Casa abrigo procura projeto de vida para "mulheres que não existem"
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Desde 2018 que existe uma Casa Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência com Deficiência e/ou Incapacidade. É única e está, desde então, lotada. Esta valência, que acolhe sete mulheres vítimas de várias formas de violência, é gerida pela CERCIAG, a Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas de Águeda.
As vítimas ficam, no máximo, durante o período de um ano, mas o problema é que não há depois respostas a nível nacional para que estas mulheres possam continuar a ser apoiadas depois. Existem três possíveis caminhos, como conta a coordenadora da Casa Abrigo, Ana Lopes, na reportagem áudio, mas na prática o que existe não chega para os pedidos.
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Os técnicos têm um ano para correr contra o tempo e encontrar entidades que acolham estas mulheres. Colocar a vítima de violência ao cuidado de uma instituição preparada não é a única solução. Aliás, o ideal seria a autonomização, mas em quadros de deficiência, nem sempre é possível.
No total, a Casa Abrigo já recebeu 13 mulheres, desde 2018. Tem capacidade para 7 e está sempre com lotação esgotada. "Tem existido situações às quais não conseguimos dar resposta. Não temos tido vagas em aberto. Estarei também convicta que à medida que a área da violência sobre pessoas com violência comece a ser conhecida pelos técnicos de primeira linha e pelas pessoas em geral, cada vez mais casos venham a ser identificados", diz.
Ana Lopes garante que estas vítimas são diferentes das restantes, logo à partida porque muitas não têm sequer consciência de que são vítimas. As vítimas de violência com deficiência são, quase sempre, dependentes financeiramente, emocionalmente e até ao nível de cuidados de quem exerce violência. Muitas não denunciam, porque muitas nem sequer sabem que são vítimas. Não têm consciência disso.
As violências são várias: há mulheres vítimas de violência física, sexual ou emocional, maus tratos que podem ser intencionais, mas também não intencionais, provocados por cuidadores em situação de exaustão. A equipa que Ana Lopes lidera, e mesmo a própria CERCIAG, reconhecem que é necessária uma atenção especial também para com o cuidador.
Pedro Galveias é psicólogo na CERCIAG e lida de perto com as mulheres que vão passando pela Casa Abrigo desde 2018. No total já foram 13. Cada uma delas é um caso diferente, que merece um acompanhamento singular. "Não há uma cartilha para a intervenção, psicológica ou outra terapia qualquer. Avaliamos individualmente e acreditamos que as pessoas com deficiência mais informadas e capacitadas estarão menos suscetíveis de cair novamente numa situação de violência ou de maus tratos, por isso tentamos fazer essa capacitação", assegura.
O foco da equipa multidisciplinar é o equilíbrio emocional, a relação entre pares, sempre que possível, com o objetivo claro de capacitar estas mulheres para o futuro.
Em situações de violência, a história idêntica vivida por quem partilha o mesmo espaço é, muitas vezes, uma ajuda emocional para quem está a passar pela mesma situação. Neste caso, entre vítimas de violência com deficiência, a situação é mais complexa, ainda assim a equipa conta com a experiência de há muitos anos a lidar com pessoas com deficiência, mas também foi formada para saber lidar com casos na área da violência. "A questão da catarse em grupo não existe. Algumas conseguem partilhar, mas outras não. Não há essa questão da consciência e o acompanhamento é muito mais individualizado", afirma o psicólogo.
Uma vez que as denúncias das situações chegam por terceiros, por isso é fundamental capacitar os serviços: de saúde, sociais e mesmo os tribunais, para que saibam reconhecer situações de risco atempadamente.
Tudo isto são desafios. Pedro Galveias conta na reportagem áudio que outro desafio que está em cima da mesa todos os dias é o de encontrar um projeto de vida para estas mulheres.
E quantas pessoas com deficiência são vítimas de violência?
Não se sabe. É a resposta atual. Não há dados e "sem dados é impossível trabalhar", diz Ana Lopes, a coordenadora da Casa Abrigo, que tira as palavras da boca a Luísa Carvalho, diretora executiva da CERCIAG. Ainda assim, a Estratégia Nacional para a Inclusão de Pessoas com Deficiência (2021-2015) já tem uma visão neste sentido e já sentiu a necessidade de ter dados sobre o assunto. Também o CES (Conselho Económico e Social) desafiou a CERCIAG a escrever um capítulo para o Parecer sobre a Violência Doméstica, aprovado em Plenário do CES de 3 de março de 2023, como contributo para a compreensão da violência doméstica em pessoas com deficiência. Em 30 páginas, a CERCIAG mostra aquilo que é a violência em pessoas com deficiência, em particular da violência doméstica, números e factos, bem como o caso particular das mulheres com deficiência.
Esta Casa Abrigo que acolhe vítimas com deficiência é um projeto piloto. Desafio lançado em 2017, pela então secretária de Estado da cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino que Luísa Carvalho mostra ter sido abraçado de imediato. "Capacitámos as nossas equipas e avançámos para este projeto desafiante e muito necessário. Obriga-nos e responsabiliza a cada dia que passa, constituindo uma descoberta diária relativamente a uma área completamente desconhecida, que é uma das áreas mais silenciosas e invisíveis deste fenómeno social que é a violência, particularmente a violência de género", refere a diretora executiva.
A CERCIAG trabalha com a deficiência intelectual e multideficiência há 46 anos. Não tinha em 2017 qualquer experiência com a área da violência, mas procurou formar todos os seus profissionais, percorrendo o objetivo de dar a melhor resposta possível às mulheres que acolhe.
A casa abrigo que agora conhecemos em reportagem acolhe 7 vítimas. É uma casa pequena, como se quer e não como se precisa, ou seja, quer-se pequena para que se sintam em casa, que encontrem um lar, que não se veja como uma instituição, onde, dentro do contexto particular da situação se criam vínculos, afetos e um ambiente familiar.
Outros dos seus grandes desafios é a sustentabilidade do projeto. As candidaturas para esta casa abrigo "especial" são exatamente as mesmas que existem para as restantes casas abrigo, o mesmo é dizer que não têm em conta as especificidades de quem trabalha com pessoas com deficiência.
