Centeno alerta para perigos da crise política: "Instabilidade não rima com crescimento"
Mário Centeno admite que as medidas tomadas pelo Banco Central Europeu para combater a inflação têm consequências que o "preocupam".
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O governador do Banco de Portugal disse esta terça-feira que a luta contra a inflação ainda vai fazer mais danos nas pessoas, antes de os juros baixarem, e sobre a crise política considerou que "instabilidade não rima com crescimento".
"Instabilidade, qualquer que seja a fonte, não rima com crescimento económico, [não rima] com estabilidade social", afirmou Centeno na CNN Portugal Summit, que decorreu no Porto, entrevistado por Pedro Santos Guerreiro, e recordou que na primeira década do século XXI houve três legislaturas interrompidas.
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"Se alguém pensa que as dificuldades económicas que enfrentámos ao longo desse tempo não tiveram que ver com isso, desiluda-se, porque teve", afirmou, acrescentando que momentos de crise política são "processos institucionais normais" num país democrático.
Quanto ao aumento das taxas de juro, Centeno considerou que a taxa de juro real (a diferença entre a taxa de juro nominal e a inflação) ainda deverá continuar a subir nos próximos meses, o que agravará as dificuldades das pessoas. Deu ainda a entender que as taxas de juro nominais já deverão ter atingido o patamar máximo mas que assim irão manter-se durante algum tempo.
"A luta contra inflação fez muitos danos e ainda vai fazer alguns porque nunca antes o Banco Central Europeu aumentou tanto as taxas de juro em tão pouco tempo", afirmou.
Segundo o governador, esta subida tão rápida das taxas de juro não permitiu aos agentes económicos terem "tempo para se ajustarem", o que criou dificuldades extra.
"Essa é uma preocupação que eu tenho e devemos ser comedidos na terapia", disse.
Centeno considerou ainda que Portugal e a economia portuguesa têm feito um caminho importante, destacando a estabilidade financeira (visível em indicadores como redução do custo da dívida e melhoria do 'rating' de Portugal) e o aumento das qualificações da população.
O ex-ministro das Finanças dos governos de António Costa (PS) demorou-se, sobretudo, no aumento de qualificações em Portugal, vincando que no início do século apenas 40% dos jovens completavam ensino secundário e hoje são 85% (acima da média da zona euro e da Alemanha), e considerou que qualquer "perturbação deste processo será quase uma capitulação do crescimento económico a médio prazo".
Sobre se Portugal retém o talento jovem, quando se fala muito em emigração de jovens, Centeno disse o tem feito e que o país andou nove meses a analisar números do INE que estavam equivocados sobre o mercado de trabalho e "corrigiu o erro" que estava a deixar "a quase todos no divã do psicanalista".
"Onde estão os nossos licenciados? Estão cá. Desde 2013 o número de licenciados na população portuguesa aumentou de 1,3 milhões para 2,0 milhões. O INE dizia-nos, até há semana passada, que no segundo trimestre deste ano havia menos 180 licenciados em Portugal, o que não era verdade. Segundo a versão corrigida do INE, o número de licenciados terá aumentado 71 mil em termos homólogos", afirmo Centeno, que é economista especialista em mercado de trabalho.
Centeno afirmou que esta "revolução silenciosa" é a "única fonte de crescimento sustentável" de uma economia e que para ter sucesso é preciso "paciência, porque leva trabalho, e não colocar entraves", desde logo às empresas.
"Não podemos elevar a fasquia para empresas que querem criar postos trabalho e empregar estes jovens", afirmou.
O objetivo do BCE é ter uma inflação de 2% a médio prazo pelo que, face à alta da inflação na zona euro, tem decidido subir as taxas de juro. Quando o BCE altera as taxas de juro diretoras, tal reflete-se no conjunto da economia, sendo algumas das faces mais visíveis o aumento dos empréstimos bancários, desde logo do crédito à habitação.
Esta terça-feira, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse, em Berlim, que dada a dimensão dos aumentos das taxas de juro até agora, será dado algum tempo para ver o seu efeito na economia.
"Dada a escala do nosso aperto monetário, agora podemos dar-lhe algum tempo para se desenvolver", afirmou Lagarde ao discursar sobre a inflação e a democracia, num evento organizado pelo Ministério das Finanças alemão.
Lagarde considerou, no entanto, que "ainda não é tempo de gritar vitória", apesar da descida da inflação na zona euro.