Câmara do Porto quer manter projeto de mediação com comunidades ciganas e imigrantes
Vereador Fernando Paulo afirma que, no caso dos imigrantes a viver no Porto, os mediadores foram fundamentais para quebrar barreiras.
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A Câmara do Porto tem planos para manter em funcionamento o projeto de mediação intercultural com as comunidades ciganas e imigrantes. A autarquia quer que a cidade seja cada vez mais cosmopolita e inclusiva e, por isso mesmo, lançou há um ano este projeto.
O vereador Fernando Paulo afirma que, no caso dos imigrantes a viver no Porto, os mediadores foram fundamentais para quebrar barreiras.
"Havia sempre a questão da barreira linguística ou de perda da comunidade onde estavam inseridos, fruto até da situação pandémica. Isso também gerou aqui alguma oportunidade para difundir mais o serviço, mas para podermos, sobretudo, criar estes canais de acompanhamento, de mediação e de aproximação daquelas pessoas que estão em maior fragilidade social para que também pudessem dispor da cidade, de todos os seus recursos e serviços. Este atendimento acabou por se revelar de crucial importância e, naturalmente, também ajudou a divulgar junto das comunidades que viviam com maior fragilidade", explicou à TSF Fernando Paulo.
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A iniciativa da Câmara do Porto inclui um mediador intercultural para as comunidades imigrantes e três para os portugueses de etnia cigana. Neste último caso, o trabalho de mediação passa por uma aposta na escolarização e na abertura da sociedade a esta cultura.
"Quer em alguns bairros sociais quer em algumas zonas de freguesias da cidade temos comunidades de etnia cigana já há alguns anos e não temos problemas de maior. Temos é de criar condições mais favoráveis para que também estas pessoas possam aceitar a escolarização e possam difundir e divulgar mais a sua cultura para que todos se sintam a viver numa cidade de oportunidade e onde todos podem ter lugar. É nesta diversidade que também educamos para a tolerância, para os valores e para a construção de comunidades mais inclusivas", afirmou o vereador.
São quatro os mediadores interculturais a desenvolver trabalho e a criar pontes no Porto. Uma cidade com vários bairros sociais, onde a comunidade cigana marca presença.
O bairro social de Aldoar "no fundo é uma ilha isolada"
Bruno Prudêncio é um dos mediadores interculturais de etnia cigana que a Câmara do Porto tem a trabalhar neste projeto. Está a poucos dias de ser o primeiro membro da sua família e da comunidade cigana do bairro social de Aldoar a tirar um curso superior. Bairro esse onde Bruno já vê alguns sinais de melhoria, mas também coisas por fazer.
"Este bairro, infelizmente, é o único do Porto que não tem um local onde os jovens possam praticar desporto, embora a requalificação das habitações sociais tenha sido feita pela Câmara Municipal, o que veio melhorar bastante a questão da habitabilidade a nível social. Nota-se que é um bairro que está dentro da própria cidade mas, no fundo é uma ilha isolada", conta Bruno Prudêncio.
Aldoar é um bairro que também está na origem de estigmas.
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"Alguns jovens vão falando connosco e falam-nos da questão da abertura do mercado de trabalho. Muitas vezes não conseguem o seu primeiro emprego porque são de etnia cigana ou porque simplesmente vivem numa habitação social. Alguns deles acabam por dar uma morada diferente para ocultar o facto de que vivem naquela zona", disse um dos mediadores interculturais de etnia cigana.
Brumo Prudêncio repete as palavras "português de etnia cigana" como se fossem um mantra, não para si, mas para que os outros não se esqueçam. Um português cm uma cultura diferente que quer ser respeitada tanto quanto as outras.
"Claro que a cultura cigana é portuguesa, tal como a cultura minhota, mas existe ainda um grande entrave para esse reconhecimento", reconhece Bruno Prudêncio.
Esta é outra das lutas de Bruno Prudêncio: mostrar aos outros o que é ser cigano. E, por outro lado, fazer com que os portugueses de etnia cigana façam a sua parte para se integrarem melhor na sociedade.
Tudo começa com a ida à escola. Algo que, por ali, naquele bairro, até está a correr bem. Em Aldoar o absentismo é cada vez menor.
"Está a desaparecer. Posso dizer que Aldoar, na questão da valorização da escola, está muito melhor que os outros restantes territórios. Não se pode dizer que é um caso de sucesso, mas pode fazer a diferença no futuro e isso deve-se ao trabalho da própria escola e dos professores", acrescentou o mediador.
Paula Ferreira, a ponte entre os imigrantes e a burocracia
O Porto é também uma cidade com cada vez mais imigrantes, a precisar de apoio em vários níveis. Para quem chega a Portugal, o choque cultural e a barreira linguística podem ser problemas difíceis de ultrapassar. É aí que começa o trabalho de Paula Ferreira, a fazer a ponte entre os imigrantes recem chegados e os balcões de atendimento para toda uma série de assuntos.
"Muito poucas pessoas que estão na primeira linha de atendimento falam pelo menos inglês, o que torna muitas vezes o processo muito difícil. Recorreram a mim durante a pandemia para fazer esta tradução ou arranjasse um intérprete que lhes pudesse facilitar, para perceberem o que teriam de fazer para conseguirem ter acesso a determinados serviços, nomeadamente Segurança Social, Finanças e o número nacional de saúde. Tudo isso, para quem chega pela primeira vez e não domina a língua nem a forma como funcionam os serviços, é muito complexo", lembra Paula Ferreira.
Se o combate à burocracia faz parte do seu dia-a-dia, o mesmo se passa noutras áreas, nomeadamente a da dignidade no emprego e em casa.
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"É muito complicado para as pessoas terem acesso a uma habitação digna, muitas vezes temos pessoas a viver em condições de sobrelotação e a pandemia só veio expor muitas das coisas que estariam escondidas. Muitos dos migrantes estavam a trabalhar no mercado informal, a trabalhar muitas horas e a receber muito abaixo do que está estipulado pela nossa lei. Continuam a ser uma população muito desprotegida face aos direitos que têm pelo medo das represálias e de estar num país em que lhes pode ser tirada a autorização de residência", ressalvou a mediadora responsável pelos imigrantes.
Mediadora intercultural é uma profissão que, no caso de Paula Ferreira, se confunde com uma missão de vida.
"Temos mesmo de dar atenção a estas populações que estão à margem, caso contrário estamos a criar, cada vez mais, bolsas de marginalização com pessoas que só querem contribuir para o país. Não podemos ver os estrangeiros sempre como uma ameaça, antes da pandemia estavam a contribuir de forma muito significativa quer para o nosso PIB quer para a natalidade. Isto tem de ser dito de uma forma muito clara", acrescentou Paula Ferreira.
Direitos e dignidade para todos é o objetivo do serviço de mediação intercultural da Câmara do Porto. Uma iniciativa que está agora a assinalar dois anos e é uma aposta que a autarquia pretende manter para que a cidade seja mais inclusiva.