Ceia dos sós. "Aqui também vem gente que precisa de companhia, não da refeição em si"
À mesa do Refeitório Social da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima estiveram cerca de 50 sem-abrigo, pessoas com dificuldades económicas e também em busca de companhia.
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Mário Gomes, cabo-verdiano, trabalhador da construção civil, toca música nas ruas ao fim-de-semana e, este ano, levou alegria à Ceia dos Sós de Viana do Castelo.
À mesa do Refeitório Social da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima estiveram cerca de 50 sem-abrigo, pessoas com dificuldades económicas e também em busca de companhia.
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Vestido de Pai Natal, Mário ceou batatas com bacalhau, sentado ao lado do Bispo da Diocese, D. João e Lavrador, e após a refeição levantou-se e tocou no seu acordeão, músicas de natal e populares.
"Já vim no ano passado e fiz o mesmo. Vim jantar e depois toquei para o senhor Bispo e para o senhor padre [Artur Coutinho, fundador da iniciativa]. O senhor Bispo adora este tipo de música e disse que eu tenho capacidades", disse à TSF Mário orgulhoso, referindo que, apesar de estar só em Portugal, se sentiu "satisfeito e contente" com a partilha na noite de Natal. E explicou que a vestimenta vermelha alusiva à época, foi pensada para ajudar à festa. "Gosto de trazer um traje para ficar alegre com os colegas e amigos", comentou.
As refeições, que também incluíram rabanadas e outra doçaria natalícia, foram servidas por um grupo de voluntárias.
Paula Silva já participa há seis anos e este ano até trouxe a filha Mariana, de 22 anos, recém-chegada de uma ação de voluntariado em Cabo Verde.
"A minha família é grande e não estão sozinhos, por isso pensei em vir ajudar e depois vou para casa e ainda tenho tempo de confraternizar com eles. Infelizmente, cada vez vemos mais pessoas sós. Aqui também vem gente que precisa é de companhia, não da refeição em si", afirmou Paula.
Da rua para o refeitório, para jantar bacalhau com batatas e couves, chegou Luís Nunes, de 38 anos, que se diz sem-abrigo porque sucumbiu à toxicodependência. Reconhece que as suas circunstâncias, são fruto das suas escolhas, mas que sente falta do colo familiar.
"Natal é família, não é o bolo rei, o bacalhau, as prendas. Não é uma palavra. Natal é a família unida, sempre. É o mais importante e está-me a faltar, mas eu também fiz por isso. E agora tenho de andar para frente, um dia de cada vez", disse.
Na cozinha, mais uma vez, em 16 anos, Natália Barros, preparou a Ceia dos Sós com a ajuda de Célia e Lorena.
"Muito bacalhau, muitas batatas, muita couve. Muito de tudo, para 80 refeições. Cada vez vem mais gente. Este ano temos a casa cheia", comentou. Além dos presentes na ceia, também há gente que vai buscar refeições.
A iniciativa já se realiza há 35 anos. Foi criada em 1988 pelo padre Artur Coutinho, com "apenas três pessoas, um casal e uma pessoa que estava sozinha".
"Havia muito preconceito, mas entretanto chegamos a fazer a ceia com 80 pessoas à mesa", recorda.
Este ano, mais uma vez, como é habitual, a consoada foi partilhada com do Bispo da Diocese de Viana do Castelo, D. João Lavrador.
"É realmente um momento importante perante aqueles que estão mais fora da família ou que estão com mais carência neste dia, encontrarmo-nos como família e tentarmos ter um bocadinho de conforto entre todos. E eles sentirem que a Igreja está do lado deles", declarou.
A cada ano tem chegado cada vez mais gente de diferentes nacionalidades, só e com saudades do Natal no seu país. Ontem, havia imigrantes da Colômbia, Ucrânia, Cabo Verde, Guiné Bissau e Brasil.
Estudante do Ensino Superior em Viana do Castelo, Koll Baga da Guiné Bissau, não se deixou apanhar pela tristeza de estar sozinho. Risonho, deixou uma mensagem: "Feliz Natal para toda a gente. Para as pessoas que pensam que estão sozinhas, estamos juntos e feliz Natal".