O comandante operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Coronel Duarte da Costa é o convidado desta semana do programa Entrevista TSF/DN.
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Ingressou na academia militar em 1981, foi adjunto do PR Jorge Sampaio e assessor de relações externas no gabinete do ministro da defesa, Augusto Santos Silva. Na carreira militar, coronel de infantaria, passou pela Eurofor, em Florença, mas também por teatros como Macedónia ou Afeganistão. Comandou a escola de tropas paraquedistas, passou pelo regimento de comandos e como Chefe de Estado-maior das Forças Terrestres planeou, entre outras coisas, as ações do exército no combate aos incêndios.
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Segunda parte da entrevista conduzida por Arsénio Reis (diretor da TSF) e Paulo Tavares (diretor adjunto do Diário de Notícias)
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Uma das falhas mais relevantes dos incêndios de Pedrógão e de outubro foi a quebra de comunicações entre os comandos e as unidades no terreno. Tem garantias de que o sistema SIRESP não vai voltar a falhar?
Garantias é sempre um termo muito adverso de se utilizar. Tenho a certeza que tenho neste momento um conjunto de meios supletivos e complementares que me permitem em situações extremas poder acorrer naquilo que é a minha capacidade de comando e controlo. Tenho mais meios no terreno, mais meios ligados ao sistema SIRESP, mais estações de energia para poder utilizar em caso de quebra, tenho muito mais antenas distribuídas pelo território. Mas não nos podemos esquecer que temos supletividade de outros meios que a qualquer momento poderão acorrer caso haja falhas parciais dos sistemas. E depois temos uma capacidade que tem sido desenvolvida pelas Forças Armadas nas comunicações que podem fornecer aos sistema e que estamos a integrar e para podermos no terreno preparar essa integração. Basearmo-nos apenas num sistema para comando e controlo seria desaconselhável, porque os sistemas são todos falíveis. O que me compete é arranjar soluções complementares que me permitam utilizar outros sistemas. E aconteceu isto no exercício Montemuro em maio em que testámos falhas de comunicações propositadas para meter outros sistemas a funcionar e respondeu muito bem.
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Isso quer dizer que o investimento foi feito mais no plano B o que no plano A?
Não, acho que o investimento foi feito no plano de preservar as comunicações de comando e controlo e para essas todos os meios são úteis. Não podemos perceber que estruturas que são alimentadas por impostos portugueses também não participem no esforço em que é essencial acorrer a todos os meios para salvaguardar a vida dos portugueses. Numa situação extrema, todos os meios são poucos para trabalhar. Por isso esta tentativa de querermos trabalhar todos os meios conjuntamente com os meios disponíveis, os que estão a ser adquiridos, os das FA e que com isso consigamos aquilo que é uma capacidade de comando e controlo permanente, simplificada, onde se permita o executar o comando centralizado e a execução descentralizada.
Quando estava só com funções no exército comandava precisamente a participação dos militares em operações de combate ao fogo. Do seu ponto de vista é óbvio que há necessidade maior empenho de meios militares neste tipo de operações?
Não diria que é óbvio, mas diria que as FA têm feito um esforço muito meritório na sua capacidade de providenciar apoio às ações militares de emergência.
E não vê com maus olhos esse esforço...
Não. Aliás, eu participei nesse esforço nas funções anteriores, nomeadamente no exército no trabalho do regimento do apoio militar de emergência e nas máquinas de engenharia e por todos o trabalho que tem sido feito na utilização dos nossos militares dos três ramos nas ações de vigilância e rescaldo. Isso é, como não poderia deixar de ser, um fator estruturante do estado e que faz falta ser utilizado. Esses meios, sejam da Marinha, Força Aérea, Exército, são meios complementares que me permitem encarar este dispositivo com muito mais confiança. É um esforço que tem sido perseguido pelas FA nos últimos anos, mau seria se não o conseguíssemos integrar e utilizar. Sei que essa vontade existe nas próprias FA de participar cada vez mais nesta estrutura de complementaridade.
Até por ela ser relativamente polémica entre bombeiros e...
Não diria que é polémica. Em situações de necessidade, as polémicas ficam de parte. Quando tenho meios que podem ser utilizadas, irei fazer uso deles na medida do que a lei me permite. Se tenho os meios é para os poder utilizar, aliás os meios são todos pagos pelos impostos portugueses e essa é uma verdade incontornável.
Este ano foi particularmente agitado na contratação de aviões e helicópteros para combate a incêndios. Houve concursos que falharam, adjudicações diretas. Faz sentido o estado não ter sob o seu controlo direto um conjunto base de meios aéreos... Faz sentido entregar isto nas mãos de privados?
Não sei se faz sentido ou não, mas posso dizer que os recursos são escassos e tem de haver um balanceamento grande entre a capacidade de o estado ter uma estrutura pesada de meios aéreos ou poder fazer o contrato desses meios a outras entidades. Deste bom senso e prudência que tem de haver na análise deste assunto é que estará a melhor solução. Neste momento tenho os meios aéreos que estão planeados e muito reforçados no ataque inicial. Como tenho referido, tivemos duas mil ignições e não houve notícia disso porque o sistema funcionou e os meios aéreos estiveram a operar. Todos os dias tenho uma boa dezena de meios aéreos a trabalhar para que esse ataque inicial seja robustecido e tenha resultados. A melhor prova que tem resultados é que dos dois mil incêndios de maio e dos 256 incêndios da semana passada, todos eles foram dirimidos grande parte deles no ataque inicial com a ajuda dos meios aéreos, mas sobretudo com a ajuda dos meios terrestres e bombeiros no terreno. Os meios aéreos são mais uma solução, não são a solução. Participam na capacidade aumentada que tenho para combater os incêndios. Tão ou mais importante é que eu tenha no terreno os elementos que possam combater os fogos e fazer ações de rescaldo com eficácia.
