Com comportas e tempestade a caminho, Algés quer evitar voltar a ser uma Veneza
A rua Major Afonso Palla também é conhecida como a "das estátuas", mas nos temporais de dezembro do ano passado chegou a ter um terceiro nome: a de "Veneza de Algés". Agora, a missão é evitar que tudo se repita.
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Entramos na garagem do centro de saúde de Algés com o segurança de serviço. Célio Santos lembra-se bem de como, em dezembro do ano passado, a água entrou com força nos três pisos subterrâneos: "Rebentou com tudo o que há cá em baixo: com a parte elétrica, a central de alarme, a central de incêndios, a central de bombagem... Tudo."
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Atrás de um portão que Célio abre estão as comportas instaladas pela Câmara Municipal de Oeiras, uma tentativa de evitar a destruição que ficou à vista de todos no final do ano passado, num conjunto de episódios que chegou a provocar a morte de uma pessoa.
"Se houver dias como os que agora aí vêm, vamos fechá-las", explica o responsável, referindo-se ao alerta laranja emitido pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). A culpada é a tempestade Aline, que vai provocar intempéries a partir do final da tarde desta quarta-feira e deve provocar ocorrências como quedas de estruturas e inundações, precisamente o que se quer evitar em Algés.
As novas comportas do centro de saúde estão junto à entrada do acesso à garagem. Célio tem "esperança" de que possam mesmo ser uma solução, e até faz contas ao que viu e ao que pode evitar rever.
"No ano passado [a água] entrou até aos 80 centímetros [de altura]. Neste caso, com estas comportas e se a ribeira não rebentar, vai resolver de certeza", acredita.
De volta à superfície, numa das ruas de Algés - a Major Afonso Palla, conhecida como "das estátuas" - já se percebe que os comerciantes estão a preparar-se para o pior. Há sacos de areia pelo chão e outro tipo de comportas já prontas a ser colocadas nas entradas e montras dos negócios.
Um dos responsáveis por fazê-lo é Rodrigo Silva, que trabalha para uma empresa contratada pela câmara de Oeiras e passou as últimas horas a instalá-las. Explica à TSF que são "todas vedadas com cola e veda para poderem estancar a água e têm um sistema de travão com borrachas" para evitar a passagem da água.
Já tratou de quase toda a rua e são bem visíveis os painéis de inox. Cada comporta é composta por três placas com 60 centímetros de altura, o que quer dizer que, depois de concluída a montagem, protegem até uma altura 1,80 metros.
Um pouco mais à frente na rua está, à porta do seu espaço de saúde e bem-estar, Paulo Fragoso, que lamenta que a ajuda da câmara não seja maior.
"Tem sido uma porta para cada comerciante", conta, "mas no meu caso, que tenho uma loja bastante grande, tenho nove montras de vidro e uma única porta coberta", pelo que o resto fica entregue à sorte. "Sabe-se lá, é se nada lá bater...", confessa.
Só as comportas é que vieram da câmara. Os sacos de areia, explica, foram comprados por cada um dos comerciantes como reforços nesta luta contra a natureza de que Paulo já saiu derrotado.
A loja de que é dono está abaixo no nível da rua - é quase um piso "menos um" - e no ano passado teve "perda total" com as cheias. "Foram prejuízos muito elevados", na ordem das centenas de milhares de euros, e obrigaram-no a estar perto de três meses de portas fechadas.
Foi um dos muitos casos que, todos juntos, representaram prejuízos de mais de 19 milhões de euros, segundo números da câmara de Oeiras. Também por isso, Isabel Marina, dona de um restaurante poucas portas ao lado do espaço de Paulo, decidiu apostar na prevenção não só esta noite, mas já ao longo das últimas.
Recebeu as comportas na última sexta-feira e tem-nas colocado desde há "duas ou três noites", mantendo até algumas em pontos fixos do seu espaço. Não se mostra especialmente confiante de que sejam o suficiente para evitar o pior caso chova muito, mas reconhece que "se esta for a solução, ótimo".
Um outro comerciante comenta, com algum sentido de humor, que a rua chegou a ter um terceiro nome depois das cheias do ano passado: "Veneza de Algés". Quem aqui trabalha espera que nas próximas horas não surjam mais motivos para que a alcunha volte a ganhar atualidade.
Rodrigo promete ajudar, até porque ainda tem mais trabalho pela frente. Fecha a carrinha e continuar a missão do dia: montar comportas que, caso o pior aconteça, possam ajudar a fazer frente à água.
Quem não vai poder avaliar a solução são os comerciantes de outra rua a poucos passos da Major Afonso Palla, ainda na baixa de Algés, mas já mais perto da estação de comboios.
Uma comerciante que não quis falar de viva voz com a TSF queixa-se de que as lojas daquele local foram esquecidas e de que a câmara só se tinha lembrado da rua dos três nomes.
Com a tempestade Aline a atravessar o Atlântico e a aproximar-se da região centro da costa ocidental de Portugal na manhã desta quinta-feira, a ANEPC já recomendou que se evitem deslocações desnecessárias devido à previsão de chuva e vento forte.
O segundo comandante da ANEPC, Miguel Cruz, disse que o nível de prontidão do dispositivo vai subir de amarelo para laranja, o segundo mais elevado, a partir das 00h00 desta quinta-feira. Está previsto que a chuva comece no norte e centro ainda esta noite e se alastre a todo território continental.
