Terminou 2018 com duas estrelas Michelin no restaurante Alma, em Lisboa, e aponta a 2019 como um ano com possibilidades "excelentes". O chef Henrique Sá Pessoa sublinha na TSF que nunca se comeu tão bem em Portugal e que os portugueses também estão mais exigentes de faca e garfo na mão.
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Cabrito. Uma porção cozinhada a baixa temperatura. É este o prato que Henrique Sá Pessoa elege para o arranque do ano, um 2019 rico em possibilidades e que simboliza, em termos pessoais, a consolidação de todo o trabalho feito. A entrevista não foi acompanhada pelo cabrito, mas a comida esteve sempre lá, até porque "nunca se comeu tão bem em Portugal". Mas começamos por 2018...
"Qualquer atribuição no guia Michelin, nomeadamente uma segunda estrela no espaço de três anos, é sem dúvida um pico de carreira. E, talvez, em termos profissionais, dentro daquilo que é o Alma e o projeto mais pessoal que tenho, foi sem dúvida o pico da minha carreira profissional. Não podia ter acabado melhor, foi um ano em grande", começa por realçar o chef Henrique Sá Pessoa.
Com uma segunda estrela atribuída ao restaurante que tem no Chiado, Sá Pessoa não esconde que esta distinção é sinónimo de responsabilidade. "Assim que temos essa nomeação, temos aquele entusiasmo e aquela excitação do reconhecimento mas, ao mesmo tempo, passado meia hora, já estamos a pensar que isto requer uma grande atenção e grande responsabilidade", explica. Lembrando que a estrada que levou a esta estrela vem desde 2009, ano que marcou o início do projeto Alma, Sá Pessoa não esconde que o caminho foi "duro, longo, com uma crise pelo meio, com muitas alterações em termos profissionais, com uma nova parceria que veio dar uma lufada de ar fresco em termos de estrutura de trabalho e de objetivos".
E o bom momento gastronómico em Portugal vem também acompanhado pelo bom momento do país e da economia, disso Sá Pessoa não tem dúvidas. "A cozinha portuguesa está também a ter cada vez mais um reconhecimento internacional, a cidade de Lisboa e Portugal são cada vez mais um destino reconhecido internacionalmente. Todos esses fatores contribuem para que o nosso trabalho seja mais facilmente reconhecido e que nos dê bases e segurança, principalmente segurança financeira. Este tipo de restaurantes depende muito da situação económica do país e, quando a situação económica é favorável, também temos mais margem de manobra para podermos trabalhar, para sermos mais criativos e arriscarmos mais", nota o chef de 43 anos.
Mais uma estrela para impulsionar o negócio?
O chef não esconde que a distinção no guia Michelin impulsiona o negócio, mas lembra que quando ganhou a primeira sentiu um maior impacto. "Ainda não sentimos o efeito da segunda estrela, acho que em 2019 vamos senti-lo com um tipo de cliente mais exigente, um tipo de cliente que procura cada vez mais uma experiência mais refinada, mais gastronómica, mais pessoal. Acho que em 2019, vamos sentir mais a presença dessa segunda estrela, mas em termos de negócio, acho que a partir do momento em que atingimos a primeira estrela, essa montra e essa aceitação... a própria procura de clientes internacionais notou-se logo muito. Desde 2017, estamos a crescer muito no número de clientes, também crescemos muito na qualidade e serviço da cozinha apresentada", conta Henrique Sá Pessoa.
Para os próximos anos, o objetivo passa por consolidar o trabalho que tem vindo a ser feito. Até porque, diz Sá Pessoa, tem consciência de que "foi uma ascensão muito rápida". "Acho que, acima de tudo, o mais importante nos próximos anos é definir um caminho para o Alma porque será sempre a nave central de todos os projetos. Isso é, obviamente, uma coisa que é delineada em conjunto com o meu sócio e com a minha equipa. Mas acho que é muito importante que todos os projetos tenham muita qualidade. Esta segunda estrela traz responsabilidade, não só para o Alma, mas para todos os projetos porque as pessoas vão sempre avaliar a qualidade de todos os projetos associados ao Henrique Sá Pessoa como chef medidos por essa fasquia estar tão elevada", sublinha.
