Cartas de amor centenárias de soldados portugueses vão ser expostas em França
A exposição vai estar patente no âmbito do centenário da Batalha de La Lys, a 9 de abril, considerada como "a Alcácer Quibir do século XX".
Corpo do artigo
A cidade de Vieille-Chapelle, no norte de França, vai ser palco da exposição "Amores Suspensos", de 6 de abril a 7 de maio, que vai mostrar cerca de 150 cartas de amor de soldados portugueses que combateram na Primeira Guerra Mundial em França.
A exposição vai estar patente no âmbito do centenário da Batalha de La Lys, a 9 de abril, considerada como "a Alcácer Quibir do século XX" e em que morreram cerca de dois mil soldados do Corpo Expedicionário Português (CEP), nas vésperas do render de tropas.
A mostra está a ser comissariada pela bisneta de um soldado português que lutou na frente de batalha francesa, Aurore Rouffelaers, a partir da coleção póstuma de Afonso Maia, neto de um outro soldado português e que dedicou grande parte da sua vida a estudar o CEP.
Das 150 cartas e postais escritos em língua portuguesa, "entre 30 a 50" deverão ser traduzidos para francês para contar os "amores colocados entre parêntesis" devido à guerra, explicou à Lusa Aurore Rouffelaers.
O interesse pelas histórias de amor na Grande Guerra surgiu com os relatos da avó, Felícia Glória d'Assunção Pailleux, que sempre lhe falou sobre o pai soldado que se apaixonou por uma francesa e que, no final da guerra, trocou Portugal por França e teve 15 filhos.
"O teor das cartas é suave no meio da violência extrema que é a guerra. A exposição chama-se 'Amores Suspensos' porque o amor foi colocado entre parêntesis e isso acaba por alimentar e aumentar o amor. Vamos pendurar as cartas no teto, com laços de todas as cores para que voem. O correio é mesmo assim, ele voa", descreveu.
As 150 cartas de amor portuguesas são uma gota no oceano face às mil milhões de cartas, escritas em diversas línguas, que foram enviadas durante a Primeira Guerra Mundial, já que a correspondência "era a forma de os soldados se manterem vivos", continuou Aurore Rouffelaers.
As cartas dão uma outra visão da guerra porque os militares "não podem contar o horror do quotidiano", tendo em conta que "as cartas eram abertas e têm o carimbo da censura" e por "respeito pelas famílias".
"Os soldados contam a saudade, as pequenas histórias, a pequena guerra porque não querem preocupar a família nem ser censurados. Eles tentam saber notícias dos outros que estão a combater porque a família tem cartas de todos, enquanto o soldado na trincheira não sabe onde está o irmão ou o primo", continuou Aurore Rouffelaers.
O "inferno com os pés na lama" ficava à margem das cartas, assim como as descrições que "o campo de batalha cheira a pólvora e a morte" ou que "a comida é nojenta e fria" ou que "o ribombar dos bombardeamentos é permanente e que o 'ba ba bam ba ba bam' está sempre nos ouvidos".
"Não podes contar à tua mulher que hoje estiveste para morrer quatro vezes. Não podes contar que o bombardeamento foi tão intenso que os corpos que estavam enterrados no 'No Man's Land' voaram pelos ares e havia bocados de cadáveres por todo o lado. Não podes contar isto à tua mulher senão ela deixa de viver", destacou Aurore Rouffelaers.
Para sobreviver, sobravam as palavras sugestivas "para manter a líbido" e uma ou outra lembrança dentro do envelope, algo transversal a todos os batalhões de diferentes nacionalidades.
"Nas cartas portuguesas ainda não encontrei, mas nas francesas, quando os soldados estão há muito tempo na frente, encontram-se matérias orgânicas ou coisas mais românticas como uma madeixa de cabelo ou flores", concluiu.
Aurore Rouffelaers tem 38 anos e é também a coordenadora do Centro de Turismo de Béthune-Bruay para as comemorações do centenário da Primeira Guerra Mundial, estando a trabalhar em coordenação com o Cônsul Honorário de Portugal em Lille, Bruno Cavaco.
A lusodescendente é também comissária da exposição "Racines" ["Raízes"] sobre descendentes de portugueses que combateram na Primeira Guerra Mundial e que vai estar patente de 6 de abril a 7 de maio de 2018, na cidade de Richebourg.