Carla Pinto: "Surpreendeu-nos que os outros sindicatos tentassem travar o subsídio de risco na PJ"
Quase a terminar o mandato como presidente da ASFIC-PJ, a inspetora-chefe Carla Pinto lamenta não ter sido possível fechar todos os dossiês negociados com os diversos Governos. Na Grande Entrevista TSF-JN, admite que a possível queda do Governo vai atrasar muitos problemas
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A falta de inspetores e de recursos da Polícia Judiciária é um problema ultrapassado?
A falta de recursos humanos está numa situação diferente da que estava há meia dúzia de anos. Nós éramos, no início desta década, à volta de mil inspetores e neste momento estamos a chegar aos 2500. Portanto, os recursos humanos foram reforçados, não há dúvida nenhuma. Falta adquirir a experiência e dar formação a todas estas pessoas que estão a entrar aos poucos e, como compreende, para cerca de mil inspetores que existiam na Polícia Judiciária, receber mais do que existiam implica tempo, implica um processo de aculturação, mas efetivamente os recursos humanos já cá estão.
E isso significa que a desmotivação de que se chegou a falar como estando a contaminar a Polícia Judiciária está também ela ultrapassada ou há aqui ainda riscos que podem afetar a forma como é feita a investigação criminal?
Vamos aqui enquadrar a situação. Como lhe disse, estamos a falar de uma instituição que vai fazer este ano 80 anos de existência e que tudo o que é Polícia Judiciária, o centro da Polícia Judiciária que tem por base a investigação criminal tem que ver com todo um espírito de corpo, um espírito de missão que nos foi sendo transmitido ao longo dos tempos. Como compreende, quando eu entrei na polícia há mais de 20 anos, nós entrávamos uma média de cem de dois em dois, ou de três em três anos, conseguiam passar todo o know-how, toda a forma de estar, todo o empenho que é necessário para exigir essa função, porque tinham tempo e nós entrávamos aos poucos. Nos últimos anos, desde 2020 e até 2026, ou seja, até o próximo ano, a Polícia Judiciária irá receber no total de 750 novos inspetores que entram através da escola, portanto, são 750 pessoas, mais cerca de 600 pessoas que transitaram do extinto SEF. São cerca de 1300 pessoas. Aculturar e ensinar todas estas pessoas a saber ser Polícia Judiciária demora. O que é que isto traz, no que diz respeito a quem já cá estava? Traz um sentimento de falta de tempo e de espaço para transmitir todas estas informações. Ou seja, de repente recebemos uma série de pessoas, umas que queriam e concorreram para entrar para a Polícia Judiciária. Outras, que por motivos diversos - nomeadamente por uma decisão política - foram obrigados a transitar para a Polícia Judiciária, a entidade para a qual nunca tinham concorrido. Portanto, todas estas pessoas que entraram via escola e as que transitaram entraram numa instituição que não estava preparada para receber tantas pessoas, nomeadamente a nível de edifícios, porque não estávamos preparados para tanta gente, e tudo isto implica tempo. Quem cá estava antes, de repente, vê-se perdido. Ou seja, todo este sentimento de pertença que existia na Polícia Judiciária não consegue ser transmitido à velocidade da entrada dos recursos humanos. E além de não conseguir ser transmitido dessa forma, todas estas entradas de pessoas criam alterações. Vou aqui dar-lhe um exemplo: temos pessoas que há anos que aguardavam para ir de um departamento para outro e que de repente, no que diz respeito a quem transitou de outra entidade, está há anos à espera de poder transitar para esses locais, continua a aguardar a sua vez e de repente vê-se ultrapassado, por regras externas - que foi o documento de transição - mas vê-se ultrapassado no tempo que esperaria para chegar a esses locais. Por outro lado, a verdade é que a Polícia Judiciária continua sem diretores em alguns departamentos, que têm de ser indicados pela direção da Polícia Judiciária e aprovados junto ao Ministério da Justiça. E esta intranquilidade política dos últimos dias poderá não facilitar essa situação. Temos vários departamentos que estão sem dirigentes e que neste momento, face a toda esta mudança de recursos humanos que está a acontecer, todo este income de colegas, cada vez se torna mais necessário - acho que isto é claro - que haja uma direção clara, com regras claras, transparentes, para que todos saibamos com o que é que contamos.
