Bastonário dos Economistas: Governo não teve respeito pelas Ordens
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O bastonário da Ordem dos Economistas acusa o Governo de não ter tido respeito pelas Ordens profissionais. António Mendonça assume que o Conselho Nacional das Ordens não foi nunca informado pelo Governo da proposta de lei de revisão dos estatutos das Ordens Profissionais.
"Eu acho que houve aqui uma total falta de respeito e desconsideração pelas ordens que sempre tiveram a colaborar de boa vontade, em boa consciência para dar os seus contributos, acho que não se faz isso", explica António Mendonça.
O bastonário dos Economistas admite que "nesta questão, acho que nós temos todo o respeito e consideração pelo Governo e pelas responsáveis que estão a tratar do assunto, mas acho que é importante também da parte do Governo haja em relação às ordens, a mesma deferência, o mesmo respeito e a mesma consideração".
António Mendonça, admite que as Ordens nunca se opuseram aos estágios pagos. "Os estágios devem ser pagos, e quem trabalha, deve efetivamente ser remunerado, mas poderia haver apoios mais apoios públicos, precisamente para garantir o pagamento desses estágios. Aliás, a própria administração pública devia abrir estágios".
António Mendonça teve enquanto ministro a tutela da TAP e do transporte aéreo e desde então tem defendido o Campo de Tiro de Alcochete como melhor alternativa para o novo aeroporto de Lisboa, uma alternativa que precisa de um modelo de financiamento onde deve entrar o concessionário do aeroporto de Lisboa, a VINCI, dona da ANA.
"Temos que definir o modelo para ver como é que ele pode ser financiado. Agora eu Não tenho dúvida de que a VINCI comprou a ANA e passado 5 ou 6 anos recuperou o investimento que tinha feito. Aumentou taxas, por exemplo, coisa que se fosse ANA quando era pública a fazer, provavelmente caía o Carmo e a Trindade", sublinha.
António Mendonça enfatiza que "tem que ser um modelo financeiro estudado de acordo com as condições, ver o que é que é possível da parte de financiamentos públicos, financiamentos privados, como é que os dois se articulam".
Quanto à TAP, o Estado assumir uma participação na empresa tipo "Golden Share", depois da privatização é um cenário que não assusta António Mendonça. "Não me escandaliza esse cenário, mas pode haver cenários melhores. Eu acho é que nós não podemos ser ideológicos na apreciação das soluções ou dos cenários que podem ser importantes para a TAP. Portanto, temos que ter tudo em aberto e tomar uma decisão que seja importante fundamentalmente para o país, em termos estratégicos", conclui.
António Mendonça foi eleito bastonário da Ordem dos Economistas no ano passado. Ele é professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. E entre 2009 e 2011 foi ministro das Obras Públicas no segundo governo socialista de José Sócrates.
O Governo aprovou recentemente uma proposta de lei que altera os estatutos das 12 ordens profissionais. O diploma vai ainda ter de passar pelo crivo da Assembleia da República e estabelece que os estagiários devem ter um salário mínimo de 950 euros. É comportável que os estagiários tenham este tipo de salário para entrar na profissão?
Começo por uma questão que é importante. Aliás, utiliza-se muito a questão dos estágios e os estágios não remunerados para justificar as alterações que neste momento estão em curso aos estatutos das ordens profissionais. Mas importa dizer, em primeiro lugar, com a questão de que as ordens nunca se opuseram a que os estágios fossem pagos. Por outro lado, é importante dizer que os estágios são muito diferentes. Neste momento, existem 17 ordens que integram o Conselho Nacional das Ordens Profissionais e há três outras ordens que não pertencem, que estão em processo de conversação para participarem, mas uma delas ainda está em fase de instalação e, portanto, não são membros do Conselho Nacional das Ordens Profissionais. Mas têm estado, de certa maneira, sintonizadas com aquilo que têm sido as posições do CNO. Mas importa dizer que os estágios não são um problema geral e idêntico a todas as ordens. No caso, da Ordem dos Advogados, os estágios efetivamente desempenham um papel importante, que é a transição da formação académica para o exercício efetivo das funções de advogado, em que há toda uma prática de aprendizagem, digamos, da relação com os tribunais, que tem sido tradicional, mas há outras ordens em que os estágios podem ser feitos em ambiente profissional, como é o caso das ordens economistas, que não têm um estágio que seja acompanhado. Então o estágio é feito, nós entendemos, para ser membro da ordem. Aliás, quem tem a licenciatura, antes da licenciatura Bolonha e que tem os quatro ou cinco anos, entra diretamente como membro efetivo, desde que preencha os requisitos de formação, mas só para quem tem a licenciatura dos três anos é que necessário ter um ano chamado de estágio, mas que, no fundo, é um ano de experiência profissional. E feito esse ano de experiência profissional, entra, se tiver feito um estágio em que tenha demonstrado que tem aptidões e que essas aptidões são demonstradas no exercício da atividade profissional, entra sem problemas. Portanto, não temos estágio. Aliás, na proposta que fizemos, nas negociações que tivemos com a Tutela, propusemos, por isso, simplesmente dizer que não fazia sentido os estágios, e, portanto, não queríamos estágios para nada, porque não eram necessários. E outras ordens têm, se não é exatamente isto, são coisas parecidas, não há obrigatoriedade. Há algumas que têm obrigatoriedade até por imposições da natureza europeia, é um problema que devia ser tratado de forma diferente consoante as ordens. Esta preocupação em ter medidas de natureza transversal acaba a prejudicar muita gente e a não resolver um problema essencial.
