Foi fundador do grupo Sonae. Tinha um lema de vida sempre presente: a independência do poder político. Morreu esta quarta-feira, aos 79 anos.
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Belmiro Mendes de Azevedo nasceu na freguesia de Tuías, no concelho do Marco de Canaveses, a 17 de fevereiro de 1938. Filho de um carpinteiro casado com uma costureira, era o mais velho entre os oito filhos que nasceram deste casamento.
Belmiro fez o ensino básico na escola primária da sua aldeia, tendo reprovado na primeira classe, segundo o próprio, por culpa de um professor incompetente. Todavia, graças ao novo professor que entretanto chegou à escola, Carlos da Silva Andrade, o menino Belmiro recuperou o tempo perdido, concluindo os quatro anos letivos em apenas três.
Justificando a influência que os professores podem ter na formação dos jovens, Belmiro de Azevedo referia-se ao seu segundo mestre escola dizendo: «Era um professor que exigia muito trabalho, muito rigor, muita disciplina e não tolerava o erro». Dele recebeu a semente que haveria de o acompanhar por toda a vida: «Assumi o rigor do professor. A certa altura era quase uma questão de saber se era o professor que era mais rigoroso comigo ou eu com ele. Éramos dois maníacos do rigor, do zero erros, da perfeição completa».
Foi o professor Carlos da Silva Andrade que assumiu como seu propósito que Belmiro de Azevedo deveria prosseguir os estudos. Mas os pais, não sendo propriamente pobres, tinham algumas dificuldades para suportar os custos da formação do filho, tanto mais que ele era o primeiro, e já tinha irmãos mais novos.
Começou a trabalhar ainda como estudante
Belmiro foi enviado para o Porto, ao cuidado de um tio e padrinho, que, como mestre de obras, lhe deu alojamento nos estaleiros de obras onde trabalhava. Foi matriculado no liceu Alexandre Herculano, e aí concluiu o ensino secundário, sempre no quadro de honra, sendo o melhor aluno do seu ano.
Terminado o liceu, matriculou-se, em 1956, na Faculdade de Engenharia, onde se licenciou, em 1964, em engenharia química industrial. Também na FEUP Belmiro de Azevedo foi aluno brilhante, ainda que tenha sido obrigado a interromper o curso, entre 1959 e 1960, para cumprimento do serviço militar.
Ainda como estudante de engenharia, Belmiro de Azevedo começou a trabalhar na "Efanor - Empresa Fabril do Norte", empresa têxtil localizada em Matosinhos, tendo sido incumbido de montar uma nova unidade fabril. Pouco tempo depois, em janeiro de 1965, e porque já era conhecido como aluno prestigiado de engenharia, foi convidado para diretor de investigação e desenvolvimento da "Sonae - Sociedade Nacional de Estratificados", ao tempo uma pequena empresa com sérias dificuldades económicas e financeiras, que se dedicava ao fabrico de laminados decorativos.
Dois anos mais tarde, em 1967, assumiu o cargo de diretor-geral e administrador delegado da Sonae. Em 1973, a convite e expensas do dono da empresa, o banqueiro Afonso Pinto de Magalhães, partiu para os Estados Unidos, a fim de frequentar o "Program for Manegement Development", na Harvard Business School, em Boston. Mais tarde fez ainda três novas pós-graduações: "Finantial Management Program", na Universidade de Stanford, "Strategic Management", na Universidade de Wharton, e "Global Strategic", na Universidade de Los Angeles, na Califórnia.
Um grupo empresarial à sua imagem e semelhança
Na sequência da revolução democrática de 1974, o patrão da Sonae foi obrigado a exilar-se, e Belmiro de Azevedo assumiu o controlo da empresa, que iniciou então um enorme desenvolvimento e crescimento durante as décadas seguintes. Belmiro de Azevedo arriscou novas áreas de negócio, como a dos hipermercados (Continente e Modelo), a das comunicações (Jornal "Público") e a das telecomunicações (Optimus).
