Cavaco rejeita críticas a Costa, mas deixa conselho nas entrelinhas: "Substituir ministros de uma assentada"
O antigo Presidente da República defende que remodelar bem o Governo é a tarefa mais difícil de um primeiro-ministro.
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Há quem entenda a publicação do livro de Aníbal Cavaco Silva, "O primeiro-ministro e a arte de governar", como um conjunto de críticas a António Costa. O antigo Presidente da República afasta, no entanto, essa ideia, mas nas entrelinhas soam recados para o atual primeiro-ministro.
Entre as 225 páginas da obra, Cavaco Silva escreve que "um primeiro-ministro não deve entrar em confronto com um Chefe de Estado", numa altura em que a relação entre o Palácio de Belém e o Palácio de São Bento está deteriorada.
E, por isso, na apresentação do livro que decorreu no Grémio Literário, em Lisboa, o antigo Presidente começa por colocar tudo em pratos limpos: a obra está terminada desde janeiro e surgiu há quase 20 anos.
"Terminei de escrever este ensaio em janeiro deste ano, pelo que os acontecimentos dos últimos oito meses têm influência zero naquilo que escrevi", garantiu.
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Nos acontecimentos dos últimos oito meses, o destaque vai para a não demissão do ministro João Galamba, contra a vontade assumida do atual Presidente da República, que fez estalar o verniz entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa.
Cavaco Silva, que foi primeiro-ministro durante dez anos e chefe de Estado durante outra década, assinalou, no entanto, aquela que considera como a tarefa mais difícil de um primeiro-ministro: uma remodelação no Governo.
"A substituição de três, quatro ou cinco ministros de uma assentada. Exige sangue-frio, exige sigilo, exige preparação e execução meticulosas. Apanhar a comunicação social e o país político de surpresa é o ideal", apontou.
Palavras que soam a desafio para António Costa, quando a direita nota que a maioria absoluta está desgastada. Cavaco Silva lembrou até que enquanto primeiro-ministro fez duas remodelações: em janeiro de 1990 e em dezembro de 1993.
"Querem decretar a morte cívica de Cavaco Silva"
A apresentação da obra ficou a cargo do antigo primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso, que após um discurso de 20 minutos, lamentou quem crítica o antigo Presidente, mesmo antes de ler a obra.
"É caso para perguntarmos o que é que se passa quando se sente tanta acrimónia, quando há tantas pessoas no nosso país que ficam perturbadas sempre que o professor Cavaco Silva quer dizer alguma coisa? Há aqui um qualquer significado. Por que razão é que alguns comentadores e alguns agentes políticos querem decretar a morte cívica do professor Cavaco Silva?", questiona.
Há "inveja", responde Durão Barroso, que acusa ainda a esquerda de se achar "dona do regime", após a ditadura. Na opinião do social-democrata, a democracia precisa de "respirar com os dois pulmões", o da direita e o da esquerda.
E, para concluir, um pedido a Cavaco Silva em resposta aos críticos: "Por favor, continue. Continue a incomodar todos aqueles que ficam nervosos antes ainda de ouvirem".
Palavras para uma sala repleta, com vários nomes da história do PSD, como Manuel Ferreira Leite e Eduardo Catroga. Luís Montenegro ficou na primeira fila e, logo atrás, Luís Marques Mendes, que está na pré-corrida às eleições presidenciais.