Braga tem apenas 197 cuidadores informais registados. Futuro é grande receio das famílias
Famílias estão insatisfeitas com alteração à Lei do Estatuto do Cuidador Informal. Falta de informação sobre direitos é outro dos problemas que enfrentam
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O concelho de Braga tem apenas 197 cuidadores informais registados na Segurança Social. No país são perto de 15 mil. Um número reduzido quando, de acordo com um inquérito promovido pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, aponta para 1,4 milhões, sendo a maioria mulheres com idade média próxima dos 60 anos.
Cristina Abreu é cuidadora não principal do filho Samuel com 95% de incapacidade. Há 19 anos, nasceu com um Síndrome de Charge que provoca um atraso no crescimento e desenvolvimento. O marido, técnico informático, abdicou da carreira para ser cuidador informal principal. Por mês, são necessários entre mil a 1500 euros para terapias, fraldas e alimentação específica. Um valor pouco colmatado pela verba que chega da Segurança Social.
Com a segunda alteração da Lei do Estatuto do Cuidador Informal, o subsídio passa dos 509,36 euros (valor do Indexante dos Apoios Sociais) para 560,19 euros, o que para Cristina Abreu trata-se de uma desilusão.
“Quando nós lutamos pelo Estatuto do Cuidador Informal, uma das coisas que pedimos inclusive ao Presidente da República foi que o cuidador tivesse um salário mínimo nacional com direito a descontos e baixa, mas até agora nada foi feito. Foi transformado numa medida que nos torna, aos olhos dos outros, como subsidiodependentes”, lamenta.
A frustração de não encontrar uma solução para o filho que deixou de ter escola, fez com que em conjunto com outros pais e cuidadores criassem o “Estrelas que nos Unem”, uma valência do Centro de Artes e Desporto Inclusivo da Associação Juvenil Synergia que já dá respostas a seis jovens e o objetivo é continuar a crescer e a melhorar as condições.
Outra das histórias partilhadas aos microfones da TSF foi a de Emanuel Araújo. Há 13 anos, viu a companheira desaparecer vítima de doença prolongada e ficou com dois filhos menores nos braços. Neste momento, cuida do filho com Síndrome de Angelman, um distúrbio neurológico, e do pai com paralisia superior nuclear progressiva, um tipo agressivo de Parkinson. Não tem direito a qualquer apoio, visto que o progenitor recebe reforma e o filho de 23 anos já trabalha.
“Segundo dizem não tenho insuficiência económica”, adianta. Para este cuidador informal o estatuto é muito “limitado”. Na sua ótica deveria prever uma maior ajuda ao nível dos cuidados médicos, para além de um aumento das verbas disponibilizadas que são, segundo vários relatos, “irrisórias”.
A batalha de Cecília Peixoto é distinta. Em fevereiro deste ano, o marido foi vitima de um atropelamento que o deixou tetraplégico. Depois de quatro meses internado no Hospital de Braga, passou pelo Centro de Reabilitação do Norte, onde não completou os 60 dias, tendo sido enviado para a Santa Casa da Misericórdia de Montalegre a quase 100 quilómetros de casa, uma vez que a habitação da família é um apartamento no primeiro andar sem elevador.
“Foram os dois meses mais difíceis que tive. Eu chegava lá e ele estava sempre na cama. Não havia reabilitação nenhuma. Durante este período teve duas vezes terapia da fala e a fisioterapeuta era uma para 40 pessoas”, denuncia.
Inconformada com as sucessivas portas fechadas do lado da Segurança Social, conseguiu um lugar no Centro de Reabilitação Neurológica e Saúde Mental, em Braga. Uma instituição privada onde deixa mais de 4 mil euros por mês para terapias e acompanhamento psicológico. Tudo graças a poupanças de uma vida e à solidariedade de colegas de trabalho e familiares. Boas ações que já dão os primeiros pequenos sinais de esperança para esta família. “Ele já consegue elevar os braços que era uma coisa que me disseram que nunca iria fazer”, refere.
Contudo, o sentimento de revolta não desapareceu. A preparação do regresso do marido a casa não tem sido fácil, devido aos avanços e recuos na Segurança Social, nomeadamente, por causa de uma plataforma elevatórias para que seja possível subir as escadas. O problema está agora na rua, com a Junta de Freguesia de Merelim S. Pedro a recusar a instalação de uma rampa de acesso ao prédio.
Todos estes casos são acompanhados pela Associação de Cuidadores, Familiares e Amigos de Braga (ACFAB), que nasceu em 2018 com o intuito de criar redes assim como trabalhar a questão da literacia. A presidente Daniela Oliveira dá o exemplo de projetos desenvolvidos pelo Município de Braga, no sentido de apoiar nas obras de adaptação de casas de banho, a que cuidadores sem estatuto podem apresentar candidaturas. A associação tem também uma parceria com o Centro de Competências de Envelhecimento Ativo que oferece formações em regime de e-learning, a título de exemplo, para retirar dúvidas sobre posicionamento, cuidados nutricionais ou de pele, entre outros.
A ACFAB é uma das entidades parcerias da Bogalha num projeto a três anos que já foi submetido ao Portugal Inovação Social. O cuidador é o foco do trabalho que contará com o apoio do Município de Braga, da ULS de Braga, da Cruz Vermelha e da Segurança Social.
“Vamos conseguir recursos humanos para diferentes tipos de apoio, desde a substituição, a atividades de relaxamento e saúde mental”, elenca.
Recorde-se que à margem do Dia Mundial do Cuidador, foi assinado um protocolo colaboração entre a ULS de Braga e a Associação, no sentido de reforçar o compromisso de ambas as instituições no desenvolvimento de iniciativas que visam a capacitação dos cuidadores informais, a promoção dos seus direitos e o apoio à saúde e bem-estar destes cuidadores. A criação de um balcão informativo no hospital é outra das medidas ambicionadas para o futuro. Futuro esse que para os cuidadores ainda não traz tranquilidade, pois a palavra inclusão está longe de ser uma verdadeira prática.
“É um buraco sem fundo. Quando não estiver cá não sei como vai ser”, Emanuel Araújo.
“O futuro é uma coisa incerta e que nos aterroriza porque não sabemos o que será dos nossos filhos se falharmos. Se no presente não há quem cuide deles, no futuro muito menos. Nós, pais de filhos deficientes costumamos pedir para eles irem à nossa frente. Por cruel que pareça”, Cristina Abreu.
