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Quem nasceu envolto no verde da Serra do Gerês não poderia viver sem esse entorno do convento de São Domingos, em Lisboa. Aos 90 anos, frei Bento Domingues, vive, incólume, a dois passos da catedral da Luz, no vozeirão dos golos...
Bento Domingues, o nome na vida religiosa, foi baptizado pelos pais como Basílio de Jesus e pertencia a uma família tradicional de pequenos agricultores do Minho. A terra dura pesava quase tanto como os sete filhos nascidos, como assim se pensava no tempo, da vontade de Deus, na pequena aldeia de Vilar, em Terras de Bouro, muito perto do santuário de São Bento da Porta Aberta. O lugar de Travassos assistiu ao crescimento desta criança irrequieta. Contra a vontade da avó, mas com a bênção dos pais, rumou longe, para a Casa Apostólica dos dominicanos, em Aldeia Nova, no concelho de Ourém. Um tio dominicano, no Brasil, apadrinhou a nova vocação.
Um longo destino esperava este homem devotado à Teologia, que estudou em Fátima, Salamanca, Roma e Toulouse. O convento de Fátima foi o epicentro da sua existência. Investigou os fenómenos da Cova da Iria de que foi sempre crítico activo, mas tentando entender as motivações da religiosidade popular. Viajou e ensinou pela África e pela América Latina, discutindo e aprofundando as teses da Teologia Africana e da Teologia da Libertação.
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Exemplar e ousada lisura de pensamento
Depois dos anos 80, o teólogo dominicano ensinou em Angola e Moçambique, no Peru, Chile e Colômbia. Por três anos, de 1998 a 2001, dirigiu o Curso de Ciências das Religiões, na Universidade Lusófona.
O II Concílio do Vaticano, reunido em Roma, de 1962 a 1965, haveria de mudar, de modo definitivo, os azimutes deste teólogo que trata Deus por tu e que, tantas vezes, fez perder a paciência de hierarcas e políticos.
Assim, foi no Porto a propósito de uma exposição inaugurada, em 1 de Maio de 1963. A polícia política do Estado Novo deportou-o para Lisboa. O Mundo Interroga o Concílio era o título da polémica exposição, inspirada na espiritualidade dos frades dominicanos e organizada pela Juventude de Cristo Rei, com grupos locais de extrema-direita a quererem boicotá-la.
Quase nos finais do Estado Novo, em 1969, integrou o secretariado da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Criou também duas escolas de estudos teológicos.
Bento Domingues publicou diversos livros como: A Religião dos Portugueses (1.ª edição, em 1988). Outros títulos são colectânea dos artigos publicados, semanalmente, no jornal Público, durante mais de trinta anos. O último livro, Fora do Diálogo não há Salvação, foi editado, em 2024, pela Temas e Debates.
Bento Domingues é o terceiro convidado do programa “Vidas com História”, depois do padre Agostinho Jardim Gonçalves e do jesuíta Vasco Pinto de Magalhães.