E não resolve porquê?
Não resolve, por exemplo, no caso dos advogados, 85%, acordo com os números que são públicos e são dados pela própria ordem dos advogados, dos advogados exercem atividade em termos individuais, e aceitam ser patronos, mas muitos não têm condições de pagar o estagiário, e por isso é que se disse, ao mesmo tempo, que era importante que os estágios fossem pagos e que quem trabalha deve efetivamente ser remunerado. Acho que as ordens e o CNOP (Conselho Nacional das Ordens Profissionais) consideram que quem trabalha deve ser remunerado, mas poderia haver apoios, mais apoios públicos, precisamente para garantir o pagamento desse estágio. Aliás, a própria administração pública devia abrir estágios que incorporassem a mão de obra, para apoiar, precisamente, nesta inserção profissional. Portanto, o problema dos estágios é menos um problema de pagamento e mais um problema de encontrar as oportunidades para, de facto, estagiar. E, portanto, há muitas medidas que podiam ser feitas, precisamente, para resolver esse problema. É falso dizer que são as ordens que criam as condições para não pagar os estágios.
Segundo proposta do Governo, jovens com dificuldades financeiras podem ficar isentos das taxas no acesso à profissão. Considera positiva esta medida?
Sim, é uma medida positiva, como é óbvio, quem não tem condições não é por essa razão que deve ser dificultado esse acesso à profissão. Mas a maior parte das ordens também não tem restrições dessa natureza. E mais, já preveem, precisamente, nos seus estatutos e mecanismos internos, isentar, ou pelo menos reduzir substancialmente, aquilo que é necessário para fazer parte da ordem. Portanto, naquelas em que fazer parte da ordem é um requisito para acesso à profissão, isso é um problema que já está, na prática, resolvido. Digamos, não é um problema, no sentido de dizer que isso não é verdade, porque as ordens estão atentas a isso há muito tempo, nunca ninguém foi impedido de exercer a atividade profissional pelo facto de não ter condições, e, portanto, há mecanismos internos que já estão a funcionar, mas podem ser aperfeiçoados, como é óbvio, para que, de facto, isso não seja um impedimento para acesso à profissão.
O governo aprovou a proposta de lei que agora vai ser debatida na Assembleia da República. O Conselho Nacional das Ordens Profissionais, a que preside, considera que ainda há espaço para modificar a Lei?
O Conselho Nacional das Ordens Profissionais considera que há sempre espaço para tudo, ou seja, nós estamos aqui de boa-fé. E, portanto, estamos, até agora e desde o início, nós procurámos participar e demos os nossos contributos, quer do ponto de vista do CNOP, quer do ponto de vista das ordens em particular. Portanto, sempre tivemos disponibilidade e sempre avançámos com propostas, seja a nível geral, seja a nível das diferentes ordens, cada ordem, obviamente, com as suas propostas particulares. E é nessa perspetiva que continuamos. Nós queremos dizer o seguinte, relativamente àquilo que se passou agora recentemente, nós tivemos conhecimento que a proposta estava pronta e que tinha sido enviada à Assembleia pela conferência de imprensa, aliás, uma conferência de imprensa verdadeiramente surrealista da maneira como ela se desenrolou e dos argumentos que foram utilizados. Porque deveria haver um mínimo de respeito, um mínimo de consideração para com as ordens, no sentido de terem sido informadas. Portanto, acho que houve aqui uma total falta de respeito e de desconsideração pelas ordens que sempre estiveram a colaborar de boa vontade, em boa consciência, para dar os seus contributos. Acho que não se faz isso, não é? Aliás, foi falado na conferência de imprensa da decência, mas não sei se o termo decência se aplica aqui verdadeiramente nesta posição. Portanto, temos de ter todo o respeito e consideração pelo Governo e pelos responsáveis que estão a tratar do assunto, mas acho que é importante também da parte do Governo e dos responsáveis que haja em relação às ordens o mesmo respeito e a mesma consideração. Da mesma maneira que insistir naqueles argumentos de que a razão fundamental das mudanças dos estatutos deve-se ao facto de as ordens estarem a dificultar ou impedir mesmo o acesso à profissão, não colhe nos factos, já não há evidência empírica. Vamos lá ver, a atual legislação e a atual prática vem de 2013, a lei anterior. O que seria normal, num processo destes, era que se fizesse um balanço, um levantamento do que é que está bem, do que é que está mal, houvesse previamente uma conversa com as ordens no sentido de perceber opiniões, até porque nós também queríamos aproveitar para contribuir e estávamos de boa-fé nesse sentido. Porque há coisas nos nossos estatutos anteriores que são más do ponto de vista até da gestão interna, e que deveriam ser modificadas. E, por outro lado, também temos de ter presente o seguinte, porque as ordens representam aquilo que mais qualificado em termos de formação existe no país, mas sabemos que a realidade evolui, não está parada. A tecnologia impõe-se, introduz mudanças de natureza económica, de natureza social, etc. E as ordens têm de se adaptar e têm-se vindo a adaptar. A ordem hoje, uma ordem hoje, não é o mesmo que era há 50 anos ou há 60 anos atrás, ou há 80 anos atrás como eram as primeiras ordens que se formaram em Portugal. São completamente diferentes e temos consciência disso. Ou seja, devia ter havido uma preocupação prévia de fazer um levantamento do que está bem e do que está mal, ver as evidências empíricas relativamente àquilo que se diz de dificultar o acesso à profissão, e então, em função disso, ver como é que podíamos modificar para atacar esses problemas. E não é de facto inventar questões.