Posteriormente, lançou um vasto programa de internacionalização do grupo, e apostou no retalho especializado, como foi o caso das lojas Bonjour, Vobis, Worten, Sport Zone, etc. A partir de 1985, a Sonae passou a ser cotada na Bolsa de Valores, e Belmiro de Azevedo tornou-se acionista maioritário do grupo.
Paralelamente à atividade empresarial, no ano de 1991 o grupo criou a Fundação Belmiro de Azevedo, que desenvolve a política de mecenato da empresa, nas áreas da educação, das artes, da cultura e da solidariedade, em ações de parceria com indivíduos e entidades, e contando com os colaboradores da empresa em regime de voluntariado.
Em 2008, esta fundação abriu em Matosinhos o Colégio Efanor, no lugar das velhas instalações fabris onde Belmiro de Azevedo deu inicio à sua carreira profissional. Em 2007, depois de 18 anos na direção da Sonae, Belmiro de Azevedo transferiu a liderança para o seu filho Paulo de Azevedo, reservando para si o cargo de "chairman" do conselho de administração.
Um dos homens mais ricos... com hábitos austeros
Este emblemático empresário construiu uma das maiores fortunas nacionais e internacionais, chegando a ser o homem mais rico de Portugal, com lugar cativo na lista dos mais ricos do mundo, segundo a revista "Forbes". Costumava dizer que ninguém faz fortuna sem trabalhar muito, de forma disciplinada, permanente e determinada. Por isso, mantinha uma disciplinada rotina diária. Levantava-se cedo, tomava o pequeno-almoço em casa, e seguia para o ginásio depois do qual se entregava ao trabalho até cerca das oito da noite.
Como antigo atleta universitário, mantinha a sua paixão pelo desporto, lia sobretudo livros e trabalhos da área da gestão, mas, também, temas diversos, como economia, inovação e empreendedorismo, para além da história moderna da Europa. Gostava de música clássica e brasileira, e era um admirador dos reportórios de Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro, para além da nova geração de fadistas.
Ao longo da sua vida, Belmiro de Azevedo desempenhou múltiplos cargos em instituições públicas e privadas. Era membro do "European Union Hong-Kong Business Cooperation Committee", do "World Business Council for Sustainable Development", do "European Advisory Board da London Business School", do Clube México-Europa 2000, membro do senado da Universidade do Porto, e presidente do Conselho de Administração da EGP-Business School da Universidade do Porto.
Cidadão do Porto apaixonado pela sua terra
Belmiro de Azevedo manteve sempre uma estreita ligação à sua terra natal, em Tuías, Marco de Canaveses. Recuperou e ampliou a casa de família, sobre a toalha de água da albufeira do rio Tâmega, e gostava de ali passar os fins de semana com a família, e frequentemente no convívio com os amigos. Casou com Maria Margarida Carvalhais Teixeira, farmacêutica de profissão, com quem teve dois filhos e uma filha.
Sempre viveu no Porto, e tinha pela cidade um particular carinho. Era adepto do Futebol Clube do Porto, e participava em dezenas de instituições, sendo importante mecenas de muitas delas. Mantendo sempre o princípio de ser um homem independente em relação aos poderes políticos, não escondia as suas opiniões sobre a governação, ou mesmo sobre os atores políticos, de qualquer quadrante partidário.
Abrasivo nas apreciações que fazia das figuras políticas e respetivo desempenho, Belmiro de Azevedo era direto e de resposta pronta sobre as questões que lhe fossem colocadas. As suas opiniões por diversas vezes deram origem a polémicas públicas que acompanhava com curiosidade mas também desprendidamente.
Foi agraciado com o grau de comendador da Ordem do Mérito Civil de Espanha, em 1999; comendador da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do Brasil, em 2000; e Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em 2006. Tinha também várias medalhas de ouro atribuídas por diversos municípios, entre as quais a Medalha de Honra da Cidade do Porto, o mais alto galardão municipal.