Essa entrada em massa de inspetores vindo do SEF acaba por criar duas polícias judiciárias, é isso que está a dizer? Existem fricções diariamente no trabalho ou há uma convivência sã entre quem vem do SEF e quem já estava na Polícia Judiciária?
Não há duas Polícias Judiciárias! Há uma Polícia Judiciária só, e quem transitou, neste momento pertence à Polícia Judiciária. O que há é a necessidade de dar tempo ao tempo para que as pessoas se aculturem, que percebam a forma de trabalhar da Polícia Judiciária e o que é estar na Polícia Judiciária. Porque quem entrou pela escola, candidatou-se, como nós, como estagiários - embora a denominação já não seja estagiários - e tem uma formação de nove meses na escola, depois tem um período experimental de quase de um ano, portanto, vai aprendendo. Quem vem de fora, não cria uma segunda Polícia Judiciária, mas nós temos que ter consciência que a maior parte dos colegas que transitaram do extinto SEF, não trabalhava na investigação criminal. Portanto, tudo isto que nós fazemos, todas estas nomenclaturas, todo o crime, toda a abordagem que fazemos a estas situações, para eles são novas. E compreende-se, há pessoas que aceitaram de bom grado esta transição e até viram como um desafio, e outros há por motivos diversos, ou porque não gostam desta área e nunca concorreram para as mesmas, ou porque já estão noutra idade e não lhes apetece recomeçar uma carreira nova quando já estão numa fase mais avançada da sua vida. E, portanto, há que dar tempo ao tempo, há que aculturá-los, a ensiná-los a fazer isto ou aquilo. Eles são como colegas e vão aprendendo a fazer, vão ter que fazer! Ou seja, ajudamos, estamos atentos, mas não somos os responsáveis para estar permanentemente a ensinar.
Mas isso tem criado alguma instabilidade dentro da Polícia Judiciária, no dia-a-dia, entre colegas, tem algum prejuízo para as investigações?
No estatuto da Polícia Judiciária, no atual estatuto da Polícia Judiciária, ficou plasmado que já vinha de antes que para se chegar aos cargos de superiores, estamos a falar de quadros de inspetores-chefes, coronadores e coronadores-superiores, é necessário entrar pela base, ou seja, é necessário ser pelo menos sete anos inspetor, depois quatro anos, a fim de sete anos como inspetor pode-se concorrer para inspetor-chefe, depois tem que se exercer a função de inspetor-chefe quatro anos para poder concorrer para coronador e assim sucessivamente. Eu, por exemplo, a primeira vez que pude concorrer para inspetor-chefe não foi ao fim de sete anos, foi ao fim de 15, que foi quando abriu um concurso. E, portanto, estas são as regras porque se percebeu, isto fica plasmado no nosso estatuto, que é de 2000, que a entrada pela base é uma mais-valia, porque se aprende tudo. O que é que nós temos com esta transição dos colegas do extinto SEF? Temos pessoas que nunca trabalharam na investigação criminal e que, de repente, têm funções de chefia ou de coordenação, sem ter passado por este processo que antecedia, e que estão no exercício, o que para nós é um retrocesso no que diz respeito ao que está no estatuto, porque toda esta experiência nas várias funções faz com que o exercício de uma função superior seja melhor.
E os subordinados dessas pessoas que vêm do SEF e que estão em posições de chefia, aceitam bem serem orientados ou serem dirigidos por pessoas que não passaram pela escola da polícia?
Como é óbvio, estão à espera que os mesmos mostrem que são capazes de ser a tal função, ou seja, todos nós temos pessoas mais capazes e menos capazes de ser uma função, mas todos nós sabemos que quem está nestas funções presentemente passou por um concurso onde uns passam e outros não passam. Depois, foi para uma formação para a escola e pelo menos tem uma carreira para trás dentro da própria Polícia Judiciária que lhe dá algum respeito e que nos garante alguma qualidade ou muita qualidade nas funções que exerce. Para quem vem de fora - e como lhe digo, muitos não vieram da carreira de investigação criminal - obviamente que é difícil, vão ter que ganhar este respeito dos pares e repare, temos que ver isto de duas perspetivas: para quem foi colocado nessa posição também não é uma situação agradável, porque obviamente que está numa situação de chefia ou de coordenação e tem sob si colegas que trabalham nisto há 10, ou 15 ou 20 anos. Portanto, obviamente que isto não é uma situação agradável. Como é que isto se corrige? Com a formação! Tem que haver muita formação, não só para quem entra como inspetor, mas principalmente para quem vai exercer funções superiores de chefia ou de coordenação, porque a exigência é diferente. E não se trabalha só num crime, trabalha-se em vários crimes, e há decisões que têm que ser tomadas na hora, no imediato e têm repercussões. E, portanto, nós somos responsáveis pelas decisões que tomamos.