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Tendo em conta todo o investimento que tem sido feito em todos os grupos de intervenção e socorro, que passam a ter um papel não só na primeira intervenção mas também no ataque ampliado com meios pesados, estamos perante uma mudança grande no paradigma normal de combate a incêndios com os bombeiros a passarem para uma segunda linha? Depois, no terreno como é que isto se articula? Quem é que vai ter o comando duma estrutura deste tipo que mistura vários ramos?
Não tenho nenhum agente de proteção civil que tenha mais importância relativamente aos outros elementos. O que foi tentada nesta solução, cujo mérito não é meu, é utilizar as melhores capacidades de todos os elementos que tenho na estrutura e de uma maneira em que rapidamente consigamos dirimir os incêndios na sua fase inicial. Isto está ligado não só a estrutura que está vertida nas missões que a GNR tem e que complementado com elementos da força especial de bombeiros, que também está sob o comando na ANPC, possam também atuar no terreno no apoio de combate aos incêndios. Todas as soluções são boas desde que sejam integrativas. Durante muitos anos estivemos de costas voltadas uns para os outros e a deixar que a cultura própria das associações levasse a que andassem de costas voltadas...
Isso é mais fácil de resolver hoje depois do que aconteceu o ano passado?
Estão mais alerta para isso, acima de tudo. Respondendo a quem comanda isto tudo, é fácil: é o comandante nacional operacional e é por isso que eu fui escolhido para esta missão.
Mas depois no terreno há uma segunda linha?
No terreno há várias linhas. Quero falar de subsidiariedade, que é fundamental. Num primeiro emprego, não vou utilizar todo o meu dispositivo nem toda a minha capacidade de comando. Vou utilizar a minha capacidade de comando localmente com os meus comandantes distritais. Se a situação evoluir em que tenha de incorporar vários distritos tenho uma estrutura intermédia com os CADIS - comandantes de agrupamento de distrito -, para irem para o terreno para integrarem aquilo que os comandantes distritais da ANPC com a sua força e elementos de proteção civil possam ser integrados, e quando a situação ultrapassar a área do agrupamento distrital, o comandantes nacional, com todo o peso da sua cadeia de comando vai para o terreno atempadamente. Temos de ser acima de tudo proativos, não podemos estar à espera que as situações cheguem fora de controlo para poder meter o comando nacional em ação. Ele existe para estar 24h por dia disponível. Nessa perspetiva, e num regime de subsidiariedade, vou esgotando os níveis mais baixos de meios para subir para os mais elevados e aí posso garantir que estarei no terreno com toda a minha máquina e com todos os meios que o estado português meter à minha disposição, sejam eles bombeiros, forças armadas, todos os agentes... populações que se queiram organizar, como está a acontecer no caso das aldeias seguras em que temos a própria população com os tais oficiais de segurança, que são elementos reconhecidos dentro das aldeias e testamos isto no Montemuro e vi isto funcionar, as pessoas estão alertadas. As pessoas estão mais alertadas, há um maior trabalho de prevenção e preparação para a época de incêndios e tudo isto reside na vontade do cidadão português participar e perceber que proteção civil somos todos nós.
O que aconteceu o ano passado acabou com a velha questão de militares a comandar civis e civis a comandar militares que sempre entreteve muita gente em polémicas e artigos de opinião. Isso acabou?
Não sei se acabou. Em situações de exceção o comando tem de ser único, venha de onde vier. Não me compete a mim definir que é que tem de comandar. Neste momento o comandante nacional sou eu e tenho estas forças todas à minha disposição para conferir segurança aos portugueses e numa situação de exceção, seja quem for que esteja ao comando, não pode haver haver cadeias de comando paralelas, porque isso resulta em fracasso e derrota.
Tem garantia de que estes homens dos GIPS vão para o terreno este ano com todo o equipamento que precisam?
Têm todo o equipamento que a GNR lhes está a fornecer e sei que estão a fazer um esforço mas compete à GNR saber se os elementos estão ou não com o equipamento que necessitam. Do que tenho visto estão a atuar estão a atuar com o equipamento que é requerido para poder face numa primeira intervenção aos fogos.
Os GIPS serão cerca de 1000 efetivos. Imaginando que são divididos por turno e que 250 ficarão em cada turno, se são eles os destacados para as primeiras intervenções, se houver 50 ou 60 fogos, o que é que acontece? Pedem ajuda aos bombeiros?
Os bombeiros estarão sempre em regime de supletividade. O paradigma não é estar a pedir ajuda aos bombeiros, às forças armadas ou à GNR, o paradigma é utilizar todos os meios quando forem necessários. É óbvio que há horários de trabalho em que as pessoas tendem a inserir o seu regime de trabalho. Nem vou falar de militares que têm uma condição militar em que estão disponíveis 24h, mas houve bombeiros a trabalhar 3 dias seguidos sem sair do terreno. A imagem de que o bombeiro voluntário não é capaz não corresponde à realidade, o bombeiro voluntário é profissional na sua ação e vários, mas vários, foram os casos dos que dormiram poucas horas, nas viaturas e no chão e só porque estão imbuídos numa missão de salvaguarda da vida dos portugueses e da riqueza do país.
O que é que seria preciso para se demitir do cargo este verão?
Seria preciso muito porque eu tenho uma missão para cumprir e sou um homem de cumprir missões. A missão foi-me dada e eu vou cumpri-la até ao esgotar das minhas forças. Há 31 anos que nunca larguei uma missão e vou cumprir esta certamente.