As moedas de Mestre e a janela de Roby. Memórias de repórteres da TSF no Chiado
O incêndio no Chiado foi há 30 anos. Nuno Roby Amorim foi o primeiro a dar a notícia, na TSF, e José Manuel Mestre percorreu vários pontos ali à volta para contar tudo. Três décadas depois voltaram ao Chiado.
Corpo do artigo
O relógio ainda não marcava as cinco da manhã quando uma luz amarela, intensa, começou a sobressair na zona do Chiado. Naquela madrugada de 25 de agosto de 1988 Nuno Roby Amorim, estagiário na recém-criada (29 de fevereiro daquele ano) rádio TSF, viu o sono, ou a falta dele, torná-lo testemunha do incêndio que mudou o rosto do Chiado, em Lisboa.
"Fiz toda esta reportagem da janela de minha casa. Morava na Calçada de Santana, num terceiro andar com uma vista incrível, não sei porquê naquela noite não estava a conseguir adormecer e vi muito cedo as chamas. Liguei para a rádio e comecei a entrar em direto." O ponto de reportagem privilegiado de Nuno Roby permitiu-lhe contar primeiro que todos o que acontecia. "Quando fiz o primeiro direto ainda nem tinham chegado os bombeiros. Aliás, eu relato a chegada deles em direto, dos primeiros bombeiros. Foi muito rápido desde as primeiras chamas até isto ter uma dimensão monumental."
TSF\audio\2018\08\noticias\24\rod_chiado_30_anos_nuno_robi_amorim
O fogo começou nos Armazéns Grandella, na Rua do Carmo. Destruiu 18 edifícios, uma área à volta de oito hectares, matou duas pessoas e deixou quase meia centena de feridos.
Noutro ponto da cidade, José Manuel Mestre, que dava os primeiros passos no jornalismo e ainda vivia numa residência de estudantes, estava meio-acordado, agarrado a um rádio-despertador, que lhe trouxe a notícia em primeira mão: "foi o Nuno Roby que me acordou, com o relato das chamas no Chiado." Já nem passou na rádio, foi direto para a zona que ardia.
"Eu saltei imediatamente da cama, levei dois minutos a sair de casa, e quando cheguei ao Largo da Misericórdia vi luz, faúlhas no ar e fui à cabine telefónica ligar ao Francisco Sena Santos dizer-lhe o que estava a ver. Ele respondeu: vamos já entrar em direto!"
TSF\audio\2018\08\noticias\24\ricardo_oliveira_duarte_30_anos_incendio_chiado_mestre
Seguiram-se horas e horas de diretos, de manhã estavam 20 repórteres da TSF no terreno.
José Manuel Mestre tinha uma vantagem competitiva em relação a todos os outros, ele fazia dos tubos dos rolos da máquina fotográfica que usava nos tempos livres mealheiro e assim tinha vários com moedas de 25 escudos. "Trouxe dois ou três tubos cheios de moedas que me permitiram ser itinerante. Em cada sítio onde eu via uma coisa nova ou um pormenor que pudesse acrescentar eu corria à primeira cabine para contar."
Uma das coisas que os dois repórteres não esquecem é a dificuldade que os bombeiros tiveram para combater as chamas. Nuno Roby, da janela de casa, via como eles não conseguiam chegar perto do fogo. "O presidente da Câmara da altura, Krus Abecassis, tinha feito aí uns bancos e eles impediram o normal funcionamento e manobras dos bombeiros e das polícias."
TSF\audio\2018\08\noticias\24\24_agosto_rod_30_anos_incendio_chiado_mestre_e_roby
Às 11h da manhã daquele 25 de Agosto, a TSF anuncia que o incêndio estava totalmente controlado. José Manuel Mestre recorda o cenário que encontrou ao passar na Rua do Carmo. "Nessa tarde, ainda com algum fogo, passei por aqui e os ferros estavam torcidos, por terem derretido. Os armazéns Grandella eram quase todos de ferro e as vigas enormes de ferro estavam retorcidas, estavam tortas, isso foi o que mais me impressionou."
A cobertura que a TSF fez do incêndio do Chiado valeu-lhe o primeiro Prémio Gazeta, do Clube dos Jornalistas. Um prémio coletivo, para toda a redação.