Tribunal Europeu dos Direitos Humanos obriga Portugal a indemnizar médico e jornalista que tinham sido condenados nos tribunais nacionais por difamação a políticos.
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O Estado português vai ter de pagar um total de quase 30 mil euros a um jornalista e um médico.
O primeiro tinha sido condenado e perdido todos os recursos, nos tribunais portugueses, por chamar idiota a um governante. O segundo tinha sido condenado por ter acusado um autarca de ser, entre outras coisas, cobarde.
Numa decisão revelada esta terça-feira, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos diz que as condenações em causa, a penas de multa, foram desproporcionadas.
A indemnização mais alta decidida pelo Tribunal Europeu vai para Soares Gomes, um médico da Lourinhã que em 2009 publicou uma carta num jornal onde criticava o presidente da câmara, dizendo que era uma pessoa "cobarde, com falta de caráter e honestidade".
O médico não gostou que a clínica que dirigia não fosse escolhida pelo Conselho Municipal para prestar cuidados à população e chegou mesmo a distribuir panfletos a criticar o presidente da autarquia.
Os tribunais portugueses vieram a condená-lo por dois crimes de difamação e um por insultar uma entidade oficial.
Agora, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos conclui que a justiça nacional violou o direito à liberdade de expressão, condenando o Estado português a pagar quase 23 mil euros pelos danos patrimoniais que o médico sofreu.
O Tribunal Europeu não concorda com os tribunais nacionais que concluíram que os interesses pessoais do autarca em nome da sua reputação são superiores ao direito à liberdade de expressão.
Além disso, parte dos argumentos do médico até tinham fundamento e as indemnizações aplicadas pelos tribunais portugueses são desproporcionadas, "excedendo o seu poder discricionário".
O Tribunal Europeu acrescenta que a condenação por insultar uma entidade legal é, aliás, um crime que não está previsto no ordenamento jurídico português.
"O político mais idiota"
O outro caso agora fechado pelo Tribunal Europeu envolve um jornalista, Emídio Antunes, de Santarém, que em 2011 escreveu um artigo de opinião no jornal O Mirante.
O texto criticava o então secretário de Estado da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento chamando-lhe "o político mais idiota" que conhecia.
Condenado nos tribunais portugueses por ter ido além da "crítica objetiva", perdendo os recursos, o jornalista tem agora a receber mais de 6 mil euros do Estado português.
Os juízes europeus argumentam que condenar alguém por usar a palavra "idiota" naquele contexto é desproporcionado, pondo em causa os interesses da sociedade democrática e a liberdade de imprensa, sendo normal que "a liberdade jornalística inclua uma certa dose de exageração ou termos provocadores".
"O uso da palavra 'idiota' não foi um ataque pessoal ao Secretário de Estado, devendo ser lido no contexto da situação política", pode ler-se na decisão.
Em ambos os casos, o Estado português é condenado por ter violado o artigo 10, sobre liberdade de expressão, da Convenção dos Direitos Humanos.