fazer apostas fortes. E, de facto, não podemos dizer que as pessoas têm de se transferir do transporte individual para o transporte público, não havendo transporte público. Portanto, também é uma questão ambiental e é uma questão estratégica. É uma questão de desenvolvimento do território, de desenvolvimento da mobilidade, de equidade social e estamos a falar até de populações mais frágeis. Portanto, é uma questão prioritária. Tem todas as vertentes das preocupações, das prioridades e dos desafios que temos. É uma questão energética, é uma questão ambiental, é uma questão digital, tem as transições todas.
Essa transição deve passar, sobretudo, e deve passar muito pela ferrovia, pensando nós que a ferrovia deve ser eletrificada e, por isso, é fundamental a eletrificação também do sistema ferroviário nacional. Nesse sentido, a ferrovia pode ser um pilar estratégico, articulado com outros meios de transportes públicos e até com a chamada mobilidade leve. Os atrasos acumulados no plano da ferrovia 2020 condicionam esta estratégia?
Acho que qualquer atraso condiciona, não é a estratégia, mas é o futuro. De facto, temos recorrentemente atrasos na implementação dos planos e isso tem de ser uma coisa que nós portugueses temos de ultrapassar. As políticas públicas têm de ser coerentes, ou seja, não podem dar sinais em sentido contrário, têm de ser exequíveis, porque a comunidade, a sociedade, a economia, precisa de alguma previsibilidade. Julgo que deve ser algo previsível. Temos de ter previsibilidade nas políticas públicas. Portanto, não podemos estar sistematicamente a fazer planos e depois mudar, os planos têm de ser credíveis. E a credibilidade passa também pela exequibilidade, ou seja, quando fazemos um plano temos de saber exatamente o que é que estamos a planear, quanto é que custa e quanto tempo é que leva a executar. Portanto, os planos têm de ter prazos, quer os prazos que juridicamente são exigidos com os contratos, porque para fazermos um projeto e para fazermos um troço da ferrovia temos de lançar, primeiro de tudo, um concurso para fazer o estudo prévio, o estudo de impacto ambiental, todas essas coisas. Depois de fazer a avaliação de impacto ambiental, temos de fazer o projeto de execução, que carece de concurso público para se adjudicar à equipa técnica, aos engenheiros, enfim, à equipa que for fazer o projeto. Depois de tudo isto feito, temos de lançar o concurso para a obra e temos de adjudicar a obra.
E depois esperar que não derrape essa obra, não é?
E depois esperar que não derrape.
O TGV, para si, é uma prioridade ou daria prioridade a linhas férreas no interior do país?
Se não se importa, não vou responder a isso, mas vou dizer o seguinte: é prioritário para o país ter uma rede de caminhos de ferro que sirva os interesses do país e que sirva a nossa população e a nossa economia. Isso passa, primeiro de tudo, por viabilizar um modelo económico que tem uma lógica de servir aquilo que existe já. E, portanto, nesse tal eixo de Braga até Setúbal, e diria estendendo ao Algarve e à fronteira com Espanha, é absolutamente essencial que tenhamos uma rede ferroviária capaz. Neste momento, temos uma linha do Norte que está acima da sua capacidade técnica, que está a funcionar acima da sua capacidade técnica. Não é que existam troços de rede em que os comboios tenham probabilidade de chocar, não é isso, mas a capacidade técnica é um bocadinho inferior à capacidade teórica, o que quer dizer que não conseguimos lá pôr mais comboios. E, portanto, quando dizemos que queremos ter mais serviços, e se tivermos mais serviços em Lisboa ou no Porto deixamos de ter regionais, porque não cabem. Se tivermos mais serviços regionais, não conseguimos lá pôr comboios de mercadorias. Mas, portanto, temos de ter uma duplicação de capacidade e que deve ser feita, no meu entender como engenheira de transportes, com a maior modernidade possível. Ou seja, se há 170 anos fizeram a rede de acordo com os padrões técnicos mais atualizados, agora devemos fazer o mesmo.
E porque é que essa renovação não está a ser feita com a celeridade esperada ou desejada?
