Atrasos, desorganização e críticas. O retrato de uma tarde de Le Pen com Ventura em Lisboa
Era um dos grandes trunfos da campanha presidencial de André Ventura, mas correu quase tudo ao contrário. Desde os jornalistas que foram embora ao atraso de 40 minutos, foram vários os percalços. Mas, no fim, fica a crítica sobretudo na questão das migrações.
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"É grave, não há uma câmara aqui dentro!" A frase é da autoria da assessora de imprensa de André Ventura e dirigida ao candidato presidencial naquela que era uma das grandes ações de campanha rumo a Belém: o encontro com a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen.
No entanto, se André Ventura tivesse chegado à hora marcada, 15h30, e não mais de meia hora depois, teria visto um pequeno auditório com cerca de 40 profissionais de comunicação social portuguesa e francesa. Num hotel no centro de Lisboa, três pisos abaixo do chão, sem rede ou muito limitada nos telemóveis, alguns jornalistas perante ausência de alguém da organização começaram a sair.
Mas é no momento do "sai, não sai" que André Ventura aparece e sugere que toda a gente que não é jornalista não fique na sala, mas mesmo esses já seriam demais para garantir o distanciamento apropriado.
Depois de entrar com o pé esquerdo devido a uma tremenda falta de organização, o candidato sobe ao palanque acompanhado por Marine Le Pen que, entretanto, já tinha chegado ao hotel também ela atrasada. Sem televisões na sala, André Ventura releva a importância de ter Le Pen ao seu lado no arranque da campanha, até pelo projeto comum que ambos querem construir.
"Há um projeto europeu que se está a consolidar, contrário àquilo que tem sido o projeto europeu de Bruxelas. Este projeto europeu contra o Pacto das Migrações, contra uma imigração descontrolada, contra a subsidiodependência, contra o aumento da criminalidade generalizada em alguns estados europeus e contra a destruição da matriz cultural cristã da Europa, mostra que estamos a construir uma alternativa diferente", nota André Ventura.
Em seguida, Marine Le Pen avança reconhecendo que o seu partido Rassemblement National e o Chega não são clones ou "cópias" um do outro, mas "parceiros e aliados", sobretudo contra o islamismo e contra o Pacto das Migrações. Mas desde logo, saúda o Chega, um partido que considera ser "um grito do coração, uma exortação à razão, mas também um sinal dos céus".
Piscando o olho à diáspora portuguesa, Marine Le Pen lembra aqueles que foram para França trabalhar que "honraram o seu país pela atitude exemplar, pelo seu civismo, pelo seu trabalho e espírito empreendedor que tanto tem contribuído económica e humanamente para a França". "Reconhecimento e carinho", nota Le Pen.
Sentimento contrário vai para outros, aqueles que tentam ir para França com "falsos pedidos de asilo". Ainda antes de criticar o islamismo, uma forma de autoritarismo para Le Pen, a líder da extrema-direita francesa sublinha que, "em França, o direito de asilo tem sido totalmente desvirtuado para ser utilizado como uma nova via de migração para o país". "A maioria dos requerentes de asilo são falsos requerentes de asilo", aponta Le Pen.
"Os patriotas portugueses não devem ignorar que o seu voto terá um significado."
De seguida, o ataque a António Costa lembrando palavras "preocupantes" do primeiro-ministro português, em 2018, a falar das vantagens da imigração para combater o problema demográfico de uma Europa envelhecida e ainda sobre o Pacto das Migrações.
Sublinha a política francesa que "agora que Portugal assume a presidência do Conselho da União Europeia e onde as orientações europeístas e de imigração expressas pelos dirigentes portugueses começam a desenhar-se, os patriotas portugueses não devem ignorar que o seu voto terá um significado".
"Sei quanto os portugueses são orgulhosos do seu país, apreciam a tranquilidade e a cortesia. Não deixem que aconteça, defendam o vosso país, a História, as famílias, as crianças e também a Europa inteira", destaca Le Pen.
Condenação da violência nos EUA
Sem palavras duras para Donald Trump, houve uma condenação do ataque ao Capitólio, em Washington. Primeiro ela, depois Ventura.
"Condeno de forma bastante firme os acontecimentos, a invasão e as pilhagens no Capitólio. Cada um tem o direito de contestar nos tribunais, mas não se pode usar a violência", realçou Le Pen reconhecendo Joe Biden como presidente dos EUA.
Realçando que nunca apoiou diretamente Trump, mas que a eleição dele era melhor para "os interesses da França", Le Pen lembra que o atual presidente dos EUA "perdeu as eleições", mas que houve "74 milhões de pessoas a votarem nele", num país "fraturado e profundamente dividido".
Já Ventura condenou o episódio no Capitólio dizendo que "foi altamente condenável", mas deixa uma farpa ao presidente eleito Joe Biden. "Biden pode ser um perigo para o mundo e para a Europa? Penso que sim", nota Ventura alegando que o democrata "já demonstrou e deu provas de que pretende reforçar a relação com a China em vez de com a Europa".
Pouco depois e ainda com várias questões dos jornalistas ainda presentes na sala, Le Pen dá por encerrada a conferência de imprensa e sai com o presidente do Chega para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos da Grande Guerra, no centro da Avenida da Liberdade.
Uma homenagem "à pressa" para as televisões registarem e umas palavras de circunstância, sem direito a muitas perguntas. Afinal, a campanha ainda nem passou o adro e "era grave" que as televisões não registassem a passagem de Le Pen por Portugal na primeira vez que visita o país.