"Ciclo vicioso." Ayres de Campos critica "falta de coragem" para resolver problema das urgências de obstetrícia
Em declarações à TSF, o antigo diretor do serviço de obstetrícia no Hospital de Santa Maria considera que é preciso libertar os médicos para resolverem os problemas nas consultas e não nas urgências
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Diogo Ayres de Campos, médico que foi o coordenador da comissão de acompanhamento da resposta em urgência de ginecologia e obstetrícia, nomeada pelo anterior Governo, lembra, em declarações à TSF, que era suposto o encerramento de maternidades ser transitório. O médico, que também foi diretor do serviço de obstetrícia no Hospital de Santa Maria, considera que, além da falta de médicos no SNS, o problema está também na organização. Para Diogo Ayres de Campos, é preciso libertar estes especialistas para resolverem os problemas nas consultas e não nas urgências.
"Nós temos cerca de quatro ou cinco vezes mais episódios de urgência de obstetrícia e ginecologia do que a maioria dos países europeus. A urgência está sempre aberta, ninguém é recusado, claro, e, como tal, a quantidade de médicos que é necessário ter nas equipas médicas é muito superior àquilo que temos noutros países, porque muitas dessas situações podiam ser resolvidas em consultas hospitalares que funcionam das 09h00 às 17h00, mas não em urgências que estão abertas 24 sobre 24 horas", explica à TSF Diogo Ayres de Campos, alertando para "um ciclo vicioso".
"As pessoas estão muito dedicadas à urgência, como tal, têm pouco do seu horário para se dedicarem a consultas. Nunca se tomaram iniciativas com suficiente força e coragem para quebrar este ciclo vicioso. Enquanto não se encarar esse problema como um problema grave e se tomarem medidas para o alterar, também não se vai resolver o problema das urgências de obstetrícia e ginecologia", considera.
A Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras defendeu na TSF que, se esses profissionais fossem mais utilizados, muitas maternidades podiam não encerrar. Diogo Ayres de Campos lembra que já há uma norma da DGS que o determina, mas, mais uma vez, o problema são as urgências que não libertam médicos para os blocos de partos.
"Muitos hospitais a nível nacional tem uma média de 50/60 atendimentos de urgência por dia. Isso requer 3/4 pessoas permanentemente a darem solução a essas situações. Por exemplo, na maternidade Alfredo da Costa, durante este fim de semana, houve 80 atendimentos por dia. E aí os enfermeiros especialistas só conseguem fazer a triagem, mas não fazem os atendimentos. O problema já foi parcialmente melhorado com a maior participação dos enfermeiros na sala de partos, mas é no atendimento de urgência que é necessário tomar medidas para reverter esta situação", refere.
Questionado sobre se o problema será resolvido quando a nova maternidade do Santa Maria estiver a funcionar em pleno, no próximo ano, o médico tem dúvidas. "Ou se torna as condições atrativas no Hospital de Santa Maria e noutros hospitais para que os médicos que estão na privada ou na prestação de serviços regressem aos quadros do SNS, ou então vejo com muita dificuldade haver uma solução que dê resposta quer às equipas do hospital de Santa Maria, quer às equipas dos outros hospitais de Lisboa e Vale do Tejo", afirma.
"Neste momento, não haverá seguramente mais do que uma dúzia de médicos no serviço de obstetrícia do Santa Maria a fazer urgência, mas seguramente que é necessário, pelo menos, regressar àquilo que era a equipa anterior do hospital Santa Maria, que era duas vezes maior do que é neste momento", acrescenta.
Na quinta-feira, o Hospital de Santa Maria recebe a visita do Presidente da República, do primeiro-ministro e da ministra da Saúde. Após vários meses de obras, reabriu na segunda-feira a urgência de ginecologia, na nova maternidade do maior hospital do país.
A urgência obstétrica de Santa Maria continua fechada. É uma das quatro que se mantêm encerradas esta quarta-feira. As outras são no hospital de Setúbal,
no Garcia de Orta, em Almada, e ainda no hospital de Santo André, em Leiria. Neste caso, o serviço vai continuar fechado até ao dia 19 de agosto.