O processo de integração dos inspetores que vêm do STIN-CEF já terminou? Ainda há pessoas que estão nos aeroportos?
Ainda há colegas que estão no aeroporto e cuja transição final ocorrerá este ano. Portanto, ainda há algumas largas dezenas de colegas que estão nos aeroportos e que irão transitar ao longo deste ano.
E quando é que a Carla Pinto, prevê que essa transição esteja totalmente concluída?
A transição física ocorrerá no fim deste ano. A unificação de todos, eu acho que demorará alguns anos.
Queria perguntar-lhe uma coisa. Este processo que agora aconteceu com o SEF pode ser um primeiro passo para a unificação de forças e de serviços de segurança?
Não. O SEF tinha um estatuto aproximado da Polícia Judiciária e tínhamos competências partilhadas. O mesmo já não acontece com os outros OPC (orgãos de polícia criminal). A ASFIC-PJ, inclusive, fez há uns anos um congresso sobre a unificação das polícias na Europa e o que concluímos, quer da experiência dos colegas, quer de tudo o que foi debatido nesse congresso, é que não há um ganho, não há uma mais-valia, nem faz sentido. E não faz sentido por quê? Porque a verdade é que o core business da Polícia Judiciária é a investigação criminal pura e simples. É isso que nós fazemos, é só investigação criminal. Os outros OPC, essencialmente os que se dedicam é uma missão de segurança interna. Nós trabalhamos todos na investigação criminal: a Polícia Judiciária só na investigação criminal e os restantes noutros e temos alguns pontos de contacto, temos uma missão completamente distinta. Usando um exemplo que torna isto mais claro, na economia, o que é que nós vemos? Nós vemos fusões de bancos. E faz sentido para toda a gente a fusão de bancos, porque os clientes procuram a mesma coisa nos bancos, só muda a instituição, mas o objetivo é o mesmo. Quem lá está presta ao mesmo tipo de serviço. Portanto, a unificação faz algum sentido, podemos concordar ou não com ela, porque é uma poupança de custos e eventualmente recursos humanos, embora para quem acaba por ser despedido, obviamente que isso não é agradável. Mas para o comum dos cidadãos isto faz algum sentido. Agora vamos imaginar se unificássemos ou fundíssemos a TAP com a CP, por exemplo. Ambos trabalham nos transportes, mas uns são transportes aéreos e outros transporte terrestre. Fará sentido a unificação? Ganhámos alguma coisa com isso? Não nos parece. E espero não estar a dar ideia a ninguém, como é óbvio. Por isso, fundir a Polícia Judiciária com os outros OPC, é exatamente a mesma coisa. Enquanto o SEF tinha alguns pontos comuns com a Polícia Judiciária, nomeadamente a investigação de tráfico de pessoas, e estamos com o problema de transição de quem trabalha na fiscalização que tem que fazer um esforço maior para se integrar na investigação criminal, os outros OPC têm uma missão completamente diferente. E repare, nem sequer há competências partilhadas na investigação da Polícia Judiciária com os outros OPC.
Na anterior direção da PSP, ouviu-se o Direito Nacional dizer muitas vezes que quereria ou sugerir que a PSP podia, abarcar também os crimes de cenário através das divisões de investigação criminal. Não teme que haja aí uma vontade política, talvez encapotada, que queira, de facto, seguir esse caminho da polícia única, de uma polícia nacional?
Olhe, eu trabalho numa área que trabalha com crimes de cenário. E trabalho nessa área há muitos anos. Honestamente, e modéstia à parte, acho que nós fazemos bem o nosso trabalho. A Polícia Judiciária faz bem o seu trabalho em todas as áreas da sua competência e nós cumprimos o que está na loi, que nós investigamos os crimes da nossa competência, não investigamos crimes que não são da nossa competência. E o trabalho é bem feito. Pelo menos as condenações assim o mostram. A resposta da Polícia Judiciária a todos os novos desafios da criminalidade que têm surgido tem sido eficaz. Portanto, para que mexer no que está bom? E honestamente, nós temos anos e anos de experiência nesta área com a resposta eficaz. Por isso, para a Polícia Judiciária não faz qualquer sentido que outros pensem fazer aquilo que nós fazemos bem. O que vai na cabeça dos outros, só deles é que podem responder. Agora, eu como inspetora da Polícia Judiciária, como cidadã, não vejo qual é a vantagem em mexer no que está a funcionar bem.
