A meta do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (Persu 2030), apontada pela Comissão Europeia, era atingir em 2025 uma taxa de reciclagem de 55%
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O aterro sanitário do Sotavento do Algarve fica numa área a perder de vista. São cerca de cinco hectares no meio da serra do Caldeirão, no sítio da Cortelha. O que salta ao olhar é a vastidão de tela negra que cobre as duas células do aterro, já desativadas. Na terceira célula que está ativa, duas máquinas estão a compactar o lixo que se observa a céu aberto. “O objetivo é não só ganhar espaço em aterro, mas também retirar oxigénio para produzir biogás”, explica a diretora-executiva da Algar.
A Algar é a empresa que gere os resíduos em toda a região do Algarve e que, neste caso, desde a sua inauguração em 1998 assegura a gestão do aterro. É uma infraestrutura que recebe todo o lixo da zona sotavento do Algarve, desde Faro a Vila Real de Santo António.
Tal como quase todos os aterros sanitários do país, esta instalação está a atingir o seu limite. É possível ainda expandi-lo um pouco mais, construindo uma quarta célula - um projeto que ainda terá de ter Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e aprovação por parte da Comissão de Coordenação da Região do Algarve (CCDRA) -, mas o espaço que está, nesta altura, em exploração não terá capacidade para mais de dois ou três anos, no máximo. “É um problema que está a tornar-se complexo”, admite o responsável pela área de produção da Algar. “Um país que não consegue gerir os seus resíduos e que eventualmente pode ter que recorrer a situações de exportação, não digo que é um projeto falhado, mas temos de repensar todos porque é que chegamos aqui”, lamenta Carlos Juncal.
Reciclar mais é o que pode fazer a diferença, mas, ao que tudo indica, nem as campanhas de sensibilização estão a dar resultado. Em Portugal, estima-se que cada pessoa produza por ano 505 quilos de lixo e só 14% dos resíduos são reciclados. Encontramo-nos muito longe de atingir as metas definidas pela União Europeia: até 2025 deviam ser reciclados 55% dos resíduos urbanos, percentagem que deve aumentar para 60% até 2030 e para 65% até 2035. Algo que, a este ritmo, nunca vai acontecer. No aterro sanitário do sotavento do Algarve, essa realidade é bem visível, com muito plástico por todo o lado, na célula que se vê a céu aberto.
Telma Robim defende que é urgente pôr em prática penalizações ou incentivos à população, para que a taxa de reciclagem aumente. “São mecanismos que estão previstos no PERSU 20230, e que devem entrar quanto antes em funcionamento, porque só com esses sistemas conseguimos atingir taxas de reciclagem importantes”, garante.
No Plano Terra, apresentado recentemente pelo Governo, documento concebido por um grupo de trabalho para promover uma estratégia de emergência a médio prazo, o Algarve, o Norte e Lisboa e Vale do Tejo são as regiões apontadas como criticas. Caso não sejam tomadas medidas urgentes nestes locais, a capacidade de deposição de resíduos pode esgotar-se até 2027. No caso do aterro sanitário do Sotavento algarvio, poderá ainda ser construída uma quarta célula, que não deverá conseguir ser explorada para lá de 2034.
Por isso, no estudo apresentado pelo grupo de trabalho, aponta-se para a possibilidade de construção de mais dois incineradores (Valorização Energética), um na zona centro do país, o outro no Algarve ou Alentejo. “Não consigo encontrar formas de se chegar a uma deposição máxima de resíduos produzidos em aterro, sem valorização energética”, afirma a diretora-executiva da Algar. Telma Robim garante que os países europeus que cumprem as taxas de reciclagem e deposição em aterro fazem Valorização Energética.
Nos espaços onde o aterro já chegou ao seu limite, vê-se um enorme mar de tela negra. Dela saem metros e metros de tubos que retiram o biogás. Os aterros de nova geração já são capazes de recuperar e transformar muitas toneladas de lixo em biogás e eletricidade verde, que é depois injetada na rede elétrica.
Também os “lixiviados”, o que resulta da própria degradação dos resíduos ou da água da chuva que se infiltra no aterro, pode ter nova vida depois de passar por uma central com enorme maquinaria, onde se utiliza osmose inversa. A água que é depurada tem várias utilizações nas instalações do aterro, quer para lavagem de viaturas, quer para ser utilizada no combate a incêndios, por exemplo.
No dia em que a reportagem da TSF visitou esta infraestrutura, não se encontravam no local os quatro falcões que costumam estar de “serviço”. Tal como acontece nos aeroportos, estas aves de rapina tentam afastar outra passarada que vem ao aterro à procura de comida, como pombos ou gaivotas. “Apesar de não funcionar muito bem como as cegonhas”, admite Carlos Juncal.
Nos anos 90 do século passado, na região do Algarve, existiam vinte e duas lixeiras que foram substituídas por dois aterros sanitários, o do Sotavento e o do Barlavento, este último situado em Porto de Lagos, no concelho de Portimão. Dois aterros que acolhem os resíduos de uma população que, em algumas épocas do ano, ultrapassa um milhão de habitantes.