Porque, e deixe-me agora brincar um bocadinho, há 15 anos atrás a oposição ao Governo da altura entendeu que a alta velocidade ferroviária era um despesismo, era uma loucura e que não devia ser construída, porque teve tudo preparado para serem lançado os concursos. Aliás, um dos concursos, que é a ligação a Espanha, que é o complemento que temos de ter, porque se a União Europeia disser, por exemplo, que temos de deixar de ter transporte aéreo a distâncias inferiores a 600 quilómetros, isto quer dizer que o Lisboa-Madrid ou o Porto-Madrid tem de deixar de ser feito por avião e passar a ser feito por comboio ou de carro.
Mas o Governo PS de António Costa já tem oito anos. Acha que ainda não foi suficiente para implementar estas políticas na ferrovia que promovam esta transformação rápida?
Não, sinceramente acho que, porventura, ainda não teríamos tempo para ver resultados, precisamente porque as coisas levam tempo a ser construídas, mas acho que ao longo das décadas, este e os outros governos todos anteriores, se calhar não tiveram a capacidade de concretizar aquilo que devia ter sido concretizado para estes projetos. Projetos que são incontornáveis se queremos um país a funcionar, um país moderno, em que o interessante não seja só para os turistas, mas também para as pessoas que cá vivem, para as empresas que têm de estar cá situadas. E, portanto, há uma parte dos atrasos que é compreensível, outra parte não o será, mas também é uma questão que não gostaria de ligar à política - até porque fazemos demasiada ligação dos sistemas de transportes e dos sistemas públicos à política.
Mas dependem das políticas públicas, não é?
Dependem das políticas públicas e dependem da capacidade de concretização. E infelizmente o nosso país, nos últimos 30 anos, não conseguiu executar estas políticas públicas com a mesma velocidade com que outros países da União Europeia conseguiram concretizar. Espanha tem uma rede de transporte de alta velocidade para passageiros, só uma linha que é mista, mas para passageiros completa, só falta mesmo a ligação a Lisboa, a ligação a Portugal. Temos França, mas há muito mais anos também. Temos o Reino Unido, que decidiu politicamente que a única linha de alta velocidade que interessava ter era na ligação à Europa continental e, portanto, tem aquela linha de ligação que é o Eurotúnel. Temos a Alemanha a apostar fortemente, temos Marrocos a apostar na alta velocidade, enfim, acho que é preciso, porque a alta velocidade, se formos a ver, é a autoestrada da ferrovia, não é nada que seja um luxo, mas podem colocar-nos mais perto do centro da Europa e, acima de tudo, mais competitivos em relação a Espanha. Porque não estou preocupada com a ferrovia para me ligar à Alemanha, aí estou preocupada em termos marítimos, mas estou muito preocupada em termos maior capacidade de infraestruturas relativamente a Espanha. Isso é que é absolutamente incompreensível, que nos tivéssemos deixado ficar para trás nessa área.
Deixe-me pegar num outro tema da proposta do Orçamento do Estado que contempla também a chamada Reforma Ambiental do IUC, que se traduz num agravamento do Imposto Único de Circulação aos veículos com matrícula anterior a 30 de junho de 2007. Considera que esta é a melhor solução ou compreende a contestação que tem existido?
Deixe-me fazer uma avaliação séria, o que implica necessariamente várias perspetivas relativamente a esta matéria. Se fizermos uma análise estritamente do ponto de vista ambiental e de equidade, se pensarmos numa perspetiva de que as pessoas com carros depois de 2007 pagam hoje taxas muito superiores àquelas que têm carros antes de 2007, sendo que os carros depois de 2007 têm muito mais exigências em termos ambientais do que os anteriores, quer dizer que existe aqui um desajustamento e que são aqueles que têm menores emissões que pagam mais e, em contrapartida, os que têm menos emissões pagam menos. Portanto, numa perspetiva de utilizador, de poluidor pagador, é uma medida que faz sentido, é razoável pensar isso. Agora, como em tudo na vida, e como há pouco dizíamos, não posso dizer que as pessoas do interior devem deixar o carro individual e devem passar para o transporte público. Não há. Não há, portanto, não podem passar. E aqui parece-me que não estamos a penalizar a utilização, estamos a penalizar a posse, porque o IUC não depende de ter o carro parado à porta de casa, paga-se o mesmo se tiver de andar todos os dias, o que quer dizer que não se pode utilizar a lógica do utilizador, do poluidor pagador, nesta situação. Mas, apesar de tudo, faz sentido. Agora, primeiro de tudo tem de estar garantido que existe um período de transição suficientemente alargado, porque quem tem carros com matrícula anterior a 2007, não será porventura porque faz muito gosto nisso, mas sim porque não tem capacidade financeira.
