Chuva e solo quase líquido criam "bomba-relógio". Pode haver mais desabamentos em Borba
Geólogos alertam para o perigo de ocorrência de novos "escorregamentos" de material, principalmente devido à natureza argilosa dos terrenos.
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"Há tendência para a ocorrência de mais escorregamentos" na estrada das pedreiras, em Borba. O alerta é do presidente da Associação Portuguesa de Geólogos (APG), José Romão, que esta quinta-feira chamou a atenção para o risco de desabamento do restante troço da estrada junto às pedreiras em Borba, no distrito de Évora, que colapsou na segunda-feira.
Em declarações à agência Lusa, o responsável avisou que os possíveis novos deslizamentos podem ser provocados pela liquefação do material argiloso que não caiu ou pela falha por onde o material que já caiu descolou.
José Romão observou que "a argila entrou em liquefação e provocou o deslocamento do material", mas advertiu que "outra parte, que ainda não entrou em liquefação, está lá e pode chegar, outra vez, ao limite de liquidez" e provocar um novo deslizamento.
Por outro lado, o presidente da APG alertou que "a falha por onde escorregou o material", na segunda-feira, "pode prolongar-se para um lado ou para o outro" da estrada e pode originar um novo deslizamento "mais à frente ou mais atrás".
"É [necessário] perceber se há alguma falha, alguma descontinuidade, por onde o material descolou e, se essa descontinuidade está lá, ela pode ter deslocado um segmento e no outro segmento não ter deslocado", referiu.
O também geólogo salientou, por outro lado, que podem ocorrer "novos escorregamentos em consequência de um novo desequilíbrio da vertente", sublinhando que terá de haver "muito cuidado com a retirada do material" que se acumulou no sopé da vertente.
"Se este tempo continuar, com mais chuva, a água vai fazer com que haja instabilidade das argilas que estão no topo e vai lubrificar as zonas de acidente", havendo "tendência para a ocorrência de mais escorregamentos", sublinhou.
José Romão considerou que "as vertentes íngremes próximas de 90 graus e a existência de falhas e fraturas" são "fatores que potenciam os escorregamentos", mas referiu que o deslizamento de terras e colapso de um troço da estrada, na segunda-feira, poderá ter sido desencadeado pela "chuva e vibração" dos veículos que passavam na via.
"Tem chovido bastante e as argilas que estão no topo, que estão sobre os calcários, são relativamente plásticas e, com a quantidade de precipitação, poderão ter atingido o limite de liquidez", apontou.
Além disso, acrescentou, "quando ocorreu o escorregamento, estavam a passar na estrada veículos e a sua vibração pode ter sido um fator desencadeante".
"Todos esses fatores podem ter provocado a desagregação da parede", concluiu.
Comandante distrital da Proteção Civil admite a possibilidade de deslocar parte da massa
Em declarações aos jornalistas presentes em Borba, o comandante distrital da Proteção Civil de Évora, José Ribeiro, reconhece que pode ser necessário realizar um deslocamento de massa, de forma controlada, perante a instabilidade que é reconhecida nas escarpas. Reforçando a ideia avançada por José Romão, o comandante explica que a chuva tem contribuído para deixar o terreno ainda mais instável.
"Há ali uma quantidade muito significativa de terra e pedras que podem vir a ruir. Na avaliação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), feita nesta manhã [de quinta-feira], essa probabilidade era média a baixa, o que nos permitia ainda desenvolver alguns trabalhos", explicou o comandante.
O cenário será reavaliado esta sexta-feira, devido à precipitação e estão já a planear-se "alguns deslizamentos, ou deslocamentos, de massa controlada, mas temos de calcular tudo muito bem. Como compreendem vai ter impacto nas operações", revelou José Ribeiro.
O sonar e os mergulhadores da Marinha que, soube-se esta quarta-feira, vão juntar-se às operações, devem entrar em ação na manhã desta sexta-feira. "Para além da manobra do sonar da Marinha, temos também prevista durante a tarde - e fazendo uma avaliação à escarpa - colocar alguns mergulhadores numa zona segura da pedreira maior, onde supostamente estarão as viaturas, a desenvolver algum trabalho que complemente o do sonar e permita perceber onde estão as viaturas", disse José Ribeiro, explicando as operações previstas para esta sexta-feira.
Quanto à drenagem das pedreira, devido a um volume de água "muito grande" e "limitados com o local onde fazemos a descarga da água", é precisa alguma "prudência" na operação. Ainda assim, para esta sexta-feira está prevista a entrada em cena de uma quarta bomba de água.
O deslizamento de um grande volume de terras e o colapso de um troço da estrada entre Borba e Vila Viçosa, no distrito de Évora, para o interior de poços de pedreira ocorreu na segunda-feira às 15h45.
Segundo as autoridades, o colapso de um troço de cerca de 100 metros da estrada terá arrastado para dentro da pedreira contígua, com cerca de 50 metros de profundidade, uma retroescavadora e duas viaturas civis, um automóvel e uma carrinha de caixa aberta.
Na terça-feira à tarde foi retirado o corpo de um dos dois mortos confirmados, havendo ainda três pessoas dadas como desaparecidas.
O Ministério Público instaurou "um inquérito para apurar as circunstâncias que rodearam a ocorrência", segundo a Procuradoria-Geral da República, e duas equipas da Polícia Judiciária estão no local desde quarta-feira a proceder a investigações.
O Governo pediu na quarta-feira uma inspeção urgente ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão de operação das pedreiras situadas na zona de Borba.