Assédio moral, pressão e medo de errar leva técnicos de manutenção de aeronaves à exaustão
O "Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves" revela que 64% dos técnicos de manutenção de aeronaves declaram ter dificuldade em dormir e 44% declaram-se emocionalmente exaustos algumas vezes por mês.
Corpo do artigo
Os técnicos de manutenção de aeronaves em Portugal apontam o assédio moral, ou a pressão para trabalhar nas folgas, como fatores que levam ao esgotamento emocional, segundo os resultados de um inquérito realizado a pedido do sindicato do setor.
O assédio moral e a pressão para trabalhar em dias de folga, ou o medo de errar no desempenho das funções devido à falta de colegas e de organização, são algumas das razões que levam os técnicos de manutenção de aeronaves a ter sinais de cansaço e de esgotamento emocional.
Estas conclusões fazem parte do "Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves", realizado pelo Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho a pedido do SITEMA -- Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves, que será apresentado esta quarta-feira em Lisboa.
A grande maioria dos inquiridos (67%) faz horas extra, 60% confessam não conseguir efetivamente descansar nas folgas e 58% diz não ter tempo para cuidar da família ou deles próprios.
Quanto às horas extra, alguns testemunhos qualitativos revelaram que tal ocorre "por má programação da gestão e das chefias, que trabalham sistematicamente com deficiência de pessoal".
Os resultados indicam que 64% dos técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) declaram ter dificuldade em dormir, 44% declaram-se emocionalmente exaustos algumas vezes por mês, uma vez por semana (10%), algumas vezes por semana (14%) ou sempre (3%).
Jorge Alves, presidente do Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA), afirma, em declarações à TSF, que se nada for feito as consequências podem ser graves. O diagnóstico é preocupante com "consequências no dia a dia".
"A profissão é extremamente exigente a nível técnico e de responsabilidade, teme-se que, por este andar, podemos ter algum problema a nível de segurança, o que queremos evitar a todo o custo", afirma.
TSF\audio\2022\11\noticias\23\jorge_alves_1_exaustao
Muitos dos trabalhadores responsabilizam as chefias devido a uma má gestão das equipas. Jorge Alves explica que há "alguns problemas a nível de planeamento e da preparação do trabalho, e alguma falta de gestão".
Uma situação que é agravada devido à falta de técnicos: "O estudo vai nesse sentido, de haver bastante gente que é assediada para ir trabalhar para colmatar a falta de recursos humanos que é um dos principais desafios das empresas do setor."
Devido à crise que afetou a TAP e ao plano de reestruturação na companhia aérea, o estudo às condições do trabalho dos técnicos de manutenção de aeronaves foi realizado em duas fases: entre março e setembro de 2021 e entre julho e setembro de 2022. Dos inquiridos, 88% trabalha na TAP, seguindo-se a Portugália (6%) e a SATA (6%). Neste espaço de tempo as queixas agravaram-se.
"O assédio passou de 28 por cento para 39 e a pressão para trabalhar em dias de folga passou de 38 por cento para 62, o que é muito grave", diz Jorge Alves, reforçando que os trabalhadores "sentiam-se mais pressionados pelas chefias, porque no pós-pandemia as condições a nível laboral das empresas ficaram muito mais precárias, não só pela falta de técnicos, mas também pela falta de pessoal de apoio que também influencia o trabalho dos técnicos". "Os técnicos têm que fazer trabalho que já faziam e mais algum trabalho de apoio porque as pessoas foram reduzidas."
TSF\audio\2022\11\noticias\23\jorge_alves_3_crise_tap_agravou
Jorge Alves diz que se nada for feito pode estar em risco a segurança dos passageiros e faz um apelo para quem tem o poder de legislar: "Que consigamos que tenham a perceção, dados científicos e comprovados de que é preciso fazer alguma coisa, nomeadamente, na redução da idade da reforma para as pessoas que trabalham por turnos, que é altamente penalizante."
"Se nada for feito, podemos vir a ter aquilo que todos os dias lutamos para que não aconteça. Um incidente que possa levar a um acidente grave, que é tudo o que não queremos e que é uma das missões primordiais do técnico de manutenção de aeronaves", conclui.
