Bairros são "espaços de invasão" da polícia e o "desrespeito de ordem" da PSP: reações à morte de homem na Cova da Moura
António Brito Guterres lamenta, no Fórum TSF, que os moradores dos bairros sejam "permanentemente" olhados como "o suspeito". Já o Observatório de Segurança Interna considera que existem "zonas geográficas onde, ostensivamente, é feito um ataque à posição de ordem pública"
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O assistente social António Brito Guterres lamentou esta quarta-feira que os bairros sociais sejam, desde sempre, "vistos como espaços de invasão". Já o Observatório de Segurança Interna afirmou que "não há justificação para não cumprir uma ordem simples" da PSP.
Em causa estão os desacatos que se têm sucedido desde segunda-feira, após a morte de um homem baleado pela PSP. Odair Moniz, de 43 anos, foi atingido por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, em Lisboa, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
O tema subiu a debate no Fórum TSF, com o assistente social, que tem trabalhado diretamente com as populações destes bairros, a defender que o sistema tem favorecido estes incidentes ao alocar polícias mais novos nestes locais. António Brito Guterres denuncia aquilo que considera ser uma falta de "policiamento normal".
"Não há um policiamento normal, quase desde o início da história destes territórios. Sempre foram vistos como espaços de invasão, extremamente monitorizados na ação e, por isso, a resposta das pessoas", explica.
O assistente social lamenta igualmente que este seja o "único contacto" que estas populações "têm com o Estado".
"Não têm de ter a permanência do Estado desta maneira, todos os dias, com carros altamente equipados, que circulam para trás e para cima, estão a ser constantemente observados com passa-montanhas, a olharem para mim, sendo eu permanentemente o suspeito", aponta, completando que estes territórios são ocupados, na sua maioria, pela "classe trabalhadora do país".
António Brito Guterres destaca ainda o desfasamento entre os comunicados das várias forças de segurança e as taxas de criminalidade oficiais, afirmando que não "coincidem".
"Se eu for agarrar nos comunicados das várias forças de segurança - em especial da PSP e GNR - e colocar no mapa, eles vão incidir maioritariamente nestes territórios. Mas se eu agarrar na taxa de criminalidade oficial e pôr no mapa, não coincide. Não bate certo", sublinha.
Já o presidente do Observatório de Segurança Interna, Luís Fernandes, que também foi ouvido no Fórum TSF, entende que existem "zonas geográficas onde, ostensivamente, é feito um ataque à posição de ordem pública".
"Há um desrespeito total pelo que é a ordem pública ou pelo que é uma ordem de paragem, seja ela legítima ou não. Digo-o desta forma, 'legítima', porque há horas em que eu acredito que, se calhar, como motorista e condutor, não tenho vontade de ser parado por uma operação STOP, ou porque eu estou com pressa para chegar a casa, ou o que quer que seja", considera, completando, contudo, que "não há justificação para não cumprir uma ordem simples".
Luís Fernandes afirma ainda que se os portugueses querem "segurança na estrada e no país", então, é preciso ter a perceção de que "os polícias e as forças de segurança estão a fazer o seu papel".
Os desacatos têm sucedido desde segunda-feira após a morte de um homem baleado pela PSP. Odair Moniz, de 43 anos, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Segundo a direção nacional da PSP, o homem pôs-se "em fuga" de carro depois de ver uma viatura policial na Avenida da República, na Amadora, e "entrou em despiste" na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".
A Inspeção-Geral da Administração Interna abriu um inquérito urgente e também a PSP anunciou um inquérito interno, enquanto o agente que baleou o homem foi constituído arguido.
