Em entrevista à TSF, Francisco Lima, que está desde 2018 na liderança do Instituto Nacional de Estatística (INE), explica pela primeira vez de viva voz o que levou a instituição a adiar no início do mês a divulgação de dados.
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Os Censos, tal como os conhecemos, vão deixar de existir. "Os Censos de 2021 foram os últimos a ser realizados neste modelo", revela Francisco Lima. O presidente do INE adianta que, a partir "de 2025 ou 2026", vai ser possível atualizar todos os anos vários dados sobre quem vive em Portugal, sem a necessidade do inquérito a que estamos obrigados a responder de dez em dez anos.
Em entrevista à TSF, o líder do INE explica que vai passar a haver um cruzamento de dados de várias entidades públicas, como a Segurança Social ou a Autoridade Tributária. "O que está previsto é não realizar um Censos em 2031. Este é um caminho europeu. A ideia é criar uma nova operação censitária a partir de dados administrativos, e que isso venha a acontecer todos os anos. A nossa intenção é que fosse mais cedo, mas estamos agora a prever para 2025 ou 2026". Poderá haver assim, todos os anos, uma atualização da população residente "com características censitárias".
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Se os Censos de 2021 foram os mais digitais de sempre, o futuro traz um virar de página na forma como se faz o recenseamento demográfico em Portugal. Francisco Lima explica como, por exemplo, o cruzamento de dados da Autoridade Tributária com os dados faturação eletrónica permite saber mais. "Pode ser possível ver, quando uma família tem um filho, qual é a alteração no padrão de consumo. É fascinante conseguir isso. Nunca se conseguirá este grau de pormenor através de um inquérito. Só mesmo através destas fontes", exemplifica o responsável. Para isso, é "importante" desde já aprofundar as parcerias e relações que já existem com outras entidades da administração pública.
Do último inquérito censitário ficou à vista a polémica que envolveu a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). A entidade aplicou uma coima de 4,3 milhões de euros ao INE por violações do Regulamento Geral de Proteção de Dados. Na perspetiva da CNPD, houve uma "atuação negligente" da instituição e, entre outros, uma violação do dever de transparência e o dever de cuidado. O INE decidiu recorrer da decisão na Justiça no início do ano, e Francisco Lima esclarece que "ainda não há novidades". Não querendo entrar em mais comentários, o dirigente reafirma que o INE "não concorda com a avaliação feita pela CNPD".
Adiamentos podem voltar a acontecer
No início do mês, o INE anunciou o adiamento na divulgação de dados por falta de recursos humanos. O indicador da remuneração bruta mensal média por trabalhador deveria ter sido conhecido no dia 8 de novembro, mas só vai ser divulgado no dia 20 deste mês.
O líder do INE explica que foi necessário concentrar mais recursos numa outra análise. "Foi necessário reforçar outra operação, desviar recursos. Tivemos de dar uma resposta urgente ao inquérito com o emprego, cujos resultados trimestrais são da mesma altura. Foi necessário rever as estatísticas em relação à recolha que tinha acontecido na pandemia". O ajustamento teve de acontecer porque, "não havendo margem", esta era a única hipótese. "Se uma equipa vai para um lado não pode ir para o outro", reconhece, afirmando que os "recursos humanos são parcos".
O presidente do INE assume que "não podemos garantir" que o cenário não vai voltar a repetir-se. "Não podemos garantir porque esta é uma questão que se estende no tempo", acrescenta. Mas o líder da instituição tem absoluta confiança de que este adiamento em nada mexe com a credibilidade do INE.
Francisco Lima detalha que, ainda este ano, vai ser aberto um concurso para contratar 45 trabalhadores em regime de contratação externa, ou seja, fora da administração pública. "As estimativas dos nossos serviços apontam para que dentro de seis meses ou nove meses esses técnicos possam já estar realmente a trabalhar. Já houve também autorização para contratar 99 profissionais nos próximos três anos", explica. E o presidente do Instituto Nacional de Estatística garante que a turbulência política não vai alterar nada, até porque "as decisões já foram tomadas e confirmadas".
Francisco Lima admite ainda que os aumentos salariais previstos no próximo ano para os técnicos superiores do INE poderiam "ir ainda mais longe, nunca esquecendo que estamos a falar de trabalhadores da administração pública e, por isso, tem de haver um equilíbrio em relação às demais carreiras". Na semana passada o governo aprovou aumentos salariais para os técnicos superiores, que representam 59,5% dos trabalhadores da instituição. Em causa está um aumento extraordinário, ainda este ano, de 52,64 euros brutos mensais com retroativos a 1 de janeiro, o que permite que o salário de entrada destes técnicos fique situado nos 1385,99 euros.