Já estamos a falar de serviço operacional propriamente dito. Há cada vez mais notícias na imprensa nacional que apontam o PCC, o primeiro comando da capital, terá escolhido Portugal como a porta de entrada para a Europa. A PJ está preparada para enfrentar estas organizações criminosas que têm outro grau de violência ao qual não estávamos habituados. Raptos, homicídios... A PJ está preparada para enfrentar esse tipo de nova criminalidade com um grau de violência superior?
Eu não vou opinar sobre o PCC em concreto porque é uma matéria reservada da Polícia Judiciária, isto é da Direção. O que lhe posso dizer é que há anos, há muitos anos, que a Polícia Judiciária trabalha e investiga as situações criminosas, nacionais e transnacionais, e sempre com resultados positivos. Portanto, neste momento que temos um reforço de meios humanos, mesmo que haja um aumento desse tipo de criminalidade, a resposta será dada ao que é que é necessário, como já lhe referi atrás. Formação. Muita formação, porque quanto mais pessoas temos, mais formação temos que lhes dar às mesmas para que saibam todas trabalhar em conjunto. Agora, nós sempre trabalhamos com a criminada altamente violenta e altamente organizada, seja nas várias ações criminosas transnacionais ou internas. E, portanto, vamos continuar a fazer esse tipo de trabalho. Estamos preparados.
Também existem muitas notícias apontar máfias internacionais que escolhem Portugal para branquear o dinheiro do crime. Isto é um fenómeno que efetivamente acontece?
Não vou em concreto pronunciar-me sobre isso, mas obviamente que se há o crime, o dinheiro está associado e a transferência de dinheiro está associada ao mesmo. O que lhe digo é que com este reforço de meios humanos, mesmo nesse tipo de áreas, podemos começar a dar outra resposta, ou melhor, não é começar a dar, é dar uma resposta mais célere e eficaz, porque temos mais meios que antes não tínhamos, obviamente. Antes tínhamos mil inspetores a dividir por todas as áreas. Neste momento temos quase 2500, obviamente que a resposta será diferente a todos os níveis.
Existe uma alteração dos padrões de criminalidade, de uma maior insegurança, de maior violência?
Nós vamos nos adaptando a toda a criminalidade que vai ocorrendo, ou seja, vamos aqui retroagir, por exemplo, à altura em que houve o COVID19. A criminalidade foi diferente e nós damos a resposta que era adequada. Neste momento, sendo essencialmente uma polícia de investigação criminal, portanto, pressupõe que a maior parte dos crimes já ocorreram, nós reagimos e agimos em conformidade e vamos adaptando à criminalidade e à forma como a mesma se desenvolva, porque conseguimos dar a resposta, porque sabemos a forma de o fazer, sabemos, temos o know-how, sabemos fazê-lo e é uma questão de adaptação e temos mais meios neste momento.
Então, deixe-me perguntar de outra maneira, tem mais trabalho agora do que tinha no passado?
Posso falar da investigação de crimes de homicídios, e é sensivelmente igual. Temos anos com mais índice de criminalidade, e anos com menos índice de criminalidade.
Já agora, sente que existem diferentes atribuições de recursos humanos ou de meios técnicos, em diferentes zonas do país e concretamente entre as duas principais cidades?
Estamos a falar de Porto e de Lisboa?
Exatamente.
Lisboa sempre teve o maior incremento humano de reforço de meios humanos do que o Porto e do que as restantes zonas do país. E, obviamente, que assim foi, assim será, até porque a abrangência é maior e tem as unidades nacionais de combate a determinadas áreas.
Mas é proporcional, é isso que está a dizer?