Já depois de realçar que é um marco na carreira, o chef natural de Oeiras também tem consciência de que uma distinção como esta é importante para o país. "É importante que Portugal vá somando estrelas Michelin como somou este ano: mais três restaurantes com estrelas e mais um restaurante com duas estrelas. Que nos próximos anos venham mais, que nos próximos anos venha uma terceira estrela para Portugal - uma ou mais - e que, cada vez mais, o nosso reconhecimento gastronómico internacional seja maior e que estejamos ao nível dos italianos, dos franceses e dos espanhóis. Temos essa riqueza em termos de património e em termos de produtos e, neste momento, temos uma riqueza na própria classe de chefs que está muito mais preparada e focada", avalia Henrique Sá Pessoa.
Sublinhando que houve um certo dissabor com os resultados do guia Michelin em 2018, o chef prefere ver o copo meio cheio. "Sentimos que podia ter havido mais restaurantes a serem reconhecidos. É normal que haja sempre expectativas de haver mais estrelas, principalmente, quando o guia foi lançado em Portugal. Mas o balanço que podemos fazer é de que nos últimos 5/6 anos, em todos os anos Portugal somou estrelas e não perdeu. Espanha, este ano, ganhou muito mais estrelas do que Portugal, proporcionalmente ao tamanho do país... Espanha ganhou 23 estrelas, restaurantes com uma estrela, mas também perdeu 10. O nosso crescimento, proporcionalmente a outros países, o saldo tem sido sempre positivo", conta.
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Por isso mesmo, Sá Pessoa nota que "a restauração tem tido uma grande evolução nos últimos anos em Portugal" e que "hoje em dia, come-se melhor do que nunca". "É importante manter e lutar pela cozinha tradicional. Acho que esta nova geração de chefs preocupa-se com isso e, principalmente, com os produtos e com a valorização dos produtos portugueses. Vejo 2019 como um excelente ano e com possibilidade de crescermos mais, acho que há ainda muitos chefs que estão a dar cartas e que vão dar cartas e que certamente serão reconhecidos tanto no guia Michelin, como [naquele que é] o principal reconhecimento que podemos ter e que é termos o restaurante cheio e saber que podemos cumprir com os nossos deveres com fornecedores e empregados", afirma.
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O português está mais exigente
"Os portugueses estão mais exigentes" e, disso, Sá Pessoa não tem dúvidas. "Durante muitos anos, tínhamos uma cultura de restaurantes tradicionais, de tasca... Acho que é uma cultura que continua e irá sempre continuar. É importante e faz parte da nossa cultura esse tipo de restaurantes e de experiências. Mas evoluímos. Hoje em dia temos vários tipos de gastronomias, as pessoas viajam cada vez mais, as pessoas estão cada vez mais informadas", explica o chef. "Consequentemente, são muito mais exigentes. Tudo isso veio obrigar a que a própria indústria da restauração se fosse atualizando e, cada vez mais, formando. Hoje em dia, o português é muito mais exigente do que era há 20 anos", diz.
No Alma, a maior presença é de clientes internacionais, mas agora com a segunda estrela, a equipa de Henrique Sá Pessoa sente que há também muitos clientes portugueses a querer conhecer o restaurante. Ainda assim, Sá Pessoa diz ter consciência de que quando se fala em alta cozinha, os preços não são os mais acessíveis. "Muito poucos portugueses podem dar-se ao luxo de fazer uma refeição de 150 a 200 euros por pessoa com frequência. Coisa que, se calhar, para um americano, inglês ou francês tem mais possibilidade. Depois também sabemos que as pessoas quando viajam estão mais predispostas a gastar do que quando estão em casa. Eu quando viajo, mais facilmente gasto num restaurante ou numa compra do que quando estou em Portugal", conclui o chef.