"Até parecia que estávamos a falar do BE." Abel Matos Santos e a crise de identidade do CDS
Candidato da Tendência Esperança em Movimento defende que o CDS "não pode ter vergonha de se afirmar como um partido de direita". Eterno crítico da direção de Assunção Cristas, admite que "no congresso, todos os cenários estão em aberto e são conhecidos", mas assegura: "sei qual o candidato que nunca apoiarei".
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Filiou-se no CDS durante a presidência de José Ribeiro e Castro, afastou-se durante a liderança de Paulo Portas - "pela forma como tratou" o antecessor - e reaproximou-se do partido primeiro através do movimento "Alternativa e Responsabilidade", criando, de seguida, a "Tendência Esperança em Movimento" pela qual continua a dar a cara para fazer, diz, "a defesa firme e convicta dos valores da democracia cristã". Natural de Coruche, Abel Matos Santos esteve ausente nas duas campanhas do partido no último ano, mas, mal Assunção Cristas anunciou que abandonaria a liderança do CDS, fez saber que estava disponível para ser candidato "pela mudança".
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Para o conselheiro nacional centrista, "o partido descafeinou-se nos últimos tempos" e "não pode ignorar os 45 anos de história que tem". "O CDS não pode ter vergonha de se afirmar como um partido de direita", defende Abel Matos Santos, sustentando: "nos últimos quatro anos, o partido tentou ser um partido onde todos pudessem caber, um partido que queria captar todos os votos, que queria agradar a todos, que tomava opções políticas de acordo com o sabor do vento e isso não pode ser. Não pode ser a agenda do dia-a-dia a comandar os destinos e o caminho de um partido político como o CDS".
Em entrevista à TSF, o candidato à liderança tece duras críticas à direção de Assunção Cristas identificando mesmo "semelhanças" com outros partidos do espetro parlamentar, incluindo de esquerda. "Se é para ser um PSD pequenino, já lá está o original, um PSD grande. Se é para ser o Bloco de Esquerda - nalguns assuntos até parecia que estávamos a falar do Bloco de Esquerda - ele também já existe. Quando se perde identidade, deixa de fazer sentido e o partido torna-se irrelevante", considera.
"Ser conservador é bom"
Autor de uma moção em que afirma que o CDS deve defender a vida e a família como valores "fundamentais"-- com a revogação da legislação do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo entre as propostas--, o psicólogo clínico do Hospital de Santa Maria rejeita discussões em torno do "conservadorismo" da corrente que lidera. "Ser conservador é bom, porque é manter o que está bom e mudar o que está mal", salienta, referindo que "a discussão entre conservadores e liberais é muito redutora".
"A esquerda nos últimos anos tem afirmado e defendido o seu modelo de sociedade sem limites, de forma clara e convicta. A direita calou-se, amedrontou-se, encolheu-se, pedia licença para falar e não se afirmava", diz, acusando "o sistema político nacional, alguma imprensa e a esquerda" de terem criado "uma espécie de cordão sanitário à direita tornando apenas possível a existência de uma direita autorizada".
Casado e pai de duas filhas, Abel Matos Santos elege o combate à pobreza, o sistema nacional de saúde e a justiça como temas centrais ao nível programático, juntando-lhes, logo de seguida, a educação. "Nós temos um problema grave não só na questão dos professores e do sistema educativo nacional, que tem sido depauperado pelo governo socialista, mas também com as questões da ideologia de género e da doutrinação nas escolas que o ministério da Educação faz", explica, considerando que "a escola e o Estado ensinam, mas é a família que educa. E, portanto, não podemos passar a questão da educação para as mãos do Estado".
"Haver cinco candidatos é um sinal da vitalidade do partido"
Para o porta-voz da Tendência Esperança em Movimento, é positivo que haja cinco candidatos à liderança e que "todos possam expor as suas ideias para um maior esclarecimento dos militantes". Razão que o leva a insistir que "quer levar a candidatura até ao congresso", sem, no entanto, colocar de lado cenários de eventual apoio a outro candidato durante o conclave. Questionado pela TSF, foge ao tema quando a pergunta é sobre juntar-se à candidatura de Francisco Rodrigues dos Santos, líder da Juventude Popular. "Eu não sei se alguém desiste a meu favor. O que eu sei é que é importante que nós possamos levar até ao congresso com convicção e com segurança aquilo em que acreditamos e são os congressistas que, depois, decidirão e darão um sinal daquilo que querem", refere. "Eu vou para o congresso com a convicção de que a minha proposta é que melhor serve os interesses do partido", diz, sem negar que "os cenários existem", mas garantindo que "não falou com ninguém".
Entre o passado e o futuro
O candidato à liderança centrista acredita que "não há mal nenhum em aparecerem outros projetos e partidos à direita", como o Chega, que "não diaboliza", mas sublinha que o essencial é, nesta fase, o CDS centrar-se no que quer para o partido e para o país. "O que eu entendo - e para aquilo com que contribuo - é que o partido tem de fazer uma discussão séria entre o passado, o mais do mesmo, e o futuro. E nesta diferença eu sei qual o candidato que nunca apoiarei, porque representa o caminho que nos trouxe até aqui", assevera.
João Almeida?
"Claramente! É um candidato de continuidade, é porta-voz do partido, membro da executiva, participou no percurso que nos trouxe até aqui e eu não acredito que mude, porque as pessoas são o que são", salienta, deixando um conselho ao deputado, também candidato: "há uma altura em que nós temos de nos sentar e dizer agora é o tempo de outros". Só assim, conclui Matos Santos, o CDS pode fazer "uma nova viragem com novos protagonistas".