Não, não será proporcional. Lisboa, efetivamente, e essas contas não estão feitas, mas Lisboa terá mais recursos humanos do que outras localidades com mais densidade proporcional. Mas o que é que acontece? Nós temos as unidades nacionais de combate ao tráfico de pacientes, à corrupção, que estão sediadas em Lisboa, têm que ter os recursos humanos para dar resposta à situação. Portanto, a Polícia Judiciária está organizada desta forma. Agora, posso-lhe dizer, se quiser uma situação de discrepância, vou-lhe falar de Setúbal, que está a 50 ou 60 km de Lisboa, onde realmente - para não falar das condições do edifício de Setúbal, que finalmente foi adquirido um novo e um dia destes ocorrerá a mudança - a escassez de recursos humanos entre Lisboa e Setúbal é enorme e não precisamos de vir tão longe como ao Porto. É só quase passar a ponte em Lisboa, portanto. Tem que haver um reajuste dos meios humanos e isto tem que ser feito via Direção Nacional da Polícia Judiciária e via diretores de cada departamento. Portanto, quando eu há pouco lhe referia que nós estamos numa fase em que há urgência na nomeação de diretores para todos os departamentos e depois de criação de organizações internas, isto permite resolver todas estas questões e definir quais são os meios humanos a alocar para cada situação. Por quê? Porque não faz sentido que a resposta numa determinada área territorial seja mais célere e com uma quantidade de meios adequada e, noutro sítio, possa igualmente ser célere, mas é com meios humanos que já não são tão adequados, porque são menos.
Com estas possíveis eleições que virão aí em maio, isto também vai afetar o trabalho da Polícia Judiciária, e a organização da Polícia Judiciária, uma vez que poderá não haver tão cedo uma ministra capaz de assinar despachos e de autorizar despesas e transferências na Polícia Judiciária?
Obviamente que, uma vez que estamos a ter um aumento de recursos humanos em todos a nível nacional, alguns, se calhar, que excedem o que era previsível para determinadas localidades, o que nós precisamos de regras claras e transparentes para cada local. A nomeação de diretores para a Polícia Judiciária obviamente que depende de um despacho ministerial que os nomeie. Portanto, se tivermos uma alteração política em eleições, o que estiver pendente para ser aprovado ficará suspenso mais uma vez. E honestamente, nós precisamos que isto seja resolvido rapidamente para que existam regras e que todos nós saibamos com o que é que podemos contar na instituição onde trabalhamos, porque tem que haver regras claras e definições para resolver os problemas de cada diretoria ou departamento da Polícia Judiciária. Cada vez que uma Ministra da Justiça toma posse, obviamente que tem primeiro que se inteirar dos dossiês e perceber como é que funciona a instituição antes de poder tomar qualquer decisão. Isto demora meses, porque a atual Sra. Ministra da Justiça, tal como a anterior, não está ali apenas para resolver os problemas da Polícia Judiciária, tem muitos outros. E, portanto, há que dar tempo, há que explicar a situação para que a mesma se inteira das situações e as possa resolver e tudo isto implica tempo que a Polícia Judiciária não tem. Ou seja, estamos a falar de regras que são claras, estamos a falar de regulamentos. Eu vou-lhe dar aqui o exemplo: nós temos um estatuto que saiu em 2020. Este estatuto implicava que em 6 meses, 180 dias, fossem regulamentadas entre 6 a 17 portarias. Nós continuamos com 14 portarias por regulamentar. Destas 14 portarias por regulamentar, a maior parte delas não tem qualquer impacto orçamental.
Quais são aqueles que têm um impacto orçamental e quanto é que isso poderá custar?
Não lhe sei dizer o quanto é que pode custar, porque também neste momento temos que fazer contas. Mas posso dizer-lhe, por exemplo, uma que tem impacto orçamental. Nós, quando nos candidatamos, tínhamos por objetivo resolver a questão do trabalho suplementar na Polícia Judiciária. Ou seja, todo aquele trabalho que é exercido à noite e ao fim de semana, que vai para além do nosso horário normal. Quando nós entramos, era pago - vamos aqui pegar num sábado, um sábado de 24 horas - as pessoas recebiam 3,61 euros à hora.o, muito abaixo do que ganham num dia normal das 9h às 17.30h. Atualmente, recebem 6,50€ à hora. Obviamente que já não são 3,61€, mas fica muito aquém do que a lei determina, que ninguém deve trabalhar à noite ou ao fim de semana por um valor inferior àquele que trabalha no seu horário normal. Essa portaria, obviamente, que tem impacto orçamental, mas há outras que não têm impacto nenhum orçamental, e que já deviam ter sido resolvidos. Por exemplo, um estatuto disciplinar, um seguro de acidentes na Polícia Judiciária, um regulamento único de piquetes e prevenções, porque cada departamento tem quase um regulamento próprio. Tem que ficar regulamentado o que nós nos dispusemos a ajudar durante estes três anos e é com muita pena minha que vamos embora sem conseguir resolver estas questões. Portanto, se houver novas eleições agora, a proposta, que já fizemos em alguns regulamentos, mas depois tem que ser avaliada pela direção da polícia com os restantes sindicatos e depois tem que ser aprovada junto do Ministério da Justiça. Como é óbvio, isto demora tempo e com eleições fica mais uma vez em stand by.