Aeroporto
Esta semana, o Ministro das Infraestruturas disse que a opção Santarém para o novo aeroporto de Lisboa não lhe parece viável. João Galamba não estará a condicionar a Comissão Técnica Independente, que tem até ao final do ano para entregar as melhores localizações? Sabemos perfeitamente que a ordem dos economistas defende Alcochete.
Nós participamos na Comissão de Acompanhamento do novo aeroporto, da Comissão Técnica que está neste momento a elaborar os estudos. Nós queremos dar o nosso contributo e já demos até em colaboração com a ordem dos engenheiros. Já tivemos uma conferência conjunta em que os aspetos relacionados com o aeroporto, e com os transportes em geral, foram objeto de consideração. Relativamente ao aeroporto, o que é necessário estudar de novo é difícil saber o que é. Talvez adaptar, ver, entretanto, o que é que foi a evolução, porque há 50 anos que se anda a estudar o novo aeroporto. Aliás, o aeroporto já andou do norte para o sul.
Mas Galamba não está a condicionar a comissão?
Não sei, o que vai na cabeça do ministro só ele sabe, não me compete a mim dizer, mas acho que isso não constitui nenhum condicionamento.
Acha que Pedro Nuno Santos, quando avançou com a opção Alcochete, e na altura foi desmentido pelo primeiro-ministro, quem é que estava certo? Pedro Nuno Santos?
Não, não quero dizer quem estava certo, porque acho isso tudo um surrealismo. Não consigo perceber como é que se faz um despacho sem o primeiro-ministro saber, acho que isso é tudo surrealismo. Não sei quem esteve bem, quem esteve certo ou quem esteve errado. Era uma opção do ministro Pedro Nuno Santos e ele deve saber bem as razões por que tomou aquela decisão. Agora, acho que ele teve uma preocupação, que é uma preocupação correta, que foi tentar resolver o problema. Enfim, mal ou bem, mas acho que há este aspeto positivo, que é tentar avançar para a solução de um problema que todos estamos de acordo que existe, que é haver um estrangulamento para o nosso desenvolvimento económico, para a nossa afirmação no exterior. É inconcebível que um país, ande 50 anos, a estudar um aeroporto. Como é que é possível, nos anos 1970 já estar definido e depois ter-se voltado atrás estes anos todos? E num regime democrático quando, à partida, deveria haver mais condições. No entanto, não se consegue resolver o problema do aeroporto. É um paradigma de qualquer coisa. É um paradigma que já é histórico no país.
Mas para si, qual é a melhor localização das oito?
Não me quero antecipar, mas no tempo em que eu estava, havia a opção por Alcochete. E Alcochete foi uma opção, depois de ter sido muito criticada e por várias razões, a opção inicial que era da OTA. E havia naquela altura um certo consenso, até bastante generalizado, relativamente à opção de Alcochete, que estava integrada em projetos mais vastos de travessias do Tejo, de articulação com as redes de alta velocidade, etc. Então havia ali uma estruturação, havia ali uma coerência interna do projeto, e simultaneamente uma coerência estratégica, que hoje não há mais. Hoje não sabemos, quer dizer, avança-se com o aeroporto, mas ainda não sabem exatamente qual é o projeto de alta velocidade. Não se tem ainda uma ligação de Lisboa a Madrid, que deveria ser, na minha opinião, uma ligação prioritária. Aliás, tivemos recentemente um encontro com os nossos congéneres espanhóis, com o Conselho de Economistas de Espanha, e houve uma unanimidade, quer dos espanhóis, quer dos portugueses, em considerar que a ligação Lisboa a Madrid em alta velocidade era prioritária. Isso é fundamental para os dois países. É fundamental para Portugal, é fundamental para a afirmação, para a ligação de Portugal. Portugal, creio, é um dos poucos, ou o único país, que não está ligado às redes europeias de alta velocidade.
Por causa da bitola?
