A autarquia está a avaliar a proposta do Fórum Cidadania Lisboa na sequência do roubo de azulejos de um painel figurativo da Leitaria Anunciada.
Corpo do artigo
É uma possibilidade. A vereadora da cultura da Câmara de Lisboa revela que "está a ser estudado até que ponto é exequível" a instalação de um sistema de videovigilância junto a alguns painéis figurativos de azulejos com valor patrimonial. A proposta foi feita pelo Fórum Cidadania Lisboa na sequência do roubo de azulejos de um painel figurativo da Leitaria Anunciada.
Catarina Vaz Pinto responde afirmativamente a todas "as novas tecnologias que possam ser aplicadas a esta salvaguarda", deixa no entanto uma ressalva: "embora os azulejos estejam concentrados nalgumas zonas da cidade, (eles) existem pela cidade inteira e aí, é sempre difícil ter uma cobertura exaustiva".
TSF\audio\2018\01\noticias\10\catarina_vaz_pinto
De resto, a vereadora sublinha que face à dimensão do património azulejar, é impossível pedir à câmara que "fiscalize cada rua" e que é fundamental a intervenção dos "proprietários dos edifícios que têm património porque, na verdade, são eles que são responsáveis pela conservação e reabilitação". "Se numa fachada já há dois ou três que faltam, é mais fácil, ao ladrão, ir lá e retirar o resto", conclui Catarina Vaz Pinto.
A vereadora da cultura realça também que este é um tema para o qual, há muito, a câmara despertou e que no ano passado ficou concluído um levantamento "de todo o património azulejar de Lisboa e foram inventariados azulejos em cerca de 50 000 edifícios". O passo seguinte passa pela elaboração de uma "carta de risco e uma carta de salvaguarda". Vão permitir perceber "em que estado estão (os azulejos) e o que tem de ser reabilitado", ao mesmo tempo, contribuir para que a polícia judiciária possa perceber, nos casos de "venda ilícita", qual a origem desses azulejos.
"O azulejo é das artes mais importantes que nós temos"
O azulejo português reveste palácios, igrejas, tribunais, mercados, mosteiros e até estações de caminhos-de-ferro. Segundo José Meco, historiador de artes decorativas e especialista em história da azulejaria portuguesa, esta forma de arte não teve quebras de produção desde o seu aparecimento, no século XVI, e a especificidade do azulejo português não está "muitas vezes na qualidade [técnica] do azulejo, mas na forma criativa como os nossos artistas utilizaram [o azulejo] na sua aplicação na arquitetura".
O propósito do azulejo português distingue-se do panorama europeu, o especialista explica que o "azulejo holandês, por exemplo, é um o azulejo feito solto, para se vender e para ser aplicado de qualquer maneira. O nosso não, o nosso é para usar em sítios específicos da arquitetura. E mesmo quando é repetitivo, feito em série, a integração era extremamente cuidada, extremamente original" e essa característica acaba por ser o motivo que o torna importante: não o azulejo como peça individual, mas a integração destes resultando "numa das artes mais importantes."
TSF\audio\2018\01\noticias\10\beatriz_morais_martins_azulejo
O avançar dos tempos mostra a versatilidade do mosaico que "sempre soube interpretar as várias épocas com criatividade", no entanto, as falhas nos painéis mostram que o vandalismo e o roubo são ainda uma realidade. José Meco confessa que "muitas vezes os estragos são irrecuperáveis. Porque não é o valor do azulejo em si que está em causa. A polícia calcula os estragos, mas um painel no qual se rouba dois ou três azulejos fica logo estragado".
O historiador sublinha a necessidade de preservar o azulejo. Em geral, o especialista valoriza os projetos que se comprometem a salvaguardar o património azulejar, em particular elogia o projeto SOS azulejo. "O projeto SOS azulejo antes dos roubos tenta proteger, tenta alertar para os perigos que os edifícios sem utilização correm, e tem feito uma ação notável nas escolas pondo as crianças a trabalhar com o azulejo e ganhando gosto", acrescenta.
Há mais de quatro décadas que José Meco se compromete a estudar e a dar a conhecer o azulejo português. Para o especialista, esta forma de arte devia ser património da humanidade.
SOS Azulejo - a PJ ao serviço do Património
O projeto nasceu em 1997 com o objetivo de salvaguardar o património azulejar português. Uma iniciativa do Museu da Polícia Judiciária que junta PSP, GNR, Direção Geral do Património Cultural, as universidades de Lisboa e Aveiro, por fim, o Instituto Politécnico de Tomar.
11 anos volvidos, Leonor Sá, coordenadora do projeto e diretora do Museu da PJ, considera que a sociedade portuguesa está hoje mais sensibilizada para a importância deste património. "Temos sinais de que essa sensibilização existe. Há muito mais gente, até nas redes sociais, a criarem páginas sobre os azulejos e a proteção dos azulejos". Mas o sinal mais evidente do caminho que tem sido feito é a redução "do roubo de azulejos com valor histórico e artístico". De 2007 a 2016 registou-se "uma diminuição de mais de 80%".
TSF\audio\2018\01\noticias\10\leonor_sa_sos_azulejo
Os roubos e o comércio ilícito continuam, no entanto, a ser uma realidade. Leonor Sá explica que existem dois perfis de criminosos que se dedicam a esta atividade. Por um lado, "pequenos delinquentes, por vezes toxicodependentes, que vivem disto" e que em muitos casos beneficiam do mau estado de conservação dos painéis. "Os azulejos começam a destacar-se da parede e qualquer pessoa pode retirá-los", conclui. Por outro lado existe também uma "criminalidade organizada". Leonor Sá acredita que muitos azulejos "passam diretamente para o estrangeiro sem sequer passar pelo mercado português".