Bolieiro quer revisão da Constituição e da lei das finanças regionais e promete ir a votos em coligação em 2024
No dia dos Açores, o presidente do governo regional define o conceito de açorianidade e explica como as quase cinco décadas de autonomia determinaram o progresso da região. Numa entrevista à TSF, José Manuel Bolieiro critica a burocracia do PRR e defende uma reprogramação.
Corpo do artigo
O que é a açorianidade, agora que estamos a chegar ao final do primeiro quarto do século XXI?
É um gosto, neste dia dos Açores e da açorianidade, expressar na minha qualidade de presidente do governo (regional), aquele que é o caráter desta festa móvel que celebra o dia da região autónoma dos Açores enquanto região política com órgãos de governo próprio, mas igualmente o caráter e, desde logo, a identidade do nosso povo. Não apenas dos residentes nas nossas ilhas, mas também em toda a nossa Diáspora, e aqueles que vivem no continente e na Madeira, e que vivem irmanados na devoção do Divino Espírito Santo, e que festejamos em cada uma das nossas freguesias com o elemento da nossa identidade e caráter, partilha, solidariedade e reunião, de pessoas em todas as oportunidades como iguais, solidários com os outros.
TSF\audio\2023\05\noticias\29\x_jose_manuel_bolieiro_online
Estamos num tempo de modernidade. Sem autonomia política, os Açores estiveram votados ao abandono e a uma situação de isolamento que por ser uma situação arquipelágica muito difícil - ilhas no Atlântico Norte; pouca população em cada uma das ilhas; de difícil acesso de pessoas e bens na circulação interilhas porque estamos dependentes de condições sazonais específicas do Atlântico Norte, e temos de recorrer ao transporte aéreo ao longo de todo ano - tudo isso condicionou sempre, ao longo da história, o nosso desenvolvimento e o nosso estilo de vida, em cada uma das nossas ilhas. Umas, pela mais reduzida dimensão territorial e demográfica, ainda mais que as de maior dimensão.
Mas a verdade é que fomos sempre um povo de grande caráter, aliás, baleeiro. Estamos este ano a celebrar o dia dos Açores na vila baleeira Lajes do Pico, na ilha do Pico, que é a bem a demonstração da tempera que é a açorianidade, a verdadeira resiliência de gente rija, que apesar dos desafios da natureza, procurou sempre - respeitando a natureza - manter-se na sua ilha, na sua região, e adotando o mar como um desafio e como uma oportunidade, reveladora da nossa identidade e da nossa tempera rija. É o que que posso dizer, com orgulho, da açorianidade.
O presidente do Governo Regional entende que a autonomia defende essa açorianidade?
Sem dúvida. A autonomia, por um lado, como eu a defendo para este novo ciclo político e de autogoverno, é uma autonomia de responsabilização. Houve já o tempo de uma autonomia progressiva, no sentido de revindicação de competências relativamente ao centralismo. Foi também já uma autonomia cooperativa, no sentido de estabilizar relações financeiras entre o estado e a região autónoma e os seus órgãos de governo próprios. Estou convencido que hoje, o que precisamos, é que a autonomia política seja um elemento de confirmação do que já adquirimos, mas também, e sobretudo, da afirmação e o reconhecimento das complementaridades. No fundo, um coworking e uma codecisão, para que aquela que é a nossa integração plena nacional portuguesa, na democracia portuguesa, no desenvolvimento de Portugal inteiro, e de todos os portugueses, incluindo os portugueses açorianos residentes nas nossas ilhas, e a nossa plena integração na União Europeia.
Portanto, a autonomia não pode ser para o estado, uma desculpa de desresponsabilização das suas obrigações com o desenvolvimento e a integridade territorial e o desenvolvimento coeso social de todo o seu povo, como também não pode ser, um sacrifício imposto quando existem medidas nacionais, aos meios e aos recursos que foram ao longo desta história atribuídos e que são sempre poucos e escassos, ao desenvolvimento promovido pelos órgãos de governo próprios, e que atuam, no sentido de potenciar as nossas especificidades e combater os nossos constrangimentos que resultam dessa condição arquipelágica, insular, ultraperiférica e de reduzida dimensão.