Não, não, isso da bitola é um falso problema. A Espanha tem duas bitolas, a ibérica, que é a tradicional, e a europeia de alta velocidade. E, portanto, a questão da bitola, é evidente que não se ponha agora o problema de mudar tudo para a bitola europeia, isso é ridículo. Mas, pelo menos, as novas linhas, particularmente aquelas linhas que são vocacionadas para as relações europeias, devem ser compatíveis. Não é chegar ali à fronteira, depois, novamente, mudar de comboio para ir para o outro. Não faz sentido absolutamente, nenhum. Portanto, tem de haver uma articulação. Há soluções técnicas para permitir a adaptação de bitolas, aliás, os próprios espanhóis têm essa capacidade de utilizar as duas bitolas. Agora, se se está a fazer uma rede de futuro, se o objetivo é, de facto, haver uma integração das redes de transportes modernos da Europa, é evidente que isto tem de ser feito de uma forma articulada. Porque não podemos ir de viaduto para França, não é? E, portanto, temos de nos integrar com Espanha.
Mas quem está a pensar o aeroporto não está a pensar numa visão intermodal?
Eu espero que sim. Espero que sim, mas não sei. Aliás, um dos objetivos, também, desta Comissão de Acompanhamento é poder acompanhar, ver o que é que está a ser feito e dar o seu parecer. Mas acho que tem de haver uma integração dos transportes. Portanto, não estou a acompanhar, no concreto, mas penso que há em vista essas ligações, em termos de ferroviárias ou rodoviárias. Há aqui um estudo, em termos da maximização daquilo que já existe, se é necessário ou não é necessário as travessias do Tejo. Evidentemente, se o aeroporto ficar lá do outro lado, a questão das travessias do Tejo têm de ser consideradas. Aliás, já têm, não é? Porque quem anda na Ponte 25 de Abril já percebe que está em vias de estar esgotada. A própria Ponte Vasco da Gama já ultrapassou tudo aquilo que era previsível em termos de transporte. Portanto, nós precisamos. Até porque o país precisa de uma zona económica à volta de Lisboa, integrada, forte, que sirva de atração e de projeção do país a nível internacional. Todos os países têm zonas com estas características e à volta de Lisboa isso é necessário. Portanto, é necessário integrar Lisboa com Setúbal, com Sintra, até Ericeira, criar aqui uma grande zona que crie escala, que seja também um fator importante de atração e de dinamização económica na inserção do país a nível europeu.
Mas há aqui uma questão que tem muito a ver com a economia, que diz respeito ao financiamento do novo aeroporto. A solução Montijo foi adotada por ser a Vinci a pagar essa solução, agora a solução Alcochete terá de ter outra engenharia financeira. Como é que vamos, ou como é que o Estado português vai pagar um novo aeroporto ou deveria pagar um novo aeroporto?
Em primeiro lugar, também é preciso ir ver ao passado e à história o que é que já estava programado em termos de financiamento do antigo. Portanto, acho que olhar e ver o que é que estava programado é importante. Atualmente, temos uma série de outros mecanismos e temos de definir o modelo para ver como é que ele pode ser financiado. Agora, não tenho dúvida de que a Vinci comprou a ANA e passado cinco ou seis anos recuperou o investimento que tinha feito. Aumentou taxas, por exemplo, coisa que se fosse a ANA a fazer quando era pública, provavelmente caía o Carmo e a Trindade. Mas imediatamente a Vinci fez isso sem qualquer problema. Não estou a dizer que vamos, a partir de agora para financiar, aumentar as taxas, nada disso. Tem de ser um modelo financeiro, tem de ser estudado de acordo com as condições, ver o que é que é possível de financiamentos públicos, financiamentos privados, como é que os dois se articulam. Enfim, acho que isso tem de ser um estudo profundo que levante tudo aquilo que é possível ser feito e, em função disso, depois se decida pela melhor solução. Nós temos de ver que nestes projetos há a viabilidade financeira, mas há a viabilidade económica mais geral, tendo em conta os impactos que um novo aeroporto vai provocar na economia nacional. Temos impactos diretos, indiretos, temos impactos induzidos, temos impactos catalisadores. Não estou a dizer nada que não seja de manual de análise custo-benefício. Portanto, tem de haver um custo-benefício em termos económicos. E temos de ver os efeitos que isso vai introduzir na nossa economia, a vários níveis, seja não apenas em termos do transporte, do turismo, mas também em termos das mudanças estruturais, dos novos fatores de competitividade que vai gerar. Porque aí é que se vê qual é o verdadeiro benefício para o país. Quer dizer, há muitos projetos em que fizemos uma análise estritamente financeira e imediata, provavelmente uma grande barragem não se construía, de produção de energia elétrica ou as primeiras linhas de caminho de ferro. Portanto, temos de ver, é articular a análise financeira e a sustentabilidade financeira também com uma análise de custo-benefício em termos económicos.
TAP
E quanto à privatização da TAP, o Estado deve manter uma parceria, ou melhor, uma participação estratégica?
