"Clima de insegurança profissional." Internos do Amadora-Sintra manifestam “profunda preocupação” com serviço de cirurgia geral
Em declarações à TSF, a médica Ângela Rodrigues confessa preocupação perante a demissão de uma "série de cirurgiões". Pede, por isso, a intervenção da ministra da Saúde para que seja restabelecida "a qualidade" no serviço de cirurgia geral, algo que "não tem neste momento"
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Médicos internos do Hospital Fernando Fonseca manifestaram “profunda preocupação” com o funcionamento do serviço de cirurgia geral, numa carta em que denunciam o “clima de insegurança profissional” a que estão sujeitos.
O alerta consta na carta dos internos de formação especializada em cirurgia geral do Hospital Fernando Fonseca, que integra a Unidade Local de Saúde (ULS) Amadora-Sintra, a que a Lusa teve acesso e que foi enviada à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e ao bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, assim como a outras entidades.
“Manifestamos a nossa profunda preocupação face aos acontecimentos que têm comprometido gravemente o funcionamento do serviço de cirurgia geral e, consequentemente, a nossa formação médica”, escrevem os nove internos do Hospital Fernando Fonseca, de onde se demitiram em outubro 10 cirurgiões devido ao regresso de dois outros médicos que tinham denunciado más práticas no serviço, que não se confirmaram.
Em relação às urgências, estes internos referem que a escala para janeiro de 2025 só foi divulgada em 30 de dezembro de 2024, "sem respeitar as indisponibilidades previamente comunicadas pelos internos devido, por exemplo, a estágios fora da instituição que incluem serviço de urgência”.
Segundo os médicos em formação, esta situação gerou uma “necessidade constante de reformulação das equipas, nem sempre respeitada pela direção”.
“Na maioria dos turnos, as equipas estavam abaixo do número mínimo necessário para assegurar um atendimento adequado” à população abrangida pelo Hospital Fernando Fonseca, alertam na carta, que refere que um dos turnos decorreu com uma equipa de urgência “composta exclusivamente por prestadores de serviço especialistas”.
Já em relação ao bloco operatório eletivo, os médicos internos de cirurgia geral referem que, em janeiro, “foram operados apenas nove doentes oncológicos”, além de alguns procedimentos adicionais, e na primeira semana de fevereiro “cerca de metade dos doentes agendados foram cancelados”.
Os alertas estendem-se ainda ao funcionamento da consulta externa, com a carta a salientar que os internos continuam a realizar consultas nas tardes “com uma média de 20 doentes” que são atendidos entre cinco e 10 minutos cada um, “sem a presença de especialistas para discussão de casos”.
“As consultas dos especialistas (agendadas para o período da manhã) têm sido frequentemente desmarcadas para suprir a carência de médicos no serviço de urgência”, denunciam também os signatários da carta.
Relativamente às “relações interpessoais”, os médicos internos realçam que "o ambiente no serviço mantém-se hostil e opressivo”, em contraste com o que se vivia “antes do êxodo” dos especialistas em outubro.
“Em suma, mantém-se um clima de insegurança profissional e não vislumbramos, a curto prazo, uma solução para o problema”, termina a carta, que salienta que qualquer reestruturação do serviço de cirurgia geral “não pode, nem deve, ocorrer à custa dos internos”.
Ângela Rodrigues é uma das médicas signatárias do documento entregue a Ana Paula Martins. Em declarações à TSF, a profissional explica que os doentes que acedem ao Hospital Amadora-Sintra "não tem uma equipa completa".
A "qualidade" que o serviço de cirurgia geral teve nos "últimos 30 anos" deve ser restabelecida
"Quando uma equipa cirúrgica está a operar um doente urgente, têm de estar dois médicos a operar. Não pode estar um médico sozinho em balcão, em presença física na urgência. As equipas são constituídas por seis médicos, porque tem algo lógico: dois médicos poderão estar a operar e estariam outros quatro médicos a ver os doentes em balcão nas urgências. Quando as equipas estão diminuídas, há dificuldade no atendimento porque os dois médicos cirurgiões podem estar a operar durante duas a três horas no bloco operatório e fica um interno sozinho, que deve estar tutelado, ou outro médico tarefeiro a atender os doentes", realça.
Reforça, por isso, que a responsável pela pasta da Saúde "deve" reunir-se com as equipas médicas cirúrgicas, a fim perceber se entre os cirurgiões demissionários existe algum interessado em regressar ao Hospital Fernando Fonseca, a fim de devolver a "qualidade" que este estabelecimento "teve nos últimos 30 anos e que agora não tem".
"A ministra deve-se reunir com as equipas médicas cirúrgicas que estão neste momento no Amadora-Sintra e Deve auscultar a realidade do serviço e perceber qual é o problema", defende.
Em 15 de janeiro, a Ordem dos Médicos (OM) considerou que o Hospital Fernando Fonseca estava sem condições para assegurar a formação dos médicos internos de formação específica, que “vão ter de sair” do ULS Amadora-Sintra.
Na resposta, a ULS Amadora-Sintra contestou esta posição da OM e assegurou que o Hospital Fernando Fonseca tem condições para garantir a formação dos internos de formação específica na sequência da contratação de mais médicos.
Na segunda-feira, o diretor do serviço de Urgência do Amadora-Sintra, Hugo Martins, demitiu-se do cargo, e o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, pediu a intervenção direta da ministra da Saúde na ULS, considerando que o conselho de administração não consegue dar resposta à falta de profissionais.
