Da esquerda à direita todos os partidos com assento parlamentar defendem uma Justiça mais acessível, rápida e transparente. Nos programas eleitorais para a próxima legislatura há propostas que os aproximam, mas também visões muito diferentes sobre o estado do setor.
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Depois de ler os programas eleitorais das diferentes cores politicas há bandeiras que saltam à vista: para o Partido Socialista (PS) investir na Justiça é um dos quatro pilares obrigatórios para valorizar a soberania do Estado; o Partido Social-Democrata (PSD) defende uma reforma urgente para recuperar a confiança dos portugueses; o CDS diz que o atual sistema é pouco amigo dos cidadãos, da economia e da competitividade; o Bloco de Esquerda (BE) nota que é preciso traduzir na Justiça a centralidade dos serviços públicos; o Partido Comunista Português (PCP) considera que é preciso mais investimento e o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) acredita que é necessário fazer mais para democratizar o sistema.
Depois surgem as promessas: o PS de António Costa compromete-se a apresentar publicamente, de dois em dois anos, dados sobre o tempo médio das decisões judicias, por tipo de processo e por tribunal. O partido socialista garante ainda que vai criar uma base de dados, acessível a todos os cidadãos, com informações estatísticas sobre os conteúdos das decisões judiciais.
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O PSD de Rui Rio quer que os Conselhos Superiores sejam mais independentes e democráticos e passem a ter uma maioria de membros não-magistrados, como personalidades de áreas sociais e culturais, sem vinculo obrigatório ao setor jurídico. Para isso, o Partido Social-Democrata defende uma revisão da lei, de forma a que as nomeações possam ser feitas por várias instituições e personalidades, como o Presidente da República (PR). O partido quer ainda garantir a igualdade de género na composição dos Conselhos Superiores nos mesmos termos da lei que se aplica ao Parlamento nacional.
Já o CDS de Assunção Cristas admite uma revisão constitucional para fundir o Conselho Superior da Magistratura ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e criar o Conselho Superior do Poder Judicial. Tal como o PSD, o CDS concorda que o PR deve poder nomear membros do Conselho Superior do Ministério Público, mas ressalva que a presença de magistrados deve ser superior à de não-magistrados. Os centristas querem ainda criar um regime de proteção do denunciante no âmbito dos crimes económico-financeiros, rever o Regime Geral das Contraordenações e contornar a complexidade e a lentidão dos megaprocessos com a separação de processos dos respetivos arguidos.
Quanto ao BE de Catarina Martins defende o fim dos vistos gold, a criação de um Serviço Nacional de Justiça e a ampliação dos tribunais de júri aos processos de natureza cível, de forma a permitir um maior envolvimento dos cidadãos na administração e no funcionamento do sistema judicial. Os bloquistas propõem ainda que seja criado um programa nacional de formação para advogados inscritos na área do acesso ao Direito e aos tribunais, em nome da melhor qualidade dos serviços.
O PCP de Jerónimo de Sousa quer rever o regime do apoio judiciário, estudar a criação de um serviço público para a defesa oficiosa e patrocínio judiciário e atualizar anualmente o valor das remunerações devidas aos advogados no âmbito do apoio judiciário.
O PAN quer um maior escrutínio sobre os deputados e pretende que a pagina da Assembleia da República na internet seja mais transparente. O partido de André Silva quer que sejam divulgadas remunerações, registo de interesses, ofertas de bens materiais e o sentido de voto de cada deputado nas iniciativas votadas em plenário. Alem disso, e no setor prisional, o propõe a criação de protocolos com ONGs para a inspeção de prisões e condições de tratamento de reclusos e guardas prisionais, com divulgação publica dos relatórios.
Apesar das divergências há bandeiras comuns às diferentes cores politicas. Em traços gerais, os programas eleitorais dos cinco partidos com assento parlamentar na corrida às eleições destacam os elevados custos das taxas de justiça, a importância da resolução alternativa de litígios, a carência de apoio técnico especializado aos magistrados, a falta de meios no combate à corrupção e os desafios do sistema prisional.