E isso tem impacto no decorrer das investigações?
No decorrer das investigações, diretamente, não tem! Mas tem impacto. Por exemplo, um dos regulamentos que nós elegemos como essencial nos últimos tempos foi o regulamento de colocações na Polícia Judiciária: Quem entra pela escola na Polícia Judiciária, tem uma formação. Passando no curso, é colocado nas várias zonas do país numa fase provatória que é quase um estágio. Findo esse período, as pessoas manifestam a vontade sobre onde é que querem ser colocadas. Obviamente que a maior parte deles quer vir para dentro de casa. Antigamente existia uma definição de antiguidade na Polícia Judiciária que escalonava as pessoas e eles tinham uma previsibilidade, existia uma previsibilidade de quando é que conseguiriam chegar a casa. Vamos imaginar alguém que queira vir para o Porto ou para Aveiro, sabia que ao fim de 4, 5 anos, mais ou menos, conseguia vir para casa. Neste momento a definição de antiguidade não existe, ou seja, não existe e é quase subjetiva curso a curso. E, portanto, as pessoas que estão deslocadas de casa a pagar duas rendas, no sítio onde viviam e no sítio onde estão destacadas neste momento, obviamente que vão perder muito do seu tempo a reclamar internamente e externamente na litigância para que se consiga definir quando é que chega a sua vez e quais são as regras neste momento, porque no curso anterior as regras podem ter sido outras. E, portanto, embora não afete diretamente a investigação, o facto de cada pessoa perder horas do seu dia a litigar, a questionar e a querer saber quando é que se chega à sua vez de voltar para casa ou ter isso definido, obviamente que interfere porque não está totalmente focado no que é o essencial, que é a investigação criminal. Por isso é que nós lhe dizemos, se todas estas portarias estivessem regulamentadas e reitero que a maior parte delas não tem qualquer impacto orçamental, não havia desculpa para não estarmos permanentemente focados no que é essencial. Em vez de perdermos tempo com litigância, que criam mal-estar entre os colegas e com a direção, obriga-nos a ir para o tribunal, é desnecessário. Ninguém aqui está a inventar um diploma ou uma regulamentação que não existe. Não, elas estão previstas num estatuto, um diploma que saiu do Ministério da Justiça, e cuja previsibilidade de regulamentação era de 180 dias. Já vamos em 2025. Isto era para estar regulamentado em 2020.
Sobre as mudanças políticas e a influência que esta crise política pode ter na própria dinâmica das mudanças que estão em curso na Polícia Judiciária. Havendo aparentemente um consenso nacional de que a luta contra a corrupção, especialmente na classe política, é uma das prioridades, isto está apresentado tanto pelo governo como por quem investiga, queria perceber se a Presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária encara as críticas que são muitas vezes apontadas à Polícia Judiciária por aqueles que são, na prática, os suspeitos de corrupção dentro da classe política? Sente-se tocada ou, de alguma forma, afetada por estas críticas?
A Polícia Judiciária investiga o que tem que investigar. Ou seja, nós temos uma investigação e nós realizamos todas as diligências que são necessárias para a descoberta da verdade, seja ela qual for. Nós somos movidos pelo objetivo e pelo desejo de chegar à verdade dos factos e não para qualquer outro tipo de pressão. Obviamente que quem é visado, seja uma instituição, seja um político, seja um cidadão, não está de acordo ou poderá discordar da investigação da Polícia Judiciária, mas a verdade é que nós fazemos o nosso trabalho. O nosso trabalho é a investigação criminal e é isso que nós fazemos. Portanto, as críticas podem advir de várias formas. Eu penso que uma crítica final poderá resultar apenas quando o processo está concluído, a sentença está ou o acórdão saiu e transitou em julgado. E é aí que se pode avaliar se o trabalho da Polícia foi bem ou mal feito. E acho que nessa parte, nós temos tido sucesso.
