Com cinco milhões de euros: avião da Guiné-Bissau intercetado em Lisboa era voo de Estado

Patrick Meinhardt/AFP (arquivo)
Confrontado com o caso, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não apresenta qualquer esclarecimento
O avião intercetado numa escala em Lisboa, a 14 de dezembro, e no qual seguia, com cinco milhões em numerário, o braço-direito do ex-Presidente da Guiné-Bissau Sissoco Embaló, foi classificado um voo de Estado, com aval do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
A informação é avançada pelo Jornal de Notícias (JN), que revela que o voo inicialmente classificado como militar passou a "voo de Estado", com chancela do Ministério tutelado por Paulo Rangel, que detém a autoridade para atribuir esta qualificação a aviões estrangeiros.
Questionado pelo JN sobre a razão desta alteração, a tutela não esclarece e remete qualquer esclarecimento para o Ministério da Justiça, que também não apresentou qualquer explicação e, por sua vez, remeteu para a Força Aérea e para a Autoridade Aeronáutica Nacional (AAN). A oficial de relações públicas comum às duas últimas instituições referidas afirma que a AAN só instrui, com base em pareceres técnicos, as decisões do MNE.
Segundo uma nota da PJ, "o voo estava inicialmente classificado como sendo militar e, depois de Lisboa, seguiria para [o aeroporto de] Beja", no sul de Portugal, tendo-se posteriormente verificado que a sua natureza e o seu destino final "eram distintos" dos que tinham sido indicados às autoridades aeronáuticas.
A mulher de Sissoco Embaló, que seguia também na viagem, e Tito Gomes Fernandes, o braço-direito do Presidente deposto, foram constituídos arguidos por contrabando e branqueamento, mas nem sequer foram interrogados. A operação da PJ partiu de uma denúncia anónima.
A 14 de dezembro, a PJ tinha informado que o cidadão estrangeiro, que não identificou, iria ser interrogado por um juiz para aplicação de medidas de coação, o que acabou por não acontecer, uma vez que crime principal de que aquele é suspeito (contrabando) é punível com uma pena máxima inferior a cinco anos de prisão.
A origem dos cerca de cinco milhões de euros em numerário será agora investigada pelas autoridades.
Um autodenominado "alto comando militar" tomou o poder na Guiné-Bissau em 26 de novembro, três dias depois das eleições gerais (presidenciais e legislativas) do país africano e um dia antes da data anunciada para a divulgação dos resultados.
A oposição e figuras internacionais têm afirmado que o golpe de Estado foi uma encenação orquestrada por Sissoco Embaló por alegadamente ter sido derrotado nas urnas, impedindo assim a divulgação de resultados e mandando prender de forma arbitrária diversas figuras que apoiavam o candidato que reclama vitória, Fernando Dias.
Entre os detidos, está Domingos Simões Pereira, presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), enquanto Fernando Dias está refugiado na embaixada da Nigéria em Bissau.
Depois de destituído, Sissoco Embaló saiu de Bissau, em 28 de novembro, para Dacar, no Senegal, e dias depois, deixou este país e foi para Brazaville, no Congo.
Em 4 de dezembro, circulava nas redes sociais a informação de que viajara, na véspera, para Marrocos.