Relativamente a isso, não tenho nenhuma posição de partida definida. Acho que devem-se estudar as alternativas diferentes, participação, parceria, não tenho nenhuma posição ideológica relativamente a essa matéria. Deve ser feito aquilo que dá mais garantias para que a TAP possa efetivamente ser um fator de projeção do país, sirva para resolver problemas de transportes que o país necessita neste momento, seja do ponto de vista imediato para os turistas, seja também para os portugueses que estão espalhados pelo mundo. Devemos ver quais são os interessados, quais são os consórcios em que nos interessa integrar. Portanto, já no passado houve uma altura em que se punha a questão da TAP estar ligada a uma empresa até de âmbito lusófono, ligada à Varig, aliás, ainda hoje estamos a sofrer as consequências, na altura de projeto que havia de ligação da TAP com a Varig, não ter avançado e ficámos pendurados com a empresa de manutenção do Brasil, que estava orientada a um determinado projeto. Portanto, estas coisas têm de ser avaliadas do ponto de vista estratégico, têm de ser pessoas que efetivamente tenham todos os dados para poder avaliar a situação em função de se decidir.
Portanto, tanto faz se o Estado está ou não dentro da TAP?
Não, não é tanto faz, temos de ver o projeto concreto, não é assim abstrato, tanto faz não, temos de ver o projeto concreto. Quer dizer, houve a privatização da TAP, depois houve a renacionalização. Também é um processo surrealista. Repare que, provavelmente, as alternativas que se colocavam em relação à privatização, provavelmente naquela altura poderia ter havido outras alternativas, não sei se foi a melhor, foi uma que ocorreu e que pelos vistos atualmente muita gente duvida de que tenha sido uma boa solução. Como a própria nacionalização da TAP, se calhar foi essencial, se ultrapassarmos a análise meramente da TAP, vemos o impacto que a TAP teve em termos económicos, em termos de exportação de serviços, em termos de ter as relações com o exterior. Cá está a análise macroeconómica de custos-benefícios, é importante para ter em conta o que é que a empresa representa no contexto da economia em geral.
Daí que a nacionalização foi importante para salvar?
Claro. Repare, Portugal, e sem qualquer desconsideração para os outros países, mas é um país que tem história no mundo. Grande parte daquilo que hoje é a forma da economia global deve-se aos portugueses que iniciaram as viagens marítimas, a relação, que integraram economicamente o mundo, que foram por outras vias, outras rotas de comércio, além das tradicionais com a Europa que estavam interrompidas naquela altura. Acho que temos responsabilidades, não nos podemos limitar a ter a condição de um país periférico, estamos aqui, em que a nossa função é maximizar a vinda de fundos da Europa para nós. Nós temos um papel no mundo, penso eu, e temos de atuar em conformidade, temos de pensar na nossa posição na Península Ibérica, temos de pensar a nossa posição na Europa, temos de pensar a nossa posição no mundo, nós temos o Atlântico Sul. E, portanto, isso é importante, temos responsabilidades também com aquilo que fizemos no mundo. A nossa relação com o Brasil é fundamental, com Angola, com Moçambique, enfim, com todos os países que falam português. Temos que também, e isso é importante para nós, é importante para a própria Europa que vive neste momento também um problema de crise, de afirmação, de identidade, saber o que é que está a fazer, quais são os seus objetivos estratégicos. E penso que Portugal tem a obrigação de contribuir para a definição daquilo que a Europa quer fazer em termos estratégicos.
E nesse sentido, numa economia de mercado, uma Golden Share na TAP faria sentido na apresentação de um caderno de encargos para a privatização?
Pode fazer, mas nestas coisas gosto de tomar posição quando tenho todos os dados do problema. Eu não tenho, não tenho as relações, mas sei o que é a responsabilidade de tomar decisões e, portanto, também não me atrevo a dizer que a decisão está boa ou má sem ter todos os dados do problema, é fundamental. E, portanto, pode ser que tenha acesso a esses dados e então tenha a capacidade de ter uma posição mais concreta e mais sustentada. Mas o que posso dizer é que não me escandaliza esse cenário, embora possa haver cenários melhores. Acho que não podemos ser ideológicos na apreciação das soluções ou dos cenários que podem ser importantes para a TAP. Portanto, temos de ter tudo em aberto e tomar uma decisão que seja importante fundamentalmente para o país em termos estratégicos.
E face às recentes polémicas com João Galamba, em relação ao caso SIS e TAP, acha que o ministro se deveria ter demitido?
Como disse há pouco, é tudo uma questão muito surrealista e não quero dizer que ele devia ter feito isto ou aquilo, acho que isso fica com cada um, fica com ele em particular saber se uma decisão é certa ou errada. Acho que todo o processo é um processo, de facto, diria surrealista para não dizer outra coisa. O tempo que se perdeu e com as coisas fundamentais que se estão a passar no país e a nível internacional, como é possível estar semanas a discutir quem é que esteve fechado na casa de banho ou quem não esteve? Acho isso uma coisa incrível, que traduz, de certa maneira, a incapacidade estratégica em que o país se encontra neste momento. Repare que até na oposição não aproveitaram o momento para avançar com propostas efetivas. Portanto, a discussão foi exatamente do mesmo nível, quer do lado do governo, quer do lado da oposição, e acho que isso é dramático. Acho que independentemente da cor política dos governos deve haver essa capacidade de ultrapassar aquilo que é a espuma dos dias e pensar, digamos, em objetivos de longo prazo, ter essa visão e organizar estrategicamente as coisas. E a sensação muitas vezes que se tem é que se anda a resolver os problemas do dia a dia, muitas vezes aumentando os problemas em vez de resolver aqueles que já existem.