Custas judiciais
Não há partido que não toque neste assunto. Os socialistas admitem que é preciso rever os custos excessivos nos casos sem alternativa à composição de um litígio, o PSD quer a isenção do pagamento para quem ganha o salário mínimo e escalões progressivos, o CDS pretende criar uma comissão de avaliação e rever o regulamento das custas processuais, o BE quer que o acesso seja gratuito, através de uma política de apoio judiciário, o PCP defende a revisão do regime e o alargamento dos critérios para a isenção e o PAN tenciona aperfeiçoar o regime de isenções e suprimir o teto máximo das taxas de justiça com base no valor da ação.
Julgados de Paz
O PS promete reforçar o número de julgados de paz, em parceria com as autarquias, comunidades intermunicipais e outras entidades públicas e apostar na especialização para questões como regulação do poder paternal, condomínio e vizinhança.
Também o CDS quer ampliar a rede de julgados de paz e reforçar os meios humanos e materiais, para que possam ter as mesmas garantias que os tribunais.
O mesmo defende o PCP, que quer aumentar as competências desse meio de composição de litígios.
BE e PAN não aprofundam o assunto, que não merece qualquer referencia no programa eleitoral do PSD.
Assessoria técnica especializada
O partido de António Costa admite que é preciso dotar os tribunais de assessores especializados para apoiar os juízes em casos com maior complexidade técnica.
O mesmo escreve o partido de Rui Rio, que fala no "aperfeiçoamento e intensificação do apoio técnico aos magistrados".
Para Assunção Cristas estes assessores técnicos podem, e devem, libertar os juízes do trabalho mais burocrático nas áreas económicas, financeiras, contabilísticas e informáticas, entre outras.
O Bloco de Catarina Martins nota que a assessoria técnica qualificada permite um conhecimento multidisciplinar.
O programa de Jerónimo de Sousa refere que as estruturas de apoio direto vão permitir aos magistrados concentrarem-se no essencial.
O PAN de André Silva não menciona a questão.
Combate à corrupção
Alem da formação especializada dos magistrados e das equipas técnicas multidisciplinares nos tribunais, todos os partidos concordam que é preciso reforçar os meios humanos, informáticos e periciais do Ministério Público e da Polícia Judiciária.
O PS promete passar a publicar um relatório nacional anticorrupção, o PSD quer um controlo mais apertado nos setores com maior risco de corrupção e limites para os vistos gold em alguns setores produtivos.
Já o BE, que defende a "eliminação dos vistos gold da ordem jurídica portuguesa", pretende que o património e os rendimentos dos políticos e dos altos cargos do Estado sejam fiscalizados por uma Entidade para a Transparência.
Quanto ao CDS promete criar uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Criminalidade Organizada.
Já o PAN, à semelhança dos centristas, acredita que um regime de proteção de denunciantes pode ajudar a combater o fenómeno.
Sistema prisional
O assunto não passa despercebido em nenhum programa eleitoral. Entre outras medidas, os socialistas admitem que é preciso investir na modernização das prisões, aumentar o acesso dos reclusos a cuidados de saúde e criar modelos alternativos ao cumprimento de pena privativa da liberdade.
O PSD quer criar uma Lei de Programação do Sistema Prisional para o planeamento plurianual das atividades, como organização, instalações, educação para a reinserção, sistema tutelar educativo e procedimentos especiais de contratação pública.
O CDS promete um escrutínio rigoroso sobre a Estratégia de Requalificação e Modernização do Sistema de Execução de Penas e Medidas Tutelares Educativas apresentado em 2017. O partido de Cristas quer ainda que o Governo passe a apresentar à Assembleia da República um relatório anual sobre os investimentos, as condições de detenção dos reclusos e os meios humanos e técnicos.
Também o PCP defende a aprovação de uma Lei de Programação de Investimentos no Parque Prisional, para garantir a correta gestão e humanização do sistema.
O BE nota que é preciso apostar na reinserção social desde o inicio da pena e através do trabalho e da formação profissional.
No mesmo caminho, o PAN propõe alargar o Programa em Regime Aberto ao Exterior a mais reclusos para que possam trabalhar fora da prisão em programas conjuntos com empresas públicas e privadas e o fim do outsourcing nos serviços de saúde prisional.