Câmara de Lisboa quer desfile para pessoas em situação de vulnerabilidade. Mais de metade das juntas não alinham
No dia 17 de outubro, a Câmara de Lisboa quer juntar "pessoas em situação de vulnerabilidade" para um "almoço em formato piquenique" e para uma "caminhada/marcha" entre o topo da Avenida da Liberdade e o Arco da Rua Augusta.
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Das 24 freguesias de Lisboa, mais de metade não vão alinhar no desfile proposto pela vereadora Laurinda Alves para assinalar o dia internacional para erradicação da pobreza, no dia 17 de outubro. A vereadora para os Direitos Humanos e Sociais da Câmara Municipal de Lisboa (CML) enviou um e-mail a solicitar às juntas de freguesia que dessem a conhecer a "pessoas em situação de vulnerabilidade" a realização de um "almoço em formato piquenique" e de uma "caminhada/marcha " entre o topo da Avenida da Liberdade e o Arco da Rua Augusta.
"Gostaríamos de contar com a colaboração e a participação das Juntas de Freguesia. Assim, vimos por este meio solicitar a divulgação da iniciativa junto de pessoas em situação de vulnerabilidade social, acompanhadas nos projetos dinamizados pela Vossa Junta de Freguesia", pode ler-se no e-mail a que TSF teve acesso.
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Da junta de freguesia da Ajuda a Carnide desfilam vozes discordantes deste evento. Desde logo, aponta a autarca da Misericórdia, Carla Madeira (PS): "Os mais vulneráveis devem ser protegidos e não expostos."
"Este convite, tal como vem descrito no e-mail, expõe pessoas que devem ser protegidas por nós. Acima de tudo isto é um atentado à dignidade das pessoas", atira a presidente da junta de freguesia da Misericórdia.
Acima de tudo isto é um atentado à dignidade das pessoas
E sobre este assunto forma-se uma geringonça de unanimidade. Fábio Sousa, presidente eleito pela CDU em Carnide, concorda: "Este trabalho de combate à pobreza faz-se todos os dias, caso a caso e protegendo também a privacidade das pessoas".
Jorge Marques (PS), autarca da Ajuda, sublinha que a estratégia de "isolar" as pessoas e dar-lhe "uma lógica diferente de tratamento" vai tornar "mais difícil" sair da situação de pobreza.
Depois de uma manhã de atividades "de diversas áreas: desporto, saúde, cultura, empregabilidade", o almoço em formato piquenique tem lugar no topo do Parque Eduardo VII, e está reservado a quem tenha senha.
"(...) Será distribuído aos grupos previamente inscritos, que receberão a senha de refeição no momento de chegada/acolhimento", explica a vereadora Laurinda Alves, no email.
Para facilitar a digestão, de seguida, os participantes desfilam pela Avenida da Liberdade até ao Arco da Rua Augusta, local onde vão ser brindados com momentos musicais, e ainda um discurso de Marcelo Rebelo de Sousa.
"O encerramento da iniciativa será realizado nesse local, com a dinamização de momentos culturais musicais, e com os discursos institucionais", lê-se na mensagem dirigida às juntas de freguesia.
A organização é da CML em parceria o Núcleo de Planeamento e Intervenção dos Sem-Abrigo de Lisboa e a Associação Impossible - Passionate Happenings.
Mas o programa das comemorações não reúne consensos. Pedro Costa (PS), autarca de Campo de Ourique, sublinha que o dia não é de festa. "As propostas de combate à pobreza não são bondosas, são investimentos sociais, com vista à erradicação da pobreza e é nesse debate que devemos concentrar os nossos esforços nesse dia, e não em celebrar", afirma Pedro Costa.
As propostas de combate à pobreza não são bondosas, são investimentos sociais, com vista à erradicação da pobreza
Já o presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, considera que esta iniciativa é controversa: "As estruturas do estado fazerem manifestações, ao fim ao cabo, contra si próprias. Se se quer combater a pobreza, tomem-se medidas consequentes", destaca Miguel Coelho.
Para estes autarcas, ouvidos pela TSF, o trabalho diário das juntas de freguesia é mais importante do que uma comemoração feita por convite.
"As respostas culturais, desportivas, os piqueniques, os momentos lúdicos devem ser para todos. Esse é o trabalho da inclusão, não o da exclusão, que é o que aqui temos", conclui Pedro Costa, presidente da junta de Campo de Ourique.
Os piqueniques, os momentos lúdicos devem ser para todos. Esse é o trabalho da inclusão, não o da exclusão, que é o que aqui temos
O certo é que para celebrar a erradicação da pobreza ainda há uma longa caminhada a percorrer.
A vereadora Laurinda Alves já tinha estado envolvida em polémicas quando, em junho, por altura do Rock in Rio, referiu que houve a hipótese de oferecer bilhetes a pessoas em situação de sem-abrigo, mas que tal não se concretizou tendo em conta os "problemas de consumos" e o perigo de "potenciar esse risco".
A TSF questionou a vereadora Laurinda Alves sobre esta iniciativa e aguarda resposta.