Não tem possibilidades de comprar um outro carro?
Exatamente e, portanto, estarmos aqui a penalizar dessa maneira quando, em contrapartida, estamos a baixar as portagens, ou seja, há aqui alguma contradição relativamente a estas matérias. Agora, acho que do ponto de vista de política ambiental faz sentido e, portanto, pode-se aqui ponderar talvez um aumento que, em vez de dois euros por mês, seja um aumento de um euro por mês, e haver uma garantia plurianual de que não aumentará mais do que isso todos os anos, tornando-se um custo marginal para as pessoas se for mantido a estes preços.
É mais razoável ou não incentivar à utilização do transporte público?
Acho que se deve mais incentivar a utilização do transporte público, muito sinceramente, mas não podemos avaliar as decisões e as medidas sem as contextualizar. Estamos neste momento num contexto de crise, Portugal, a Europa e o mundo, portanto, temos de ponderar a urgência das medidas ambientais, mas também é urgente a proteção das pessoas e a proteção da comunidade. Ou seja, não posso pôr só medidas com um conteúdo ambiental e prejudicar as pessoas, porque as pessoas não têm capacidade infinita e temos os vencimentos que temos. Portanto, tem de haver aqui uma ponderação. Acho, por exemplo, a nível da redução das portagens que a medida é contraditória. Isto é, o aumento do IUC vai num sentido puramente ambiental, mas está em contradição com a redução das portagens. Agora, também temos de ter apoio à economia e a redução das portagens faz sentido nesta maneira, mas então tem de se compensar o transporte público em maior dimensão.
A pegada é menor?
A pegada é muito menor. Se pegarmos numa rua cheia de carros, em que a taxa de ocupação dos carros é quase uma pessoa por carro, e se pegarmos em 80 pessoas que vão em 80 carros, que fazem um congestionamento substancial, e as pusemos dentro de um autocarro, é só um autocarro. E ainda mais quando temos frotas de transportes públicos que têm tido, de facto, uma transição energética substancial. Exige, sim, essa renovação, porque o setor dos transportes é o mais poluidor, portanto exige essa renovação.
Mas posso fazer uma pequena clarificação: o setor dos transportes é de facto o único setor de atividade que aumentou as suas emissões nos últimos décadas. É o único, o único. Não há mais nenhum setor de atividade que tivesse aumentado. Não há indústria que se oponha a estes dados. Agora, dentro desse setor, temos de ter consciência disso, mais de 70% diz respeito ao transporte rodoviário. E dentro desses 70% do transporte rodoviário, a grande maioria diz respeito ao carrinho de cada um de nós, ao transporte individual. E, portanto, temos de ter a consciência que não são os transportes públicos, ou seja, não são os transportes, são os nossos carros. Temos de ter consciência da implicação que as nossas decisões individuais têm num sistema público.
Um dos aspetos que a AMT fiscaliza tem a ver com os TVDE. E tendo em consideração as alterações legislativas em curso na União Europeia e as conclusões da avaliação realizada ao regime em vigor, prevê-se que em 2024, no próximo ano, se conclua a revisão do regime jurídico dos TVDE. Para onde é que deve caminhar esta revisão?
A AMT foi uma das entidades que mais participou na elaboração dessa nova legislação. E as recomendações que emitimos são recomendações muito no sentido de muito maior fiscalização e muito maior rigor. Aliás, antes dessa legislação, deixe-me dizer que está em curso, neste momento, uma grande ação de fiscalização que foi promovida por nós e com a parceria do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, o IMT, que tem muitas responsabilidades, é função pública, mas tem muitas responsabilidades nesta área, nomeadamente na emissão de licenças, nos licenciamentos, nessas coisas todas, juntamente com a Autoridade para as Condições de Trabalho, a ACT, com a PSP, a GNR e a Polícia Judiciária.
Estamos a fazer uma supervisão em grande escala que tem a ver com as escolas de formação dos TVDE. Temos aqui problemas muito graves relativamente aos licenciamentos dos motoristas, porque grande parte deles não sabem falar português, não conhecem os territórios onde estão a conduzir, não cumprem os mínimos comparando com os táxis que têm formação, e têm de ter formação específica sobre aqueles territórios. E estamos a fazer não só sobre as escolas, como também nos próprios TVDE.