Os resultados do setor bancário têm apresentado lucros muito robustos ultimamente. É neste enquadramento que sobem os juros dos créditos. Porque é que não foi este movimento de subida dos juros acompanhado pela subida dos juros dos depósitos?
Pois, tem de perguntar aos bancos, tem de perguntar ao regulador. Acho que é inadmissível essa situação, acho que deveria haver uma contrapartida daquilo que está a acontecer em termos da subida das taxas de juros para os depositantes. Relativamente ao setor bancário, é evidente que temos de ter um setor bancário forte, robusto, que tenha capacidade de resistência relativamente àquilo que acontece na economia. Nós sabemos que a economia se move por ciclos económicos, fases de expansão e fases de recessão, e os bancos têm de estar preparados para dar resposta quer às fases de expansão, quer às fases de recessão. E, portanto, não me escandaliza que os bancos tenham lucros elevados se a economia também como um todo estiver a funcionar bem, tiver resultados, se as pessoas melhorarem o seu nível de vida. Economia existe para as pessoas, não é? Economia existe fundamentalmente para as pessoas.
Mas a inflação continua e o BCE vai continuar a subir as taxas de juros?
Aquilo que o BCE disse é que, atenção, não vai parar aqui. Se vai subir ou não depende muito da conjuntura económica. Aliás, os americanos, agora recentemente, suspenderam. E os americanos, nesta coisa, julgo que têm maior discernimento que os europeus, acho que os americanos normalmente estão na vanguarda. Aliás, quando foi a crise de 2008/2009, eles imediatamente responderam, ao passo que os europeus subiram as taxas de juros.
Mário Centeno disse que espera previsibilidade depois do verão. Isso é o quê?
Creio que o Governador da Banco de Portugal, Mário Centeno, tem alertado para os perigos que estão associados à subida das taxas de juros. Nós estamos num ambiente, a nível internacional e na Europa, neste momento, o primeiro trimestre foi um trimestre até recessivo. E, portanto, subir as taxas de juros para combater a inflação e provocar uma recessão pode ter um custo social, político e económico muito forte, particularmente no contexto que estamos a atravessar na Europa, com a guerra, com isso tudo. Pode ter consequências imprevisíveis, não é? Espero que haja o discernimento dos responsáveis europeus para acautelar a subida dos juros, porque pode provocar uma situação de catástrofe económica.
Mas há aqui um ponto interessante: é que o Banco de Portugal também já disse que as empresas portuguesas, os mercados, estão obrigados a refletir a reversão do aumento dos preços, que já se está a verificar. Portanto, há aqui uma responsabilidade do lado das empresas para baixar esses preços.
Há, mas relativamente a isso tenho uma visão de natureza mais macroeconómica. Acho que o fundamental é gerar dinâmicas na economia. É evidente que as empresas, pela sua própria lógica de funcionamento, têm sempre tendência a aproveitar as situações e maximizar os resultados, porque nunca sabem se depois nas situações piores o poderão fazer.
Mas isso é mau para a inflação?
É preciso é gerar dinâmicas. Tivemos períodos anteriores, nos anos 70, 80, em que a inflação esteve lá em cima, nos dois dígitos. E, portanto, o que é que se gerou? O que se gerou não foi apenas pela vontade das empresas, houve medidas de natureza económica, particularmente com a subida das taxas de juros, tomada de medidas de outra natureza, que levaram efetivamente à produção de dinâmicas na economia, que conduziram à descida dos preços. Aliás, é isso que se pretende com a subida das taxas de juros agora. No fundo, provocar o quê? Provocar uma recessão, provocar uma quebra da procura, e essa quebra da procura, no fundo, como as empresas querem vender e não encontram a procura, têm de associar os preços, desse ponto de vista está correto. Agora, aqui o problema é a arbitragem entre subida das taxas de juros e recessão, portanto, entre combate à inflação e evitar a recessão. E o período que estamos a atravessar na Europa é um período, desse ponto de vista, perigoso e incerto. Não sabemos o que é que ainda vai resultar disto tudo. A guerra parece que já entrou na normalidade, toda a gente hoje considera que é uma coisa quase normal. E houve aqui uma capacidade imensa de contrariar os efeitos da subida dos preços da energia e o próprio abastecimento de gás. Foi uma capacidade notável, que acho que deve ser estudada, avaliada, integrada até para ações futuras. Desse ponto de vista, só tenho a elogiar, mas atenção, nada está resolvido, porque de um momento para o outro podemos ter aqui uma alteração fundamental.
Mas o BCE deveria parar de subir as taxas de juros?