Existem críticas sobre a mediatização das operações da Polícia Judiciária, ouviu-se falar muito dos aviões da Força Aérea que foram para Madeira, buscas de 7 ou 8 horas, por exemplo, na sede do PSD. Como é que encara também essas críticas, de que a Polícia Judiciária faz buscas espetaculares ou dirigidas à comunicação social?
Que eu tenha conhecimento, nós nunca fizemos qualquer busca com o objetivo de agradar ou não à comunicação social. Nós fazemos as buscas que precisam de ser feitas com a quantidade de efetivos e de realização de diligências necessárias à persecução da verdade e se for necessário fazer 20 buscas, fazemos 20 buscas. Se for necessário fazer 80, fazemos 80. No que diz respeito à Madeira: honestamente, nós já deslocamos muito mais pessoas em território nacional, só que são de carro. Para a Madeira, obviamente que não dá para ir de carro. De barco não era adequado, portanto, que teve que ser de avião. Que é um transporte das pessoas de um sítio para o outro, como ocorre em território nacional. Ainda por cima usamos um meio de Estado. Repare, as pessoas têm que transportar armas, têm que transportar processos, têm que transportar uma série de expedientes e de meios materiais, que obviamente num avião comercial não podem ser transportados. Claro que, se não houvesse alternativa, assim teria que ser. Agora, a logística de realizar este tipo de operações é enorme. As pessoas não imaginam o trabalho que dá a organizar este tipo de operações. E quando o que se questiona aqui é porque é que as pessoas foram de avião para uma ilha, é só quem nunca esteve numa ilha. Eu já estive a trabalhar dois anos numa ilha e sempre que eu ia, ia de avião, eu não posso ir de carro. De barco, quando chegasse lá, já estava a voltar para trás.
Já que estamos a abordar o tema da corrupção, o quadro legislativo está adequado ao combate eficiente da corrupção em Portugal?
Mais uma vez, isso não é uma questão sindical. O que lhe posso dizer é que, face ao quadro legislativo existente - e obviamente que a nível legislativo as legislações vão se adaptando - isto é um trabalho que tem que ser feito fora da Polícia Judiciária. Nós neste momento temos os meios humanos que estão a ter a devida formação para trabalhar nesta área e, portanto, é o que lhe posso dizer a nível desse tipo de trabalho. Ou seja, temos capacidade humana para dar resposta aos crimes de acordo com a lei que existe.
Mas não seria necessário adaptar, agilizar a legislação aos tempos atuais para que efetivamente possa haver uma tal busca da verdade material que é necessária para concluir uma investigação?
Todos nós gostávamos que a legislação conseguisse acompanhar a evolução criminal, mas infelizmente isso não acontece. Não é só em Portugal. O processo legislativo é moroso, a criminalidade é rápida e é muito acelerada. A vários níveis, não se consegue dar a resposta que seria eficaz. Mas isso é o processo legislativo, não passa pela Polícia Judiciária.
Em 2022, o ponto de contacto da Europol e da Interpol saiu da Polícia Judiciária. Essa mudança tem vindo a perturbar o desenvolvimento das investigações? Não tem acesso tão rápido a algumas bases de dados, a alguma informação que seja necessária para atuar com a rapidez necessária que se exige às polícias?
Sobre se está a funcionar bem ou mal, apenas a direção da polícia lhe poderá dizer. O que lhe posso eu dizer é que quando Interpol e Europol saíram da Polícia Judiciária, a ASFIC publicamente manifestou a sua discordância nesse processo e explicou o porquê. Tal como antes, a maior parte das solicitações que são feitas à Interpol e Europol são feitas pela Polícia Judiciária. Quando estava na Polícia Judiciária funcionava bem. Não vemos ganhos nenhuns. Nós questionamos isso na altura. Foi assim entendido a nível político e assim está neste momento.
A Polícia Judiciária, os inspetores da Polícia Judiciária estão a receber um subsídio de missão que apanhou toda a gente de surpresa naquela altura, e foi negociado com bastante descrição. Seguiu-se uma luta sindical dos elementos da PSP, da GNR e dos guardas prisionais. Como é que viu essa luta dos seus colegas polícias? Houve alguma desinformação?