Já fizemos, aleatoriamente, entrevistas com vários condutores, a todos os níveis. Estamos a fazer auto-stops, aliás, temos de ser sempre móveis e não podemos dizer com antecedência onde é, porque eles informam-se uns aos outros e tentam escapar a esses auto-stops. Em Lisboa e no Porto temos detetado isso, enfim, a PSP passa as multas que entender no âmbito dessa fiscalização, mas a nós interessa-nos mais saber em que é que temos de atuar. E, de facto, quer a nível operacional, quer a nível das licenças, quer a nível da formação, os problemas, de facto, não têm tanto a ver com a legislação, mas têm a ver com a execução. Ou seja, temos de aumentar fortemente a fiscalização e a supervisão. E é isso que estamos a fazer.
Mas, existe uma outra coisa que tem a ver com as relações laborais, as plataformas. E, de facto, não existe uma relação de equidade, nem uma relação de assunção das responsabilidades nestas relações laborais que são umas mais etéreas. Uma coisa é alguém ter o seu próprio carro, o espírito inicial era esse, alguém ter o seu próprio carro e tem disponibilidade de tempo e de utilização de carro e coloca-o ao serviço da população através de uma plataforma. Outra coisa é haver operadores, haver um intermediário que tem os seus carros e que tem motoristas para fazer o seu serviço. E sem que exista clareza nas relações laborais. Então, aquelas pessoas que estão a prestar um serviço são funcionários de quem? São empregados de quem? E quantas horas trabalham? Quais são os rendimentos de que auferem? Ou seja, ao não haver uma relação laboral clara, também não existe uma possibilidade de controle claro do contrato que existir entre empregado e empregador. Não temos, neste momento, uma forma de controlar sem essa relação laboral estar esclarecida exatamente nessas matérias. É porque relativamente aos táxis, conseguimos fazer esse controlo, mas relativamente aos TVDE não conseguimos.
Era desejável equiparar aquilo que é um TVDE mais àquilo que é um táxi?
São conceitos diferentes. Um [o Táxi] é transporte público, não é coletivo, mas é transporte público, portanto, está sujeito a obrigações. O outro não cumpre os conceitos de transporte público, ou seja, podem recusar clientes, coisa que no transporte público não pode ser feita. E às tantas, se forem tão próximos, estão próximos. Então, não deixa de fazer sentido haver esses TVDE, mesmo em termos de formação, mas tem de haver regras claras.
Já para não falar das regras do algoritmo, que não são muito percetíveis por parte dos clientes?
Ora bem, exatamente. Também existem problemas ao nível da defesa do consumidor, porque, efetivamente, às vezes não se percebe. Chama-se um TVDE e o que está disponível não é o que está mais perto, mas é um que está mais longe. Enfim, não é percetível nem para os utilizadores, nem para os próprios condutores, não é muito percetível esta matéria. É uma matéria também que está a ser agora analisada, porque não podemos fazer de conta que não existe. Existe este problema e estamos a tratá-lo.
E já está resolvida a questão da não arrecadação da taxa de regulação das infraestruturas portuárias? Uma taxa que não é arrecadada desde 2015.
Não está, não. Não põe em causa a nossa independência já, de imediato, porque temos outras receitas, mas põe em causa o nosso plano de atividades. Põe em causa por que, de facto, trabalhamos com os montantes que temos disponíveis, não temos os problemas da função pública. Isso não temos, porque não temos tutela, fazemos a aprovação das nossas contas, mas temos de estar sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas e, naturalmente, não podemos gastar mais dinheiro do que aquilo que temos, porque não temos Orçamento do Estado.
E fiscalizando os portos, como é que viu a entrada em vigor de uma, digamos assim, portagem para o acesso do comboio ao porto de Sines?
Não é uma portagem, é uma utilização da infraestrutura e, portanto, quem faz o investimento tem direito a cobrar uma taxa de utilização da infraestrutura. É normal, isso acontece. As mercadorias em todo o país pagam taxa de utilização da infraestrutura ferroviária. Agora, essa taxa tem de ser proporcional ao serviço que é prestado. E, portanto, a AMT, no exercício das suas competências e das suas atribuições, entendeu que o valor que estava a ser cobrado não correspondia ou não garantia essa proporcionalidade. Portanto, determinámos que essa taxa deixasse de ser cobrada e recomendámos à administração do porto de Sines que fosse revista, que refizessem os cálculos, falassem com os operadores, falassem com os concessionários, porque não está em causa que exista uma taxa, está em causa o montante da taxa.
