Em quatro meses, polícia fez três rusgas ao espaço "Planeta Manas", no Prior Velho, concelho de Loures. Associação Cultural Mina diz que PSP nunca apresentou mandados de busca e acusa agentes de linguagem discriminatória neste espaço bastante frequentado pela comunidade LGBTQIA+
Corpo do artigo
Um homem e uma mulher entram a correr, escada acima, no "Planeta Manas", o espaço da Associação Cultural Mina, no Prior Velho, Loures. Nádia Ferreira e Inês Coutinho, que estavam à entrada para fazerem cartões de associado (só se pode participar na programação do espaço sendo sócio), acharam que se tratava de um assalto. Afinal, era a polícia, à paisana, dando assim início à terceira rusga dos últimos quatro meses neste espaço cultural.
De acordo com a memória destas duas pessoas da Mina, eram cerca das duas da manhã e estava para começar uma performance da artista Keyla Brasil. Já havia público presente e com expectativas elevadas para esse momento quando os planos mudam drasticamente. Era um reviver de outras operações, a primeira data de janeiro de 2022.
"Foi uma operação com uma entrada bastante violenta e uma comunicação, pela parte da PSP, bastante violenta, que incluiu insultos homofóbicos, agressão física ao nível dos empurrões", começa por recordar Inês que diz que a preocupação cresce quando "isto voltou a acontecer mais três vezes nos últimos quatro meses". Especificamente, aconteceram rusgas a 18 de outubro, 20 de dezembro e 8 de fevereiro.
À TSF, Nádia e Inês realçam que nunca foram dadas justificações por parte dos agentes da PSP, nunca informaram de nenhum mandado judicial ou forneceram autos das operações. "Uma das vezes que pedimos, um agente disse-nos as seguintes palavras: 'Ah, nós mandamos por correio, mas às vezes o correio perde-se'", conta Inês Coutinho.
"Nunca nos foi apresentado um mandado, nós pedimos sempre com muita veemência, logo mal eles entram, porque sabemos que isso seria a primeira coisa. Não só não nos apresentam, até falam num tom jocoso, como se nós não soubéssemos do que é que estamos a falar", aponta ainda.
Das operações policiais anteriores a esta de fevereiro, há também acusações de violência física e verbal por parte da polícia. Não só insultos homofóbicos, mas também queixas físicas: "vários agentes carregaram sobre nós". Inês garante que têm tudo documentado em vídeo. Já sobre os insultos, recordam que em outubro foram ouvidos comentários como "este sítio é só maricas, é só bichas".
Porém, desta vez, a 8 de fevereiro, uma mudança no comportamento da polícia. "Desta última vez, em que vieram agentes da Autoridade Tributária, da ASAE e da Proteção Civil, tivemos uma comunicação super fluída, apresentámos toda a documentação, todas as licenças, e notámos nesta última vez, com um grande choque, que o comportamento da PSP foi abissalmente diferente do costume", aponta Inês Coutinho.
"Quando eles cá vêm sozinhos têm um comportamento muito diferente de quando estão a ser observados por colegas institucionais. E nós temos, outra vez, várias documentações e provas e testemunhas de que isto foi assim", completa.
Stonewall à portuguesa?
Os relatos dos acontecimentos, inclusive com vídeos já a circular nas redes sociais, fazem lembrar Stonewall e o início do movimento de luta pelos direitos LGBT, na Nova Iorque dos anos 60. Foi com raids policiais neste espaço queer que se deu a revolta que levou a uma crescente mobilização para a reivindicação de direitos por parte desta comunidade.
Voltando a Portugal de 2025, a ausência de justificações oficiais para estas operações policiais leva esta associação a pensar no "cariz discriminatório". "As únicas pistas que temos, neste momento, foram certos comentários homofóbicos que foram feitos, porque nós somos muito inclusivos da comunidade LGBT e já fizeram comentários e gritaram coisas bastante desagradáveis, não sei se poderá ter algum cariz discriminatório. Porque, de resto, nós sempre mostrámos boa fé e sempre fomos colaborativos em termos de apresentar toda a documentação, realmente o nosso dossiê é muito completo, tanto que em nenhuma das visitas eles saíram de cá com algum tipo de apreensão ou a nos levarem para a esquadra", lembram.
O "Planeta Manas" é a sede da Associação Cultural Mina e apresenta-se como espaço com várias atividades culturais, tem inclusive uma rádio comunitária. Mas também tem programação cultural ligada à música, com concertos e festas que rompem a madrugada, muito frequentadas pela comunidade LGBTQIA+ e por migrantes. "Faz-se, cria-se e frui-se aqui de muita música em vários formatos", diz Inês que é também uma pessoa ligada à música, conhecida no circuito como Violet.
Questionada sobre se as operações policiais não poderiam estar relacionadas com eventuais consumos de estupefacientes, como já deu nota o jornal Público em outubro, Inês Coutinho pensa que não. "As apreensões, que eu saiba, terão sido só doses individuais, que é uma coisa que acontece em todos os espaços musicais, eu diria que desde a ópera até ao techno, é uma coisa que vai acontecer se forem feitas buscas ilegais, porque no fundo foram revistas ilegais às pessoas", explica notando que "as apreensões nem sequer foram significativas o suficiente para eles levarem alguém para a esquadra, por exemplo". "Ou seja, não vejo nada aqui que seja fora do normal que se veria na mesma hora num outro espaço cultural", conclui.
Desta vez - e com vídeos a circular nas redes sociais -, o público reagiu à operação policial com palavras de protesto como "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais", algo atípico para uma madrugada de um sábado num espaço como este. Mas isso é também uma das características sublinhadas por esta associação para não desmoralizar no trabalho que tem vindo a fazer nos últimos anos: "a maior parte do nosso público é bastante envolvido na cultura, é bastante politizado e vê isto como um espaço de verdadeiramente resistência em que é preciso mesmo cá vir". E assim estimam que vá continuar a ser. Com ou sem operações da polícia.
A TSF questionou a PSP sobre estas operações, nomeadamente sobre as motivações, eventuais mandados e resultados das operações. Até ao momento, sem qualquer resposta