Primeiro, todas as propostas de regulamentação em que a ASFIC trabalha, ou a Polícia Judiciária, presumo eu também, não são públicas. São negociadas em reuniões e, obviamente, não andamos a publicitá-las a não ser quando as mesmas são regulamentadas. Desde 2000, que era previsto nos estatutos da Polícia Judiciária, uma atualização do então chamado subsídio de risco. E durante 20 anos, não houve qualquer atualização, apesar de estar regulamentada. Com este novo estatuto em 2020, é previsto que em 60 dias sejam regulamentados os restantes ónus que nunca nos foram pagos. Inclusive o subsídio de risco. Portanto, isto no fundo, tem 23 anos de atraso. Não apanhou ninguém desprevenido da Polícia Judiciária porque nós sabíamos que isto nos era devido e que nós trabalhamos, fizemos propostas, solicitamos reuniões, apresentamos trabalho para regulamentar isto. O que realmente nos surpreendeu, foi que outros sindicatos de outras polícias que têm vários suplementos, viessem questionar um suplemento devido e merecido à Polícia Judiciária, quando nunca a Polícia Judiciária questionou os inúmeros suplementos que os outros recebem. Por outro lado, efetivamente, também nos surpreendeu o facto de vários sindicatos unidos, tentarem que a Polícia Judiciária não recebesse este auxílio de missão. Foi o que fizeram quando foram junto do Sr. Presidente da República pedir que não promulgasse o mesmo. Que eu tenha conhecimento, isto é a primeira vez que aconteceu entre sindicatos. Uns tentarem tirar o que os outros fizeram. De qualquer forma, e sem querer falar do que se passa na casa dos outros, o que lhe digo é que aqui na Polícia Judiciária, este ónus é devido. Dentro da carreira de investigação criminal, o risco, a insalubridade, a penosidade, a exclusividade, o código deontológico que nos é aplicado é igual para todas as categorias dentro da investigação criminal. Nós não fazemos qualquer diferenciação entre um inspetor e um coordenador. O risco e a vida de cada um vale exatamente o mesmo. O mesmo já não se passa nos outros OPC. Portanto, quando nós defendemos isto para a investigação criminal, defendemos o mesmo.porque é muito desagradável, como entende, acordar às três ou quatro da manhã, e ir para um local absolutamente insalubre e ali trabalhar toda a noite, independentemente de ser inspetor, inspetor-chefe ou coordenador. É exatamente igual. E, portanto, obviamente que ficamos surpresos com o facto de bastantes associações sindicais de outros OPC o terem feito. Mas, como lhe digo, isto foi uma estratégia sindical, porque, na prática, quem está no terreno da Polícia Judiciária, da PSP e da GNR, continuamos a trabalhar com um objetivo comum, que é resolver as situações. E continua a haver esse bom entendimento entre todos. A estratégia sindical, por nós, foi questionada. Nunca a faríamos, espero que nunca isso ocorra na Polícia Judiciária, que nunca façamos nada para tirar uma conquista dos outros. Antes, pelo contrário, conseguíamos aprender com a mesma e tentar alterar a nossa situação.
Mas essa mágoa vai ficar, inspetora?
Eu espero, sinceramente, que não a nível da investigação. Mas a nível sindical, nós não nos podemos esquecer, que nós andamos aqui a trabalhar três anos para regulamentar um ónus de missão e que vários sindicatos tentaram que, depois de todo o nosso trabalho, sem que tivessem feito igual, tentassem que não fosse aprovado, que não fosse promulgado. Honestamente, a nível sindical, a mágoa existe. A nível profissional, continuamos a trabalhar todos juntos e temos um bom relacionamento profissional e trabalho com os outros OPC.
Inspetora Carla Pinto, é ou foi relevante ter uma mulher pela primeira vez a liderar a ASFIC-PJ?
Eu sou a Presidente da ASFIC-PJ, no âmbito da Comissão Nacional Permanente da ASFIC. A Direção Nacional da ASFIC é composta pelas direções regionais e pela Comissão Nacional Permanente. E honestamente, eu estou convencida de que nós fomos eleitos por sermos competentes e pelo projeto que apresentamos e não por uma questão de género. É assim que eu quero acreditar e não estou neste lugar, obviamente por ser mulher, mas por me ter esforçado todo este grupo esforçou-se para fazermos um bom trabalho em prol de todos os nossos colegas. Não pelo género.
