Bastonário da Ordem dos Advogados considera que vídeo de Ventura pode incorrer em "crime de incitamento ao ódio"
À TSF, João Massano admite que "não é muito fácil concluir quando é que estamos perante numa situação que ultrapassa os limites da liberdade de expressão e já chega àquele ponto em que está numa situação de discurso de ódio e de incitação a ódio"
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O bastonário da Ordem dos Advogados admite que pode estar em causa o crime de incitamento ao ódio em pelo menos um dos vídeos que André Ventura publicou nas redes sociais com críticas à comunidade cigana.
No caso, um vídeo no qual o líder do Chega critica a redução da pena de Clóvis Abreu, acusado da morte do agente da PSP Fábio Guerra. Depois das queixas de dez associações, o Ministério Público abriu um inquérito.
"Uma coisa é criticar a decisão judicial e fazendo uma alusão à questão da origem étnica, porque aí pode-se entender que há uma crítica ao tribunal, no sentido em que pura e simplesmente não se concorda com a medida da pena e a redução feita pelo Tribunal da Relação. Outra coisa é poder-se entender que, de alguma forma, a parte em que se fala da comunidade de forma um bocadinho mais crítica, que poderá ser o tal crime do incitamento ao ódio e já não estaríamos na liberdade de expressão e penso que, em relação a essas partes, o Ministério Público terá dúvidas e por isso é que abriu o inquérito. Porque nós temos que perceber que, no fundo, o que é que a lei pretende com a questão do crime de incitamento ao ódio e apesar dos políticos terem uma latitude maior na forma como se pronunciam publicamente", explica João Massano à TSF.
O bastonário da Ordem dos Advogados admite que muitas vezes é difícil para um juiz decidir entre a liberdade de expressão e o incitamento ao ódio, mas defende que é importante impor limites: "Não é muito fácil concluir quando é que estamos perante numa situação que ultrapassa os limites da liberdade de expressão e já chega àquele ponto em que está numa situação de discurso de ódio e de incitação a ódio, como o próprio Ministério Público está a defender ou pelo menos está a averiguar se existe, porque a liberdade de um político e do discurso político tem alguma latitude. Aliás, em relação aos cartazes, essa latitude existiu e acho que, de facto, a sociedade e a evolução da sociedade espero que clarifique o que é que é uma coisa e o que é outra e, neste caso, até agora ainda não é claramente uma distinção entre as duas coisas, infelizmente. E exige-se que os tribunais possam ter aqui uma medida que permita de facto estabelecer limites à liberdade de expressão, mesmo dos próprios políticos."
João Massano assinala que o número de condenações por incitamento ao ódio em Portugal é reduzido, mas considera que é importante punir a descriminação em relação a grupos.
"É fundamental que se seja mais claro e que se puna este tipo de comportamentos, este ou outro qualquer. Não me quero pronunciar sobre este comportamento em específico, mas a sociedade tem que reprimir objetivamente discriminações em relação a grupos, porque senão os anos passar para um regime em que isto já não é um Estado de direito, em que as minorias não são protegidas e só a maioria é que manda. E isso não pode acontecer, nem Portugal pode caminhar, creio eu, para esse tipo de Estado. É muito importante que haja uma posição firme nesse sentido, que impeça que fenómenos de perseguições nas redes e não só a determinados grupos minoritários possa ser a ordem do dia e possa ser algo frequente que deixe estas comunidades mais desprotegidas e mais sujeitas a violência", considera.
João Massano reconhece, no entanto, que a justiça está numa encruzilhada: "Eu creio que aqui o mais importante acaba por ser, no fundo, perceber o que é que está em causa quando se fala sobre o incitamento ao ódio, porque, de facto, nós vamos ter este problema e com as redes sociais, infelizmente, isto agravou-se. Não só em relação aos políticos, mas também em relação à população em geral. Neste momento, eu diria que a Justiça está numa encruzilhada, porque não é fácil ultrapassar os limites da liberdade de expressão pela Justiça e dizer que estamos perante uma situação inicialmente ao ódio, porque há sempre um receio, até por causa do nosso em que havia censura, os tribunais têm medo de cair na situação de censura e têm vindo a tomar posições que, de facto, muitas das vezes podem deixar a desejar relativamente à interpretação e aos limites da liberdade de expressão."