"Barreira linguística" impede acesso de médicos ucranianos à profissão: Ordem dos Médicos volta a pedir apoio do Governo
Carlos Cortes alerta, na TSF, para a situação precária em que estão muitos destes médicos, ressalvando que, tendo em conta os empregos que têm em Portugal, não conseguem financiar essas aulas
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Meia centena de médicos ucranianos, sobretudo mulheres, fugiram da guerra e procuraram refúgio em Portugal, onde esperavam poder exercer a sua profissão, mas a falta de apoios para aprender português tem impedido a sua integração no sistema de saúde. Em declarações à TSF, a Ordem dos Médicos sublinha que já denunciou esta "situação injusta" ao Ministério da Saúde, lamentando que, até agora, nada tenha sido feito para ajudar estes profissionais a ultrapassar a "barreira linguística".
"Tive a oportunidade de contactar, na altura, o ministro da Saúde, imediatamente a seguir à primeira reunião que nós tivemos com mais de 50 médicas ucranianas, percebendo exatamente qual era a sua dificuldade. Apesar desse contacto que foi feito com o Ministério da Saúde e dos vários contactos feitos nos meses subsequentes, nada foi feito para ajudar estas médicas", critica o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes.
O bastonário continua, ainda assim, à espera do apoio do Executivo de Luís Montenegro para que estes profissionais de saúde possam aprender português. Carlos Cortes nota, contudo, que tem sido ignorado tanto pelo Governo de António Costa, como pelo atual Executivo.
"No início, quando a professora Ana Paula Martins assumiu o cargo, esta dificuldade foi transmitida. Mas não obtivemos resposta da parte do Ministério da Saúde", reforça, completando que vão continuar a "insistir" para que este apoio se faça sentir, por considerar que esta é "uma situação injusta".
Carlos Cortes alerta igualmente para a situação precária em que estão muitos destes médicos, ressalvando que, tendo em conta os empregos que têm em Portugal, estes não conseguem financiar essas aulas.
A Ordem dos Médicos garante ainda que está a acompanhar a situação e está "disposta a dar todo o apoio para que estas médicas "se possam inscrever na Ordem e exercer a sua atividade" no país e no SNS, "que tanto necessita de médicos".
Carlos Cortes confessa estar "preocupado" com uma questão que considera ser mesmo "humanitária", esclarecendo que a barreira linguística põe também em causa o reconhecimento do diploma destes profissionais de saúde para a Ordem dos Médicos.
"Portugal acolheu de braços abertos - aliás, incentivou à vinda desses médicos que vieram para Portugal no início da Guerra na Ucrânia - e depararam-se com uma dificuldade, que é natural, que é a dificuldade linguística", aponta.
O bastonário reconhece que para se exercer medicina nas instituições de saúde "tem de se saber comunicar com os doentes", mas insiste que esta "barreira linguística" pode ser facilmente ultrapassada com a "ajuda" do Ministério tutelado por Ana Paula Martins e do Governo.
Quando chegaram a Portugal em março de 2022, a Ordem dos Médicos mostrou-se disponível para adiar a prova de comunicação em português, facilitando a sua integração no Serviço Nacional de Saúde sob o estatuto de "médico sem autonomia" e supervisionados por um tutor, mas a proposta apresentada ao Governo, ao abrigo do estatuto equivalente a refugiado que estava a ser dado aos ucranianos, não se concretizou.
Neurologista e médica de patologia ocupacional, Oksana Chupryna, 50 anos, escolheu Portugal para viver em março de 2022 quando teve de deixar a cidade onde vivia na Ucrânia, ocupada pela Rússia.
Desde então começou o desafio de aprender a língua portuguesa para se preparar para o exame de Português, necessário para o reconhecimento do curso de Medicina, ao que se seguirá mais tarde o exame de comunicação da Ordem dos Médicos.
Realizou o exame há cerca de um ano mas não passou, notou à Lusa, por ter "um grande nível de exigência", o mesmo acontecendo com outras médicas ucranianas, apesar de estas terem "um nível de conhecimento de língua portuguesa muito alto", disse, acrescentando: "Apenas passaram seis ou sete".
Enquanto se prepara para repetir o exame, em janeiro, trabalha numa loja em Portalegre, onde vive e tem recebido apoios da autarquia e do diretor do hospital local, que diz estar a contar com ela no hospital.
O investimento que tem feito para aprender a língua portuguesa fê-la perder a capacidade de falar fluentemente a língua inglesa, o que a impediu de aceitar outras oportunidades de trabalho.
Para se atualizar, Oksana Chupryna participa em conferências e palestras online, mas confessa que sente "muita falta" da sua profissão e tem receio de perder os seus conhecimentos.
"Eu sinto que perco tempo, perco conhecimentos, perco prática", disse a médica, lamentando "a burocracia e as dificuldades" para poder exercer em Portugal.
Exemplificou que, na Polónia e na Alemanha, os seus colegas começam logo a trabalhar como médico geral nas urgências.
Oksana Chupryna, que fez questão de falar em português com a Lusa, apelou ao Governo para criar "programas especiais" para os refugiados, que não tiveram tempo para se preparar para mudar de país como os outros imigrantes.
