Bastonário da Ordem dos Avogados considera que é preciso clarificar "fronteiras da liberdade de expressão"
Em declarações à TSF, João Massano admite que "não é fácil" definir esses limites, mas "a única forma seria tentar de alguma forma concretizar os conceitos que a lei tem e concretizar mais do que aquilo que está na legislação"
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O bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, considera que é preciso clarificar os limites da liberdade de expressão.
"Temos de discutir claramente as fronteiras entre a liberdade de expressão e a criminalização de um comportamento, que é o tal crime de incitamento ao ódio ou à discriminação. E eu diria que estas situações, através das redes sociais, são situações muito explosivas, porque há muita gente a ver as redes sociais, e podem conduzir a uma situação de violência, neste caso, ou a uma situação de discriminação em relação às mulheres", disse o bastonário à TSF.
A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) apresentou queixa ao Ministério Público contra um influencer português, na sequência de mais de uma centena de denúncias, por discurso de ódio contra as mulheres.
Numa nota publicada na quarta-feira, a CIG diz ter recebido, nos últimos dias, mais de uma centena de denúncias contra o influencer por declarações divulgadas que “desrespeitam gravemente os direitos das mulheres e espalham desinformação sobre o aborto”.
Sobre como é possível traçar esses limites entre liberdade de expressão e liberdade de opinião na legislação, João Massano admite que "não é fácil defini-los", mas entende que "a única forma seria tentar de alguma forma concretizar os conceitos que a lei tem e concretizar mais do que aquilo que está na legislação, no Código Penal, de forma a que seja mais fácil também aos tribunais e às entidades conseguirem identificar esses tipos de crimes". Apesar das dificuldades, para o bastonário "numa sociedade democrática, a legislação não deve servir para censurar vozes incómodas, mas também não deve servir para permitir tudo e mais alguma coisa, e que tudo seja dito nas redes".
O magistrado considera ainda que falta legislação para regular as redes sociais, e aponta que as plataformas têm de ser responsabilizadas pela divulgação deste tipo de conteúdos. "Eu acho que o caminho mais do que outro será clarificar estes limites o mais possível e, essencialmente também caminhar para uma responsabilização das plataformas onde são divulgados estes tipos de comportamentos. Porque não faz sentido que quem ganha dinheiro com estes comportamentos e com a divulgação destes comportamentos e que dá um meio para essa divulgação em massa acontecer, como neste caso, não tenha qualquer responsabilidade e nunca surge como alguém que, ou uma entidade que deva ser responsabilizada, e isso também deve ser ponderado, porque estas plataformas permitem estas divulgações em massa, sem qualquer controle muitas das vezes, e que no final da história nunca são responsabilizadas", diz.
O bastonário alerta que "estamos a viver uma situação em que as redes conduzem a polarizações, a ódios extremados e, de facto, há que ter cautela com este tipo de comportamentos porque podem, em determinadas circunstâncias, ter consequências graves" e lembram "situações que não foram consideradas pelo tribunal, mas que se levantou também a questão da liberdade de expressão ou a criminalização de um comportamento, foi no tempo do ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho".
Questionado sobre se o facto de o influencer em causa ter milhões de seguidores contribui para a gravidade das declarações divulgadas nas redes sociais, João Massano aponta afirmativamente porque "a divulgação é muito maior e a repercussão social também".
"Aliás, segundo o que a comissão alegou, o facto de existirem muitas queixas também tem a ver com essa divulgação que aconteceu. Ou seja, se há queixas, também há outras pessoas a verem e que eventualmente concordarão com o que é dito e poderão vir a ter comportamentos discriminatórios, que é isso que se pretende com esta situação, ser criminalizada, não é? Repare, nós tivemos há pouco tempo também o líder de um grupo que foi condenado pelo crime de incitamento ao ódio e à violência e à discriminação também, que foi condenado porque escreveu nas redes sociais que uma determinada senhora, por ser de esquerda, que era prostituta, etc, e que isso o tribunal considerou um comportamento criminalizável", aponta.
Quanto ao resultado da queixa levantada pela Comissão de Cidadania e Igualdade de Género junto do Ministério Público, João Massano aponta que "vai depender muito sempre da sensibilidade, quer do Ministério Público, quer do tribunal que vier a julgar o processo, porque as fronteiras são fluídas. Não são assim tão claras quanto isso, não estamos a falar de um comportamento que seja alguém que rouba, e aí é claro e é identificável".