O montante da taxa era muitíssimo excessivo relativamente àquilo que são as regras normais da fixação da taxa, porque não nos podemos esquecer que a base para cálculo de uma taxa de utilização de uma infraestrutura, seja ela ferroviária ou seja rodoviária, é a custo marginal, ou seja, não é dividir os custos pelo número de passagens, porque isso, em última análise, ia resultar em que se só passasse um, era esse um que pagava o custo todo. Tem de haver aqui uma noção de que, independente de haver muito tráfego ou pouco tráfego, o máximo que podemos cobrar é o máximo que corresponde a uma passagem, e entendemos que no Porto de Sines não estava isso a ser garantido. Aliás, contactámos com a administração e explicámos porquê, escrevemos e explicámos porquê, e eles têm de acolher, e acolheram e perceberam, ao nível do Conselho de Administração, e estão a produzir as suas revisões, porque, neste caso, os operadores tinham toda a razão.
É inevitável falarmos do novo aeroporto, até porque o relatório preliminar sobre a localização deverá ser conhecido em meados de novembro. Do seu ponto de vista, qual seria a melhor escolha para o país?
Acima de tudo, acho que o país tem de ter uma escolha, e já devia ter, não podemos transformar o novo aeroporto de Lisboa no anedotário sobre infraestruturas. De facto, temos de ter um novo aeroporto em Lisboa que cumpra determinados requisitos. Não tenho uma posição, nem poderia ter como presidente da AMT, não tenho uma posição de preferência por esta ou por aquela localização, sei é que tem de ter exigências do ponto de vista da mobilidade, e essas exigências têm a ver com a distância que é percorrida relativamente às localizações dos principais utilizadores. Ou seja, qual é a área de influência e a que distâncias estão e, portanto, não pode estar dentro de Lisboa. Não pode estar dentro de Lisboa porque é o chamado perigo iminente, até parece um filme de ação, mas não pode estar dentro de Lisboa, tem de estar até uma distância que seja uma distância razoável para as ligações a Lisboa, que são as principais ligações que vão servir a área metropolitana de Lisboa, que é a principal utilizadora dessa infraestrutura. Depois, é absolutamente incontornável que tenhamos um plano de avanço faseado, é um faseamento que até é relativamente simples de fazer. Temos de ir avançando e não podemos esperar vários anos, várias décadas para ter essa infraestrutura.
Mas o aeroporto deve ser uma interface de mobilidade? Ou seja, o que é que deve ter um aeroporto além de lá chegarem os aviões?
Deve ser e deve ter um modo de transporte pesado, é incontornável, ou seja, pode ser consoante a localização, isto é, a localização pode ser um modo ferroviário pesado ou um modo ferroviário ligeiro, mas tem de ter um modo de alta capacidade.
Isso inviabiliza Alcochete e Montijo como possibilidade? Seria preciso construir novas infraestruturas?
Não, de todo. Isso é uma questão também extremamente importante e é uma posição que foi estudada dentro da AMT. Vamos separar o que não é misturável. Temos de ter uma rede ferroviária nacional que cubra o território nacional e que possa fazer as ligações norte-sul, porque temos cargas com origem no norte e que se destinam ao Porto de Sines ou vice-versa. E, portanto, temos de ter uma ligação norte-sul que não temos. Não podemos estar a misturar as ligações que são norte-sul, que são necessárias fazer, com o termos um aeroporto.
O aeroporto pode ser em Santarém, mas continuamos a precisar de ter esta ligação norte-sul ferroviária. E, portanto, a dita terceira travessia do Tejo, seja com a configuração que já existiu, seja com outra qualquer, tem de existir e tem de ser ferroviária. Isso tem de existir.
Não podemos estar a pensar o futuro do país em função do novo aeroporto. Temos de ter um novo aeroporto ao serviço do futuro do país, mas não podemos estar a confundir as coisas. E uma terceira travessia do Tejo garante o norte-sul, as ligações norte-sul que não existem.
