APAV vê "lado obscuro" em algumas medidas de proteção contra violência doméstica
O responsável pela área da violência doméstica da APAV explica, na TSF, que as medidas de proteção têm muitas vezes "um lado obscuro". "É quase dizer às vítimas que saiam das suas casas, que fujam com os seus filhos e que se escondam e fica a pessoa agressora no local onde esteve sempre."
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A Associação Portuguesa de Apoio à Vitima (APAV) vê com "com muita apreensão" os dados divulgados esta quarta-feira, que indicam que só este ano e até 15 de novembro, morreram 25 mulheres assassinadas em Portugal e denuncia o "lado obscuro" das medidas adotadas para proteger as vítimas.
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O responsável pela área da violência doméstica da APAV, Daniel Cotrim, realça que ainda "há muito por fazer" no combate a este problema.
"Olhamos para estes dados por um lado lamentando a perda das vidas destas mulheres e, por outro lado, com muita apreensão. Existe ainda muito para fazer no que diz respeito à violência doméstica e sobretudo à promoção da proteção das mulheres vítimas de violência doméstica", explica, acrescentando que os dados também revelam que, "em muitas situações, havia já violência prévia".
"E noutras situações já havia o conhecimento por parte da comunidade, por parte das organizações públicas ou privadas, tribunais, polícias, deste tipo de situações", lamenta.
Daniel Cotrim defende que olhar para a violência doméstica implica reconhecer que este fenómeno "atinge desproporcionalmente as mulheres", sublinhando por isso que é essencial focar no aspeto da prevenção, a começar pela mudança de mentalidades.
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"Quando olhamos para a violência doméstica não nos podemos esquecer que atinge desproporcionalmente as mulheres. Oitenta por cento das mulheres que apresentam queixa ou que se dirigem ao sistema de justiça são vítimas de violência doméstica, portanto, temos um país estruturalmente desigual, ainda com um discurso muito marcado pela misógina, pelo machismo, com muitos preconceitos a estes níveis em muitas áreas", afirma.
O responsável pela área da violência doméstica da APAV aponta que estes comportamentos "não mudam por despacho" e destaca que a "prevenção faz-se cada vez mais cedo".
"É fundamental refletir e mudar estas mentalidades. Sabemos que elas não mudam por despacho, por isso mesmo temos de investir muito na prevenção e a prevenção faz-se cada vez mais cedo, envolvendo as pessoas mais jovens, nas escolas, mas envolvendo, ao mesmo tempo, as comunidades e as famílias, tratando de temas como a cidadania, a igualdade, a relação positiva entre as pessoas, os direitos humanos e a paz", esclarece.
Também esta quarta-feira, o Presidente da República promulgou o diploma que alarga o subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica. Para Daniel Cotrim, a medida é boa, mas não pode encobrir o trabalho da Justiça.
"As mulheres que trabalhavam, e sobretudo quando estavam apoiadas por organizações de apoio à vítima, era feito um trabalho de parceria muitas vezes com as suas entidades empregadoras de forma a sensibilizá-las para colaborarem com as organizações e com as vítimas, de forma a que elas não perdessem direitos. Não achamos que sejam este tipo de medidas que por si só vão aumentar o número de denúncias, mas têm obviamente um efeito mais positivo quando as mulheres, neste caso, apresentam as suas queixas e veem os seus processos a andar", ressalva.
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O responsável lembra ainda o "lado escuro" que muitas vezes está implícito na adoção destas medidas: "Não nos podemos esquecer que muitas vezes estas medidas aquilo que têm, numa espécie de lado escuro, é quase dizer às vítimas, às mulheres, que saiam das suas casas, que fujam com os seus filhos e que se escondam e fica a pessoa agressora no local onde esteve sempre."
Daniel Cotrim apela assim à exigência por "uma Justiça rápida e célere".
O Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA) da União de Mulheres Alternativa e Resposta contabilizou 25 mulheres assassinadas em Portugal, entre o início do ano e 15 de novembro, das quais 15 femicídios, segundo dados preliminares divulgados esta quarta-feira.
"Em 2023, entre 1 de janeiro e 15 de novembro, foram assassinadas 25 mulheres. Destas 25 mulheres, em 15 temos notícia e informação suficiente para classificar estes assassinatos como femicídios. Quinze mulheres foram assassinadas num contexto de relação de intimidade, atual ou prévia, e este foi o motivo pelo qual o crime aconteceu", disse esta quarta-feira aos jornalistas Cátia Pontedeira, uma das autoras de uma infografia do OMA.
O documento foi apresentado esta quarta-feira na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, tendo Cátia Pontedeira explicado também que nalguns casos existia violência anterior aos femicídios, homicídios em que existe violência de género, que ocorre por existir "um diferencial de poder entre homens e mulheres" herdado "da sociedade patriarcal", considerou Carolina Magalhães Dias.