O estudo foi realizado a nível nacional, entre março e setembro de 2021, com um total de 203 inquiridos. Em virtude da crise da TAP e do plano de restruturação em curso entre 2021 e 2022, foram repetidas algumas questões numa segunda fase do inquérito, que obteve 434 respostas, realizado entre 05 de julho e 06 de setembro de 2022. Além do inquérito, foram, ainda, realizados dois grupos focais, explicou o SITEMA em comunicado.
Segundo os resultados do estudo, a maioria dos inquiridos trabalha na TAP (88%), seguindo-se a Portugália (6%) e a SATA (6%), e vivem, na sua maioria, nos concelhos de Vila Franca de Xira e também em Lisboa, Sintra, Loures, Almada e Amadora.
A grande maioria dos inquiridos (67%) faz horas extra, 60% confessa não conseguir efetivamente descansar nas folgas e 58% diz não ter tempo para cuidar da família ou deles próprios.
Quanto às horas extra, alguns testemunhos qualitativos revelaram que tal ocorre "por má programação da gestão e das chefias, que trabalham sistematicamente com deficiência de pessoal".
Os resultados indicam que 64% dos técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) declaram ter dificuldade em dormir, 44% declaram-se emocionalmente exaustos algumas vezes por mês (17%), uma vez por semana (10%), algumas vezes por semana (14%) ou sempre (3%).
Entre a primeira fase do inquérito e a segunda, o número de técnicos de manutenção a reportar serem alvo de assédio moral no trabalho -- na maioria dos casos este assédio é praticado pelas hierarquias -- passou de 28% para 39% quando contabilizadas as respostas "não sabe/não responde". A percentagem sobe para 45% quando se retiram da contabilização as respostas "não sabe/não responde".
Além disso, 38% declaram ser pressionados pelas chefias para trabalhar em dias de folga.
"Tal como noutros cenários de intensificação laboral em Portugal, o trabalho extra passou a ser uma norma na gestão. Este modelo de gestão tem impacto na relação entre trabalhadores e destes com as hierarquias, sendo que 62% sentem que o contacto negativo com as hierarquias os afeta", salienta o Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho, citado na nota de imprensa.
O estudo, em que a maioria dos respondentes é da empresa TAP, 98% são do sexo masculino e 85% tem o 12.º ano, realça que os TMA exibem "níveis preocupantes de sofrimento no trabalho e esgotamento emocional no seu todo" e que "nem todos os cansados exibem sinais de 'burnout', mas todos os que estão em 'burnout' têm índices de cansaço muito altos".
Entre as conclusões refere-se que existe uma "relação elevada entre o assédio moral no trabalho e a exaustão emocional", sendo que um dos fatores que mais preocupa estes profissionais é o congelamento salarial, que afeta 99% dos inquiridos e a possibilidade de encerramento da empresa (98%).
Entre os inquiridos, 86% concorda que os TMA deveriam ter um regime especial de reforma e 97% refere que o trabalho que desempenha envolve pressão contínua e stress laboral.
"Em sede de entrevistas qualitativas destacamos o medo de errar e a assunção, por parte dos próprios técnicos de manutenção, de que, com estas condições de trabalho, podem cometer-se erros que podem colocar em risco a segurança dos passageiros", alertam os investigadores.
Raquel Varela, historiadora e investigadora responsável pelo estudo, destacou, citada no comunicado, que "as conclusões mostram uma degradação das condições destes profissionais que está já a afetar sua a saúde a todos os níveis".
Por seu lado, Jorge Alves, presidente do SITEMA, sublinhou que "o pedido deste estudo foi feito partindo do pressuposto de que havia um sentimento geral de desgaste dos TMA".
"É importante alertar as principais entidades empregadoras para o facto de os trabalhadores estarem cansados e que é preciso agir já para evitar consequências piores. (...) Deve haver um investimento a médio prazo na formação de novos TMA, que em média demoram 10 anos a qualificarem-se aptos para a função, de forma a aumentar a captação de novos talentos nas universidades e que esta categoria profissional seja reconhecida e valorizada, não só na aviação civil, mas pela sociedade em geral", defendeu.