Sou daqueles que tem sérias reservas à subida das taxas de juros. Mas atenção que há aqui também um problema. Atualmente, a questão da política monetária, o Banco Central Europeu não é completamente independente em matéria de política monetária, porque depende daquilo que é feito nos Estados Unidos, da relação com o dólar. E, portanto, se as taxas de juros nos Estados Unidos estão entre os 5% e os 5,25% e na Europa estão 4,425%, consoante a taxa que se considera, ainda há aqui um diferencial. E, portanto, este diferencial da taxa de juros pode ter impactos negativos na própria Europa. E isto tem de ser bastante coordenado também a nível internacional, tem de haver aqui uma boa cooperação entre o Banco Central Americano e o Banco Central Europeu, no sentido de encontrar um percurso. Quer dizer, não se pode entrar no domínio da concorrência, como parece que em muitos domínios é o que está a acontecer com os Estados Unidos, com o Inflation Reduction Act e as preocupações. Uma renacionalização dos investimentos, das empresas, atrair os capitais para produzir internamente aquilo que as empresas multinacionais americanas estão a fazer um pouco por todo o mundo. E os americanos querem que isso venha tudo para dentro, de certa maneira, uma desglobalização daquilo que foi feito. E os europeus ficaram um bocado sem saber o que fazer. Agora já têm medidas que vão também no mesmo sentido, aliás, Ursula Von der Leyen também já anunciou, ligado à transição digital, às alterações climáticas, etc. Há aqui também uma disputa entre a Europa e os Estados Unidos relativamente a este processo e a estas tendências que ocorreram na economia mundial, que também têm o seu quê de perigosidade em termos dos impactos na economia mundial. E, portanto, acho que tem de haver aqui uma grande capacidade dos dois lados de estabelecer a coordenação em termos das políticas económicas, das políticas monetárias, para não se entrar num processo de concorrência, que é mau para todos.
O aumento das taxas de juros também apanhou as empresas que, no ano passado, aumentaram o endividamento em mais 5 mil milhões de euros, totalizando agora, de acordo com os últimos dados do Banco de Portugal, cerca de 300 mil milhões de euros de endividamento das empresas. Este é um nível de endividamento excessivo?
Depende dos projetos. Nesta coisa toda, o endividamento maior ou menor depende, em primeiro lugar, dos projetos. Se são projetos que têm retorno, se não têm retorno, da qualidade dos projetos, etc.
Mas este endividamento pode estrangular o serviço da dívida das empresas?
Pode, pode ter consequências. Num contexto de subida das taxas de juros, é óbvio que tem consequências negativas. E por isso é que é preciso muito cuidado com a política monetária e com o nível das taxas de juros. Diz-se que as pessoas, por exemplo, passando aos particulares, com os problemas que estão a sentir - que são problemas bastante graves -, provavelmente com as pessoas que compraram casas quando as taxas de juro estavam zero ou perto disso, e que agora estão a sofrer as consequências do aumento. Bom, é verdade, mas também poderia ter havido da parte das autoridades responsáveis uma atitude mais pedagógica, no sentido de chamar a atenção para o que poderia haver e introduzir mecanismos que não permitissem um endividamento que fosse além de certos limites. Não houve nada disso. E agora responsabiliza-se, no fundo, as pessoas, mas atenção que há atitudes que deviam ser tomadas antes para evitar que isto acontecesse. É uma situação, de facto, perigosa e por isso é que sou daqueles que tem muitas reservas à continuação da subida das taxas de juros no contexto económico geral que estamos a atravessar.
E acredita no objetivo do BCE de ter uma taxa de inflação na ordem dos 2% em 2025?
Esse é o objetivo, não é? Depende daquilo que vai ser a economia. Acho que colocar o objetivo é um objetivo, mas acho que o número de 2% é um número apenas, podia ser outro qualquer. O 2% na altura foi escolhido porque se previa um crescimento anual em termos nominais de 5% da economia na altura em que isso foi fixado. Portanto, isso foi fixado em determinado contexto que acho que pode ser perfeitamente revisto. Não vejo porque é que tem de ser 2%, porque é que não é 3% ou porque é que não é 4%. Acho que tem de haver a capacidade, e houve, no tempo em que o BCE tinha o Mario Draghi, introduziu-se, e agora, o objetivo neste momento já não é 2%, é, em média, 2%. E é importante, novamente, já não se está a falar nisso, mas houve um período em que se falava. E de repente depois chegou o objetivo de 2%. Não, mas o objetivo é, em média, 2% para permitir acomodar aquilo que é a dinâmica da economia. Não há nenhuma razão teórica para que tenha de haver inflação de 2%, não há!
No caso da economia portuguesa, estamos melhores que os nossos parceiros, que a média europeia, segundo o Banco de Portugal. Está otimista em relação ao desempenho da nossa economia? Qual é que acha que será o desígnio, ou deve ser o desígnio do próximo Orçamento do Estado?
