De 500 a 1.500 processos pendentes. Estudo defende redistribuição dos juízes pelo país
Avaliação da OCDE à justiça portuguesa pede mudanças e sublinha que gestão dos tribunais continua fraca.
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Um estudo sobre a justiça portuguesa publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) defende que é preciso rever o sistema de avaliação dos juízes, mas também distribuí-los melhor (nomeadamente pelas regiões com mais pendências) e identificar os casos problemáticos que entopem os tribunais.
O documento revela, por exemplo, que há, na justiça civil, enormes variações nas taxas de resolução entre comarcas, bem como no número de processos distribuídos por juiz. Nas três comarcas da região da Grande Lisboa, cada juiz do cível tem, em média, cerca de 1.500 processos pendentes (no Porto ronda os 1.200), número que em várias regiões do Interior, como Castelo Branco, Guarda, Bragança, Viana do Castelo, Portalegre e Vila Real, desce para um terço (quase 500 a 600).
São números como os anteriores que levam os autores a defenderem a realocação de juízes para comarcas mais entupidas de processos, sublinhando que é preciso aumentar a autonomia da gestão dos tribunais para que possam "efetivamente gerir recursos como juízes e orçamentos", sendo preciso reforçar o papel dos juízes que presidem aos tribunais.
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Os efeitos sobre a economia
O estudo "Melhorar a eficiência do sistema judicial para aumentar a atividade económica em Portugal" foi publicado em setembro e é feito por dois especialistas da OCDE, Yosuke Jin e Sofia Amaral-Garcia, aprofundando os dados que estiveram na base de algumas recomendações feitas no início do ano no habitual "Retrato económico de Portugal", assinado pela organização internacional.
"O tempo médio para resolver os processos é longo em Portugal, o que indica ineficiência do sistema", afirma o estudo agora revelado, que tenta mostrar como os tribunais travam o desenvolvimento da economia nacional - Portugal é dos países onde as dívidas demoram mais tempo a ser pagas, afetando a liquidez das empresas.
Mudar a avaliação dos juízes
Destacando que "a gestão dos tribunais continua fraca", com Portugal a ter taxas de resolução baixas, o estudo lamenta que o número de juízes por comarca esteja dependente da lei.
O documento aponta ainda a falta de dados para perceber a eficácia das sucessivas mudanças na justiça portuguesa. Os autores afirmam que devia ainda usar-se o programa informático da justiça (o CITIUS) para identificar os casos problemáticos e os que devem ser considerados prioritários.
Sobre a avaliação dos juízes também são propostas mudanças: "A avaliação dos juízes é feita por um juiz inspetor que também é, ele próprio, juiz", o que pode "limitar a objetividade na avaliação de pares". A avaliação dos juízes deve ser mais "objetiva", nomeadamente olhando para a "qualidade das decisões", sendo apresentado o exemplo holandês, onde essa avaliação recorre a outros juízes mas também auditorias e inquéritos de satisfação".
A progressão na carreira dos juízes portugueses depende muito do tempo de serviço, com o estudo a recordar que os juízes portugueses tendem a escrever sentenças "longas e complexas" e a defender que é preciso "combinar" outros elementos "quantitativos e qualitativos".
Associação Sindical dos Juízes desconfia do estudo
Manuel Soares, presidente da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, desconfia de alguns dados deste relatório, e considera que o sistema português de avaliação dos juízes é já um dos mais abrangentes da Europa.
"Em termos europeus, o nosso sistema de avaliação é mais completo, porque temos uma avaliação periódica que abrange todos os juízes de cinco em cinco anos. Isto significa que cada juiz, ao fim de 25 anos, tem cinco inspeções completas ao seu serviço para obter uma classificação", argumenta, em declarações à TSF.
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Para o presidente da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, "este relatório aponta que as inspeções não deviam ser feitas por juízes, mas isso é o contrário daquilo que foram as recomendações do Conselho da Europa, que dizem que a avaliação profissional dos juízes deve ser feita tendo em conta também os conhecimentos técnicos dos juízes".
"De qualquer modo, e nesse ponto o relatório não está inteiramente correto, porque a classificação em Portugal não é dada por um juiz inspetor, é dada pelo Conselho Superior da Magistratura, que tem 17 membros, e a maior parte não é juiz, portanto muitas vezes as notas não correspondem às que são propostas", alega ainda.
Em relação à realocação de juízes para comarcas com mais processos, Manuel Soares admite que o sistema pode levar algum tempo a concretizar as transferências, mas garante que, de uma forma geral, os juízes já se encontram maioritariamente colocados em zonas com mais trabalho. "A maior parte dos juízes está concentrada nos centros urbanos, onde também se concentra a maioria dos processos."
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No entanto, realça Manuel Soares, um "aumento repentino de de processos" pode ser um contratempo a que é difícil responder com prontidão. "Quando aumentam muito num ano ou dois, o sistema demora um pouco a reagir e a atribuir mais meios", precisa.
No que diz respeito aos efeitos da lentidão da justiça sobre a economia, o presidente da Associação Sindical dos Juízes admite que tal possa de facto acontecer,
mas assegura que a situação tem melhorado.
*com Sara de Melo Rocha