Bispos pedem amnistia: iniciativa é aplaudida, mas há uma descrença "na vontade dos políticos, desde logo daqueles que vão à igreja"
Cerca de dois mil reclusos poderão sair em liberdade. Em declarações à TSF, o líder da Associação de Apoio ao Recluso atira a Marcelo, afirmando que o seu trabalho "deixou muito a desejar": "Não vai a nenhuma cadeia, não recebe as associações que lutam pela reabilitação e não se preocupa minimamente no seu discurso"
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O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional aplaudiu esta quinta-feira a iniciativa dos bispos, que vão escrever uma carta aos deputados para pedir uma amnistia para quem está na cadeia, sublinhando a importância de um "sistema prisional não carcerário". A Associação de Apoio ao Recluso (APAR) confessou igualmente satisfação com a iniciativa, apesar de não acreditar na "vontade da parte dos políticos, desde logo daqueles que vão todos os dias à igreja".
A iniciativa foi revelada pelo bispo de Setúbal, Américo Aguiar, que pede uma amnistia no âmbito do Jubileu, que se assinala este ano e do 50.º aniversário do 25 de Abril.
O líder do sindicato, Frederico Morais, aponta que esta medida fosse aprovada, cerca de "dois mil" reclusos poderiam ser libertos, embora reconheça que os casos terão de ser bem avaliados.
Frederico Morais ressalva igualmente que a ideia de um "sistema prisional não carcerário" é um dos objetivos defendidos pelo sindicato "há muito tempo".
"Nós defendemos que não devemos ter um sistema tão carcerário, porque há pessoas nas cadeias portuguesas que estão presas por uma multa, por exemplo. E isso não é reinserção social sequer. Isso é pôr pessoas condenadas conjuntamente com outros tipos de crimes. Quase parece uma escola do crime", atira, em declarações à TSF.
Avança ainda que "tudo o que seja para fazer funcionar o sistema prisional de uma maneira melhor", o sindicato vai apoiar, mas argumenta que a amnistia tem de ser avaliada em função de cada caso específico.
"Não podemos é pôr certos tipos de crimes, apesar de estarem no final de pena, em liberdade. Isso não", afirma, acrescentando contudo que a amnistia iria "aliviar imenso a pressão do sistema prisional".
Quem partilha da mesma opinião é a APAR, que confessa ficar "satisfeita" com a iniciativa. No entanto, Vítor Ilharco deixa um lamento.
"Infelizmente, não acreditamos que haja uma vontade da parte dos políticos, desde logo daqueles que vão todos os dias à igreja", defende, também em declarações à TSF.
O líder da APAR denuncia a falta de uma "ideia de perdão e de segunda oportunidade àqueles que falharam" entre os políticos portugueses. Vítor Ilharco nomeia mesmo alguns nomes.
"Não acreditamos que os nossos políticos - a começar logo pelo Presidente da República e, repetindo, daqueles que vão todos os dias à igreja - sigam esta decisão dos bispos que apoiamos e agradecemos", lamenta.
Vítor Ilharco considera mesmo que o trabalho de Marcelo Rebelo de Sousa "deixou muito a desejar" neste aspeto, já que "fala constantemente nos excluídos, mas não considera que os reclusos" pertençam a este grupo.
"[O Presidente da República] não vai a nenhuma cadeia, não recebe as associações que lutam pela reabilitação e não se preocupa minimamente nos seus discursos, com toda a sinceridade. O trabalho do senhor Presidente da República, nesse aspeto, deixou muito a desejar", vinca.
Além da carta que vai ser entregue na Assembleia da República, há uma petição que já nas mãos dos deputados, desde maio, a pedir o perdão para os detidos nas cadeias portuguesas.
A Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos saúda a "posição importante" da igreja e revela o desejo de que esta medida tenha os "devidos efeitos". Manuel Almeida Santos acredita que esta iniciativa pode mesmo dar visibilidade à petição de amnistia, com mais de 7600 assinaturas, que aguarda agendamento para ser discutida na Assembleia da República desde maio de 2024.
Portugal mantém uma taxa de 118 presos por cem mil habitantes, muito acima dos 73 que correspondem à média europeia. Manuel Almeida dos Santos, presidente da Obra Vicentina, espera que com o empurrão da Igreja Católica o assunto vá finalmente a discussão.
"O não agendamento da petição é uma violação da lei. E estamos a falar de reclusos que estão presos por terem violado a lei e os deputados estão a violar a lei que eles próprios fizeram de fim de prazos para a discussão em plenários das decisões que reúnem as condições que a nossa reúne", assinala.
O prazo para a Assembleia da República apreciar a petição já foi contudo ultrapassado. Manuel Almeida Santos sublinha igualmente que o tempo médio de cumprimento da pena em Portugal é de cerca de 31 meses, enquanto na União Europeia não ultrapassa os oito meses.
"É injustificável este atraso na discussão e na tomada de medidas", atira.
Numa mensagem escrita com o título "Esperança e Misericórdia", o bispo de Setúbal lembra a amnistia em torno da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que decorreu em Lisboa em 2023 com a presença do Papa Francisco e deixa um pedido.
"A amnistia em torno da JMJ Lisboa 2023, ao contrário do desejado, ficou infelizmente a marcar negativamente tantas irmãs e irmãos. Peço, exorto aos nossos ilustres parlamentares que possam refletir e equacionar uma amnistia no contexto deste Jubileu Universal e dos 50 anos da Democracia", refere Américo Aguiar.
O bispo de Setúbal fala da bula de proclamação do Jubileu 2025 que defende uma amnistia para os presos, como sinal de "esperança", e cita o Papa Francisco.
"Disse-nos o Papa Francisco: proponho aos governos que, no ano Jubilar, tomem iniciativas que restituam esperança aos presos. Formas de amnistia ou de perdão da pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis", lê-se na mensagem.
Antes, o bispo de Setúbal dirige-se às instituições particulares de solidariedade social, às Misericórdias e repete a palavra "todos, todos, todos", dita pelo Papa em Lisboa por ocasião da JMJ, para fazer outro apelo: "sendo económica e financeiramente possível perdoem dívidas pessoais/individuais".
A diocese de Setúbal vive um duplo ano jubilar: o Ano Santo de 2025 e 50 anos da criação da diocese (1975/2025).
O Jubileu é uma festa da Igreja Católica, realizada a cada 25 anos, que junta várias celebrações para assinalar a fé e responder aos desafios de cada época.
Na véspera de Natal, o Papa Francisco assinalou, com a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, o início do Jubileu da Igreja Católica, que deverá atrair cerca de 32 milhões de peregrinos a Roma.
Este é o primeiro jubileu ordinário do Papa Francisco, que cumpre agora a tradição de, a cada 25 anos, celebrar um "Ano Santo" dedicado a "consolidar a fé e a solidariedade", durante o qual a Igreja concede indulgências ou o perdão dos pecados.
Francisco dedicou o Jubileu de 2025 ao tema da esperança e sublinhou essa mensagem quando abriu a Porta Santa na quinta-feira na prisão de Rebibbia, em Roma, numa tentativa de dar aos reclusos a esperança de um futuro melhor.