Mas com uma expectativa de podermos ser - ainda mais agora e para o futuro, do que no passado - de projeção de prestígio e dimensão portuguesa e europeia, no domínio das novas economias, com especial destaque para as novas tecnologias, a investigação e a inovação científicas, que a economia azul e que a dimensão marítima que os Açores são a Portugal e à União Europeia, bem como a nova economia do espaço. Com as transições que hoje o mundo experimenta, os Açores podem ser uma referência, em termos de autonomia política, na transição climática, na transição energética, na transição digital, podemos ser referências de laboratório e de futuro, nestas áreas. E a nossa autonomia tem que ter mão e participação nestas oportunidades.
Por isso, sim, queremos ser codecisores nestas matérias quem tenham a ver com as alterações climáticas, a subida do nível das águas, o sobreaquecimento, dos fatores potenciadores de fenómenos extremos da natureza, penalizadores em termos de proteção civil e de segurança das populações, mas igualmente potenciador de descobertas em sede de economia azul, e oportunidades de desenvolvimento da economia. Por exemplo, o conhecimento do fundo do mar profundo, o impacto que o mar tem para capturar emissões de carbono, na nossa vida humana, na vida vegetal e animal, a proteção da nossa biomassa, ou sermos exemplo no cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da União Europeia e da Organização das Nações Unidas. Ou o potencial que temos na ligação entre o velho e o novo mundo, através da transição digital, por causa dos cabos submarinos de fibra ótica que atravessam o nosso mar territorial, que está protegido e que pode potenciar os chamados smart cables, que podem servir para observações do fundo do mar profundo. E nas alterações energéticas, porque os Açores são já, e pode continuar a ser, um laboratório o futuro.
Estou a falar de alguns exemplos, mas noutros, como a economia do espaço, estamos a trabalhar com lançadores ligados ao orbital e suborbital, para tornar o porto espacial dos Açores uma referência para a Europa e para o mundo, com o músculo fornecido por consórcios da região com Portugal e outros países europeus.
Como vê, tenho orgulho na história, e muita expectativa e confiança num futuro que ponha os Açores, a açorianidade, a sua identidade, a afirmação do seu autogoverno, como codecisores em áreas cujo potencial está situado no nosso território açoriano.
Ainda quero voltar ao tema da autonomia, mas numa altura em que não é possível falar de investimento em Portugal, sem abordar o tema PRR ou o quadro de apoios europeus até 2030. Quais são os setores que mais estão a aproveitar a chamada bazuca?
Bom, antes de mais, um reconhecimento e um exercício de verdade. O processo desta bazuca foi absolutamente burocrático, e creio que foi até, muito limitador, face ao período de arranque e da execução, com os constrangimentos todos. Primeiro, a fase pós-pandémica, com o aumento de custos dos fatores da produção, e a falta de elementos diversos na economia global. Depois, a subida da inflação, a subida dos preços especialmente energéticos, a falta de combustível. Igualmente, a invasão russa da Ucrânia provocou outro tipo de constrangimentos. Ou seja, a preocupação é podermos ter uma reprogramação que permita não só ver como se atingem os marcos e metas, como considerar a própria economia de mercado. Muitos concursos ficaram desertos porque os preços planeados na programação original estão completamente desatualizados.
Portanto, o primeiro desafio é combater o excesso de burocracia, adaptar a economia e os projetos aos novos preços e às novas disponibilidades do mercado para abastecimento, fornecimento e realização de obra.
Nós apostamos muito, desde logo, em projetos que possam catapultar aquilo que é para nós, essencial, que são os recursos humanos. Ou seja, catapultar cada vez mais um sucesso educativo e o sucesso profissional. Potenciar ainda o nosso momento de transição digital e energética, através de um recurso cada vez mais potenciador de utilização de energias renováveis, e com isso baixar a fatura energética e ao mesmo tempo, cumprir objetivos de desenvolvimento sustentável. Naturalmente, também queremos resolver um problema que contribui para a fixação de populações ao território, que é a habitação. Um tema que envolve a administração regional autónoma e as autarquias.
