CMG despediu 106 pessoas: o dinheiro "até hoje está lá", mas já há ciclos sem angústia
Em novembro de 2023, mais de uma centena de trabalhadores foram despedidos da fábrica de cerâmicas. Dizem ter ainda tudo por receber: indemnização, subsídios de alimentação, diuturnidades e as horas de formação "que não foram dadas".
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Joaquina Costa estava há mais de 30 anos na fábrica de cerâmicas CMG, em Torres Novas. Márcia Santos tinha lá passado os últimos 27 dos seus 45 de vida. Os sinais de que algo ia mal já por lá andavam há alguns meses.
O primeiro foi quando os pagamentos deixaram de vir inteiros: “Ou recebíamos faseado, em prestações - e ordenados pequenos por duas ou três vezes é difícil -, ou nunca sabíamos o dia em que íamos receber.”
A angústia chegava à vida de Márcia “todos os meses” acompanhada de “nervos em franja” e até lá em casa “se refletia um bocadinho”. Chegou a ponto de ser “praticamente o marido a suportar tudo, foi difícil e estava penoso”.
Em novembro, o ano de 2023 já era o segundo pior de sempre em Portugal em termos de despedimentos. Foi precisamente nesse mês que 106 trabalhadores da CMG se juntaram, por vontade da administração, a esse conjunto de rostos e histórias, mas também de estatística.
Nem foi uma gota, foi mesmo um balde de água fria cabeça abaixo. Viemos todos.
“O administrador o que nos disse foi: ‘Tomem um papel para o fundo de desemprego e vão-se embora.’”, conta Joaquina, uma de 105, à TSF. “E está feito, nem indemnizações, nem nada.”
Podia ter sido apenas a “gota de água”. Fria, ainda por cima. Mas não, para esta a partir dali ex-trabalhadora foi mais do que isso, “foi mesmo um balde de água fria cabeça abaixo”.
Por esta altura, janeiro de 2024, ainda está por receber “toda a indemnização, anos de casa” e até “três meses de 2022, com subsídio de alimentação e diuturnidades por receber”. O dinheiro “até hoje está lá”, como estão também as “horas de formações que não foram dadas”.
O contraste na carteira é o óbvio: de um lado, milhares de euros por receber, do outro os cêntimos, aquelas moedas mais leves que passaram a ter um peso diferente. A pergunta que assola é uma: “Agora o que é que eu vou fazer à minha vida?”
O marido de Joaquina também está desempregado, pelo que deixaram de poder contar “com um ordenado de 700 euros” e o orçamento familiar passou a construir-se sobre “500”. Mudou “tudo, tudo, tudo”.
Nas compras estão “sempre a ver os preços, o que é que é mais barato e o que é que não é”. Antes Joaquina "comia carne, podia ir se calhar comprar na altura um bife de peru”. Agora confessa que não pode. Como também não pode, "ao fim de semana, sair de manhã e ir dar uma volta no carro. Neste momento, não faço isso.”
Com 61 anos de idade e 31 de casa na CMG, confessa que a própria e todos os colegas deram “cabo da saúde”. Falta o adjetivo para classificar o estado em que tem “os pulsos e as mãos”, e não sabe sequer se vai conseguir – como os outros colegas - “trabalhar por turnos numa altura destas, porque agora é o que há”. E a renda vai sendo suportada porque vive numa casa camarária.
"Subiu-me a autoestima"
Fim de ciclo. É assim que Márcia, aos 45 anos, vê o despedimento. Foi “triste e mau para muitos colegas que não conseguiram ainda arranjar emprego, mas da maneira que estava também já não era para ninguém". E logo no em que foi despedida, novo ciclo.
O telemóvel tocou no dia em que recebeu a carta de despedimento. Do outro lado estava outra empresa de cerâmica da zona. "Fui a uma entrevista e fui selecionada para integrar a empresa”, conta.
De um ciclo ao outro foram cinco dias. O ramo de trabalho mantém-se, mas Márcia já não pinta louça. O trabalho é “mais físico” e “não tem nada a ver com criatividade” nem com o que fazia antes, mas compensa.
“Essa é a parte que levo, é saber que naquele dia, portanto, o último do mês, o ordenado está na conta e vem todo.” No fundo, “não há” a angústia que outrora se abateu na vida desta trabalhadora.
E não é só na carteira ou na conta bancária que Márcia sente o peso positivo da mudança de ares. Na cabeça e no espírito também se respiram novos ares: "Sou estimada, estou num sítio novo, fui recebida de braços abertos e não podia querer mais, é muito bom. Subiu-me a autoestima, foi brutal.”