Esta quinta-feira sobravam 66 pessoas retiradas das aldeias em risco no pavilhão de Pampilhosa. "Queriam ir regar a horta às 7h!", conta assistente. O regresso a casa chegou às 9h.
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Em miúdo ajudou a apagar muitos fogos, com ramos de árvores. "Era como uma brincadeira", conta António, de 70 anos, natural de Colmeal, a única aldeia de Góis que o apoio social do concelho de Pampilhosa da Serra abraçou. Teme pelo futuro das aldeias, que não faz por agrafar os jovens à terra. "É só velhos!", lamenta. Eram seis de Colmeal no Pavilhão Multiusos, que recebeu 84 pessoas retiradas das aldeias. Restavam 66 esta quinta-feira de manhã cedo. Estavam ansiosos pelo regresso. Aborrecidos e desanimados. Para o tempo passar mais rápido passeou-se pela vila, jogou-se às cartas e até se viu o golo de cabeça de Cristiano Ronaldo à Rússia. Mas casa é casa. Era hora de voltar.
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Essa boa nova chegou pela voz de José Brito, o presidente da Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra. Pouco passava das nove da manhã. Foi cedo, para o que se esperava, por isso criou-se um rebuliço. Barulho, sorrisos rasgados. "Estamos no hotel", ouviu-se antes disso. Agradecem o tratamento, as assistentes foram até buscar medicamentos ao centro de saúde, mas aquela gente estava saturada. Poucos tinham menos de 60 anos. Samuel, de quatro anos, com um rabicho à Roberto Baggio, dava vida à casa. Não tem noção da dimensão da tragédia que o rodeia. É miúdo, só sabe estar bem. Corria de um lado para o outro. Queria muito ir para a escola. E lá foi, feliz da vida.
"Eles queriam ir regar a horta às sete da manhã!", conta uma das responsáveis pelo palco de operações. Tem sido desolador queimar pneu por tantas aldeias isoladas, tristes e com uma moldura negra. As que não foram afetadas, foram evacuadas por precaução, por isso as hortas foram esquecidas. O carinho de outrora já não era verdade, por isso as couves encolheram, como se tivessem o coração apertado com o desgosto.
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Antes das 9h30 já muitos tinham seguido rumo ao seu El Dorado. "Bom regresso a casa, que não tenhamos de voltar a ir buscá-los", disse José Brito. "Nãããõ", ouve-se. Um senhor, cansado mas genuinamente grato, disse-lhe cinco vezes "obrigados". Seria algo muito repetido. Esta gente queria voltar, mas sentiu-se bem. Havia um robusto sentimento de gratidão. "Só temos a dizer bem. Esta juventude é muito boa", desabafa o senhor ao presidente da câmara.
A lista de nomes continua a ser varrida. Primeiro saíram os que tinham transporte próprio, depois aqueles que iriam em carrinhas da autarquia. Sentada, sem pressa e encolhendo os ombros, uma velhota desabafou: "temos de aceitar a vida, o que nos dão..."
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A viagem até Colmeal demorou talvez 20, 25 minutos. As curvas são tantas que se ganha raiva à estrada. O preto à volta não ajuda. É desolador.
Irene e Cristóvão seguem na carrinha branca com António, perfazendo três dos seis de Colmeal que estavam realojados em Pampilhosa da Serra. Pé no solo, 30 metros de terra batida pisados e a porta de casa. O alívio. "Graças a Deus correu tudo bem. Há eletricidade, sim. Vamos lá ver se não nos volta a tocar à porta", diz a mulher, menos otimista que o sorridente marido. Cristóvão, de 81 anos, foi operado ao coração há pouco tempo. Fizeram a vida toda em Lisboa, moram na Amadora, mas casa é casa. A porta verde e rija fechou-se pelas 10h59. Os pássaros cantavam alto, prometiam outros ventos. Cantarolavam a normalidade.
Cristóvão voltaria a aparecer, pela porta do quintal. "Viemos cá para a mulher ver as plantações", explica. Podemos tirar uma fotografia, Cristóvão? "Ó, eu com a barba por fazer...", solta, preparando a pose.