Bom, é verdade, acho que os números da economia portuguesa são positivos. Mas se formos ver esses resultados positivos da economia, pouco tem a ver com aquilo que eram as intenções iniciais até do próprio Orçamento do Estado para 2023. Portanto, se olharmos número a número, o que é que estava previsto para isto, para aquilo e para o outro, se calhar não vamos encontrar. Porque as economias, felizmente, andam independentemente dos governos que estão, seja aqui, seja em outro lado qualquer, têm essa capacidade e acho que isso é extremamente positivo. Mas é evidente que os responsáveis, os governos, têm evidentemente influência não apenas na conjuntura, mas também em aproveitar a conjuntura que é boa para projetar o futuro. Ou seja, as conjunturas são importantes e neste momento grande parte têm a ver com fatores externos, quer por causa das exportações, quer porque a procura externa aumentou mais até do que se pensava inicialmente, mas também o efeito do turismo a vários níveis. E o turismo, atualmente, representa mais de 20% em termos de impactos na economia, direta e indiretamente. Mas atenção, porque muitas vezes as conjunturas boas, e já temos outros exemplos na história económica de vários países, provocam destruições, desvios, que depois têm consequências negativas. Quer dizer, a especialização em setores de baixo valor acrescentado e de mão de obra menos qualificada pode, em médio e a longo prazo, ser negativo para o país. E, portanto, desse ponto de vista, sou daqueles que ainda aposta numa visão estratégica de ter objetivos de natureza estratégica e, no fundo - até posso regressar à nossa conversa inicial relativamente aos jovens -, é isso que dificulta o acesso dos jovens qualificados ao mercado de trabalho. Porque nós estamos aqui, provavelmente, numa contradição entre aquilo que está a ser a evolução da economia portuguesa e aquilo que é a formação cada vez mais qualificada dos nossos jovens, que chegam ao mercado de trabalho e não são reconhecidos, nem qualitativamente, nem quantitativamente. Pelo contrário, a economia portuguesa tem tendência a absorver mão de obra cada vez menos qualificada e os nossos jovens para onde vão? Têm de procurar oportunidades no estrangeiro. No fundo, o país perde gente na qual apostou, contribuiu, todos nós andámos a pagar para a formação dos nossos filhos e depois eles não dão o contributo que deviam dar ao país. E isso acho que é um problema estrutural.
E desígnio para o Orçamento do Estado de 2024? Há espaço para reduzir os impostos?
Relativamente ao Orçamento do Estado, neste momento, temos uma folga. Lá está, diz-se mal da inflação, mas a inflação, pelos vistos, teve resultados positivos em termos da arrecadação fiscal. Acho que o fim que o Governo tem, aliás, como já teve este ano e aproveitou, atenção, também não sejamos ingénuos, houve medidas que foram tomadas de natureza pontual, para atingir este ou aquele setor, os aumentos de pensões, etc., que foi o resultado das folgas que, entretanto, foram alcançadas e que é positivo. Só tenho a elogiar essas preocupações, mas acho que neste momento deve fazer-se um rigoroso exame daquilo que são as possibilidades e aproveitar as folgas. Aproveitar as folgas não, cá está, numa perspetiva imediatista, para satisfazer clientelas, mas sim para pensar naquilo que pode ser feito em termos estratégicos, em termos de longo prazo. Modificações estruturais, reforçar investimentos, por exemplo, o investimento público. Acho que é fundamental atualmente, a própria OCDE, no relatório último que fez, chamou à atenção para a necessidade de investimento público orientado estrategicamente para sustentar uma dinâmica de desenvolvimento do país. Aliás, quando nós olhamos para aquilo que é a perspetiva da formação bruta de capital fixo para 2023, 2024 e 2025, vemos que ela reflete muito o quê? Reflete muito os fundos do PRR. E é importante que assim seja, quer dizer, temos de aproveitar essas possibilidades para resolver problemas de natureza estrutural que o país tem e que andamos a adiar há 20 ou há 30 anos. Como o aeroporto, como o setor ferroviário. Ainda hoje li uma notícia no jornal que dizia que o plano ferroviário 2020 está com uma taxa de execução baixíssima, comparativamente àquilo que seria. Acho que o que falta, e volto, se me permite, àquela conferência que tivemos com a SEDES sobre onde vai a economia portuguesa, no fundo, era para homenagear alguém como o João Salgueiro, um economista brilhante e de referência no país, que esteve muito associado a uma visão estratégica. Aliás, ela é conhecida até antes do 25 de abril, com os famosos planos do Fomento, que tiveram uma importância significativa na modernização do país, não é? Digamos, pouca gente já se lembra, mas, no fundo, nós fizemos aquilo. Tivemos planos quinquenais a seguir à Segunda Guerra Mundial, até no âmbito do próprio plano Marshall, da influência que o plano Marshall teve e que, no fundo, é parte daquilo que são os projetos de bandeira que temos hoje, como Sines. Ou seja, havia visão estratégica e ainda hoje estamos a viver aquilo que foram os impactos. Como é que uma coisa pensada nos anos 60 acabou por ter em 2023 impactos positivos? E é isso que se pretende com a visão estratégica, é sustentar dinâmicas que possam ultrapassar as conjunturas que seguramente o país vai viver na sua vida. Conjunturas piores, conjunturas melhores, mas desde que haja alavancas, desde que haja dinâmicas e sustentações de natureza estratégica, podemos aproveitar muito melhor e ultrapassar mais facilmente as situações mais adversas.
