E-mails levam Autoridade da Concorrência a concluir que bancos mitigaram a queda da Euribor (que desceu para travar os efeitos da crise) com o aumento dos spreads.
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Quando rebentou a crise financeira em 2008 o Banco Central Europeu fez tudo para baixar as taxas de juro e dar liquidez (dinheiro) às economias.
No entanto, foi exatamente a partir daí que a Autoridade da Concorrência (AdC) diz que se intensificaram, em Portugal, os contactos ilegais entre os bancos e, em especial, a troca de informações sobre spreads, ou seja, a margem que lhes permite ganhar dinheiro nos empréstimos aos clientes.
A autoridade que em nome do Estado fiscaliza o cumprimento das leis da concorrência anunciou em setembro que condenou 14 bancos a uma multa recorde de 225 milhões de euros por terem participado num alegado cartel nos créditos ao consumo, às empresas e à habitação.
No entanto, só agora é possível conhecer todos os fundamentos numa decisão completa, de 936 páginas, que a TSF tem consultado e analisado.
A parte do documento que explica aquilo que aconteceu nos empréstimos que os portugueses fazem para comprar as suas casas detalha que a AdC encontrou um comportamento diferente, dos bancos, a partir de 2008.
Menos Euribor, mais troca de informações sensíveis
Na análise aos e-mails que serviram de prova para a AdC concluir que existiram práticas ilegais, a decisão final sublinha que a troca de informação comercial sensível, proibida, entre bancos sobre spreads, é mais relevante porque aconteceu de uma forma mais intensa quando as taxas Euribor tiveram uma descida abrupta entre 2008 e 2010.
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As taxas Euribor definem o preço a que os bancos vendem ou emprestam o dinheiro entre si no mercado interbancário e são também usadas como referência em vários produtos financeiros como o crédito à habitação.
Depois, para ganhar dinheiro, ter lucro, a margem do banco é a taxa do chamado spread também pago pelo cliente.
Na prática, o banco não define a Euribor, mas define livremente, em concorrência com outros bancos, o spread.
É a conjugação de "Euribor+spread" que gera a taxa de juro variável paga pela maioria dos clientes do crédito à habitação.
Menos Euribor, mais spread cobrado aos clientes
Analisando aquilo que aconteceu entre 2008 e 2010, segundo a AdC a Euribor deu um trambolhão, mas houve um aumento significativo e generalizado dos valores dos spreads praticados pelos bancos em Portugal, aumentando, em consequência, os juros de quem pedia empréstimo para comprar casa.
A Autoridade da Concorrência apresenta mesmo um gráfico acompanhado de uma análise onde se pode ler que este é claro a revelar que o aumento dos spreads, a partir do final de 2008, permitiu mitigar fortemente a descida da Euribor.
A decisão final lida pela TSF tem ainda uma tabela que ocupa quatro páginas e meia, resumindo as trocas de informações sensíveis entre os bancos entre 2002 e 2013.
A AdC defende que essa tabela e a correspondente prova apreendida no longo processo de investigação revela a intensificação do intercâmbio de informações a partir, precisamente, do verão de 2008 quando a Euribor começou a descer de forma acentuada, baixando a taxa de juro do crédito à habitação.
"Imediatamente a seguir, pode observar-se uma subida generalizada dos spreads, contribuindo para a subida da taxa de juro" paga pelos clientes, diz a decisão da autoridade.
Além disso, a troca de informação consultada no processo revela que foi neste período que as instituições de crédito deixaram de aplicar spreads de valor igual a zero.
O peso do crédito à habitação no negócio dos bancos
Todas as conclusões da AdC baseiam-se, mais uma vez, na consulta de centenas de e-mails trocados entre responsáveis dos 14 bancos envolvidos no cartel que a maioria dos bancos visados recusa que tenha existido, já tendo anunciado recursos para os tribunais.
A Autoridade recorda que o crédito à habitação é um produto com grande importância para a banca portuguesa e teve, na última década, um peso de 89% nos financiamentos a particulares.
A decisão da AdC sobre este processo, que ainda pode andar muitos anos em recursos nos tribunais, sublinha que o crédito à habitação apresenta riscos menores para as instituições de crédito fruto do recurso à hipoteca do imóvel, sendo a partilha de informações "claramente reservadas", neste tipo de crédito, dos valores de spreads a praticar num futuro próximo, um caso "mais grave".
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