Temos de ter uma terceira travessia ferroviária. E depois, se também é ou não rodoviária, isto já dependerá de se a localização do novo aeroporto é na margem sul ou na margem norte. Diria que, como especialista em transportes e como presidente da AMT, é necessária uma nova travessia ferroviária do Tejo que garanta as ligações ferroviárias norte-sul a nível nacional, que garanta que as mercadorias posam ter um decréscimo substancial de custo, porque fazer vários quilómetros pelo interior do país para chegar ao sul não é, com certeza, vantajoso para a economia. E nem é sustentável do ponto de vista do transporte de mercadorias, assim como também não é sustentável no transporte de passageiros. Não podemos diminuir drasticamente o tempo de percurso nas ligações do Porto ao Algarve, de Setúbal a Viana do Castelo sem tornar a ferrovia competitiva, porque temos de tornar o nosso país competitivo também.
E isso podia devolver ao Barreiro a importância que já teve na ferrovia com essa terceira travessia?
Diria que ao Barreiro, à Península de Setúbal, ao Porto de Setúbal, às indústrias que estão a sul do país.
Mas a ligação seria ao Barreiro, é isso?
Pode haver outras localizações, não estou a dizer que esta ligação norte-sul tem de passar obrigatoriamente neste eixo. Agora, porque é que seria aconselhável? Porque, de facto, estávamos a permitir que uma ligação Lisboa-Setúbal ou Lisboa-Barreiro fosse feita em minutos, enquanto hoje não existe. Enfim, tem de ser de barco ou então de transporte público. Agora, é muito importante, independentemente da localização, que essa decisão seja rápida, que seja faseada e que tenha ligações ferroviárias facilitadas e que, em algumas localizações, além da ferrovia pesada, tenha um metropolitano ligeiro, mas de superfície e que tenha carreiras de autocarros.
Não faz sentido nenhum pensarmos que vamos utilizar o barco se for na margem sul, vamos ali, fazemos o despacho das balas e vamos por esse circuito. Não é viável. Então, temos de ter ligações ferroviárias, ferrovia pesada ou ferrovia ligeira, mas temos de ter ligações de alta capacidade e que nos garantam tempos de percurso adequados.
Sabemos todos, e ninguém que mora em Lisboa, se for pensar em consciência, quer os aviões a passar por cima da cabeça enquanto está a dormir. Por duas razões, porque não quer barulho e pela segurança. Agora, também não se quer andar 200 quilómetros para apanhar o avião. Enfim, tem de ser, a menos que seja uma solução transitória, muito transitória.
Beja entenderia como uma solução transitória?
Transitória, sim. Porque existe a infraestrutura, só por isso. Existe a infraestrutura, existe a capacidade, dá para aterrar lá os maiores aviões comerciais. Não vejo porque não. Agora, atenção, porque também fazemos isso noutros países da Europa nos low cost e naqueles pacotes mais baratos das viagens. Também poderíamos fazer aqui, mas tem de ser uma solução muito transitória e com um prazo que seja exequível, que se saiba qual é, que não são certamente 20 anos para fazer numa solução transitória. Podem ser cinco, podem ser quatro, 5, com 4, mas tem de ser uma coisa altamente previsível. E agora não podemos cometer erros.
O aeroporto de Lisboa, que está dentro de Lisboa e tem todas as suas inseguranças, só desde 2008 ou 2009 é que tem ligação de metro. É impensável. Foi um aeroporto concebido no tempo do antigamente, que foi construído quando se pensava que as pessoas iam para o aeroporto de motorista, a família ia levar, ia buscar, ou ia-se e vinha-se de táxi. E todos aprendemos aquelas manobras de ir apanhar nas chegadas, de apanhar o táxi nas partidas, para ser mais fácil e demorar menos tempo.
Portanto, temos de ter, seja qual for a solução, temos de ter boas soluções ferroviárias de alta capacidade, com tempos razoáveis e que nos permitam, em segurança, chegar ao aeroporto ou sair do aeroporto. Todos nós, os que residimos em Lisboa e também os turistas. Agora, temos de pensar que a nossa economia também depende disso, não são só os turistas, a nossa economia não pode ser só o turismo, é também o resto da economia e nós portugueses, nós residentes em Portugal, temos de ter a garantia de que temos um aeroporto com boas acessibilidades.
As acessibilidades têm de estar no topo de qualidade para o novo aeroporto de Lisboa e temos de ter, rapidamente, o novo aeroporto de Lisboa sem termos hesitações nas decisões que têm de ser tomadas a partir de agora.
