As vozes que a PJ ouve: o som como prova de um crime
Guilhermina Sousa
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Burlas em call centers, seguradoras, agências de viagens; ameaças via telefone; escutas de processos judiciais; declarações em tribunal; tráfico de droga e até violações e abusos sexuais de menores. Todos os dias chegam à PJ gravações que denunciam os mais diversos crimes. A TSF esteve no Laboratório de Polícia Científica e também escutou algumas dessas vozes.
Ao fundo de um longo corredor, entramos num pequeno estúdio. Há uma cabine de gravação, ecrãs de computadores, uma mesa de mistura e colunas de som. É aqui que André Saraiva, engenheiro físico de formação e perito forense todos os dias, escuta as muitas gravações que vão parar às mãos da Polícia Judiciária (PJ) e que podem provar a existência de crimes.
André Saraiva trata de explicar, quase de imediato, que os especialistas que aqui trabalham não são polícias. Só entram em cena quando os investigadores identificam um suspeito. Nesse momento, a sua tarefa é gravar a voz do suposto criminoso, comparar com aquela que surge na gravação "original" - a da denúncia - e verificar se existe ou não uma correspondência.
Regra geral, esta gravação, feita pelos peritos forenses, é uma conversa descontraída, mais ou menos longa, preferencialmente sobre outros assuntos, que não o crime que está a ser investigado. O objetivo é apenas recolher o registo de voz, que depois pode servir para acusar ou para ilibar.

"O tipo era 'a' vítima"
Ao longo dos 15 anos que leva no Laboratório de Polícia Científica da PJ, André Saraiva já ouviu um pouco de tudo. Mas não hesita, quando a pergunta é sobre se algum caso o fez "perder a voz".
Recua no tempo até ao dia em que teve de analisar uma gravação de 40 minutos, em que um tio abusava de uma sobrinha menor. Estava tudo gravado, porque, "infelizmente, há pessoas que gravam todo o mal que fazem".
Ouvido o registo de som, o perito viajou até ao Norte do país para gravar a voz do suspeito. E, quando lá chegou, "o tipo era 'a' vítima"! Afirmava que toda a gente o queria mal, era "inveja dos irmãos", porque ele "tinha um bocadinho mais"; porque tinha sido ele a regressar de França para tomar conta da mãe; porque "nem podia ter relações sexuais, já que tinha sido operado e tinha perdido essa capacidade"....
Uma longa conversa que deu ao especialista uma "grande amostra de voz", mas que acabaria por ser decisiva no desfecho deste caso. Horas depois, quase terminada a análise da gravação efetuada ao suspeito, André foi informado de que o homem se tinha suicidado. "Sabia que ia ser apanhado."