São estes os marcos e metas que temas, associados à ciência, inovação e investigação científicas.
O estatuto autonómico está muito dependente da aplicação da lei das finanças regionais. As duas regiões estão no mesmo barco na negociação com a república?
Sem dúvida. Uma lei e um regime financeiro de cooperação entre o estado central e as regiões autónomas com órgãos de governo próprio com autonomia política, não é senão uma oportunidade para garantir estabilidade, previsibilidade e regularidade das transferências financeiras do Orçamento do Estado ou da riqueza nacional, para o desenvolvimento coeso de todas as populações e todo o nosso território, com especial atenção para os nossos arquipélagos, para as regiões autónomas com autonomia politica e órgãos de governo próprios.
Tem havido um retrocesso, face ao atual regime, ou seja, à atual lei das finanças das regiões autónomas. Tem provocado uma diminuição de meios nas transferências para as regiões autónomas, que já eram insuficientes para os nossos desafios de desenvolvimento, e sobretudo, a recuperação convergente com o todo nacional médio e europeu. Por outro lado, deixa de ter previsibilidade, porque muitas vezes, e nos últimos anos, com mais frequência, nos Açores, a cada ano que passa, recebe menos que no ano anterior.
Por isso, a resposta é sim: comungamos, Açores e Madeira, por um lado, da opção de fazer força para a revisão da Constituição da República Portuguesa, e por outro lado, de rever a lei das finanças das regiões autónomas, e aí ter um projeto que melhor potenciai a repartição da riqueza nacional, convergente e solidária das necessidades de desenvolvimento que temos para esta coesão social e económica, e que considere estas diferenças entre as duas regiões autónomas. Isto é, um arquipélago com 9 ilhas, não tem os mesmos impactos e as mesmas necessidades de desenvolvimento apoiado que um arquipélago com duas ilhas. À parte essa distinção, comungamos completamente um projeto afirmativo de revisão das finanças das regiões autónomas, em alta para os interesses da Madeira e dos Açores, que é o mesmo que dizer para os interesses de Portugal atlântico.
Estamos empenhados nisso, e num quadro da revisão da Constituição, também da afirmação e da estabilização dos objetivos autonómicos porque eles correspondem a um adquirido ao longo destes anos de democracia portuguesa, em progresso e autonomia política dos Açores e da Madeira, mas também, na afirmação do alavancar de projetos de interesse comum para o país, que são realizados nos Açores e na Madeira, mas que são de interesse nacional, e devem ter, por isso, a alavanca da riqueza nacional, e até, o envolvimento direto da União Europeia, porque cada vez mais, reconhecemos que deve ser assim a vivência da codecisão e do coworking, pelo nosso desenvolvimento.
Estamos a terminar, mas quero perguntar-lhe se já tomou uma decisão sobre a estratégia para as eleições do próximo ano? Voltaria a tentar governar num cenário semelhante ao atual?
Já tive oportunidade de dizer, mesmo quando algumas crises artificiais foram anunciadas, que sou pessoa para ser um referencial de estabilidade e do cumprimento da palavra dada.
Quando optámos por uma solução, face à ausência de uma solução do partido socialista para formar governo nesta legislatura 2020-2024, formámos uma coligação pós-eleitoral que garantiu a ética política com mais votos e mais mandatos que o Partido Socialista. E ficou acordado, desde o início, que perante este projeto político de governação que afirmava uma alternativa, e concretizava a alternância democrática, findos 24 anos de domínio do Partido Socialista com fracos resultados no progresso e no nosso desenvolvimento, faríamos uma coligação pré-eleitoral deste projeto político de governo, que está atualmente a governar sob a liderança do PSD, e a minha liderança, e com o CDS e o PPM.
É este o compromisso que está assumido em acordos de coligação pós-eleitoral, que se afirma para 2024 como uma coligação pré-eleitoral. É isso que vamos cumprir e o povo sabe com que conta. Nós não andamos ao saber da espuma do dia, mas sim com um projeto de década que afirmou a minha agenda de governação e enquanto líder regional do PSD.
