Joaquim Sande Silva alerta para o facto de, nas áreas afetadas pelos incêndios em Pedrógão, existir agora um domínio quase completo de eucaliptos abandonados que são "verdadeiros matagais".
Corpo do artigo
Cinco anos depois da tragédia em Pedrógão Grande, pouco mudou na estratégia nacional de combate aos fogos florestais, mantendo-se a estrutura e os princípios daquela altura. À TSF, o investigador Joaquim Sande Silva, que fez parte da Comissão Técnica Independente que analisou aquele incêndio, desenhou uma radiografia negativa do que se fez desde então, lamentando que as alterações entretanto levadas a cabo tenham complicado ainda mais o sistema.
"A estrutura e os princípios mantêm-se basicamente iguais àquilo que tínhamos em 2017. Ou seja, [temos] uma força de combate essencialmente baseada no voluntariado. As coisas não mudaram muito", critica o especialista, apontando que a força de bombeiros sapadores a cargo do Instituto de Conservação e da Natureza (ICNF), entretanto criada, e que tem as suas "virtudes", veio "complicar ainda mais o sistema".
"Para além dos bombeiros voluntários e profissionais, existem forças associadas à GNR, forças associadas aos sapadores florestais, agências privadas, nomeadamente associadas às empresas da celulose. O sistema está extraordinariamente complicado", explica o investigador.
TSF\audio\2022\06\noticias\17\joaquim_sande_da_silva_1
O também professor na Universidade de Coimbra reconhece que "foi criada alguma especialização ao nível da análise de incêndios", no que toca aos técnicos instalados na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. No entanto, constata que esse grupo der especialistas "não consegue ter setores à altura no terreno".
A "preparação" e a "especialização" no terreno continuam, assim, a ser um problema. O especialista lembra que o plano nacional de qualificação que foi sendo desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos "não está implementado" e que, por isso, "passados cinco anos, continuamos exatamente com os mesmos níveis de qualificação que tínhamos em 2017".
TSF\audio\2022\06\noticias\17\joaquim_sande_da_silva_2
Para Joaquim Sande Silva, de 20'17 até agora, tem faltado coragem para enfrentar os interesses corporativistas" e para "reformar o sistema". "Em vez de se tentar otimizar e criar um sistema mais simples e funcional, optou-se por acrescentar peças", afirma, dando como outro exemplo a Agência para a Gestão Integrada para Fogos Rurais (AGIF).
"Infelizmente, ao contrário do que tinha sido preconizado pela Comissão Técnica Independente, acaba por ser um bocadinho um corpo estranho quando vamos tentar analisar a forma como se articula com os diferentes agentes", diz. No seu entender, esta agência, que devia ter um papel de coordenação e de harmonização de competências, não está a cumprir os seus objetivos, acabando por ser "mais uma peça na engrenagem a complicar o sistema e não a trazer solidez aos processos".
TSF\audio\2022\06\noticias\17\joaquim_sande_da_silva_3
Joaquim Sande Silva mostra-se igualmente pessimista em relação à evolução da paisagem nas áreas que arderam em 2017, em Pedrógão, onde há agora um domínio quase completo do eucalipto. O problema, diz, é que se trata de eucalipto "abandonado" que, neste momento, "forma verdadeiros matagais".
No que toca à prevenção, sem querer extrapolar o que aconteceu em Pedrógão para outras zonas do país, o especialista afirma que "não é difícil imaginar que a situação não seja muito diferente". "Aquela ideia que se tem de que, com gestão e com incentivos, conseguimos contrair a evolução da própria natureza não se está de forma nenhuma a verificar. A natureza é que tem traçado o curso da evolução da paisagem nesses locais", enfatiza.
TSF\audio\2022\06\noticias\17\joaquim_sande_da_silva_4