Como vai estar Portugal em 2030? Gulbenkian traça três cenários para o futuro do país
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Dentro de dez anos, Portugal pode estar a apostar em setores como a aeronáutica, o espaço e a exploração de oceanos, e a aproveitar todas as potencialidades do digital e do 5G para promover a coesão do território. Ou pode ser um país periférico, afetado pelo envelhecimento da pirâmide demográfica, e sem capacidade para sustentar o sistema de pensões e o Serviço Nacional de Saúde. As hipóteses estão em aberto e são trazidas à luz pelo projeto Foresight Portugal 2030, divulgado esta sexta-feira pela Fundação Calouste Gulbenkian.
A ideia é olhar para a trajetória feita por Portugal nas últimas décadas, e para as transformações internacionais à sua volta, para pensar por onde pode seguir o país nos próximos anos. De olhos postos no crescimento económico, na coesão social e na adaptação às alterações climáticas, o estudo traça três cenários possíveis para o futuro do país.
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"Temos a classe política, que discute muito os problemas e as decisões do momento, e o resto do país, que mantém muito a distância ou que discute as questões com alguma superficialidade. Faz falta quem pense e quem apresente os cenários possíveis para o futuro, quais são os desenvolvimentos que nós devemos esperar relativamente ao mundo que nos rodeia, mas também quais são as consequências que decorrem daquilo que são padrões estruturais do país", aponta Miguel Poiares Maduro, presidente da Comissão Científica do Fórum Gulbenkian Futuro, descrevendo a missão deste estudo.
Aquilo que o estudo oferece é um mapa do futuro e, como em qualquer mapa, há várias estradas que podem ser tomadas
O projeto, que surgiu em 2019, cruza questões económicas e financeiras com questões demográficas, sociais, tecnológicas, ambientais, geoeconómicas e geopolíticas, tendo em vista a criação de hipóteses que orientem as estratégias a implementar durante esta década. A reflexão é feita em torno de três objetivos centrais: a retoma do crescimento económico, a mitigação e adaptação às alterações climáticas, e a coesão e a mobilidade sociais.
"Nós não optamos por nenhum cenário nem dizemos que um é melhor do que outro. Os cenários são, na realidade, modelos heurísticos, no sentido em que nos ajudam a conhecer o leque de opções que temos, mas não tomam essas opções por nós nem pelos nossos responsáveis políticos", sublinha Poiares Maduro. "Aquilo que o estudo oferece é um mapa do futuro e, como em qualquer mapa, há várias estradas que podem ser tomadas."
Os três cenários a que chegaram os 19 investigadores envolvidos no projeto assentam em três dinâmicas distintas. O primeiro cenário - "Confiança na continuidade" - mostra os resultados de um prolongamento das políticas atuais. O segundo cenário - "Com engenho, em busca de um novo espaço na Europa" - retrata os efeitos de um ajustamento na estratégia adotada pelo país. Já o terceiro e mais ambicioso cenário - Portugal 4D - digitalização, diversidade, dinamismo e distinção" - equaciona um total reposicionamento do país.
Somos surfistas: só chegamos à praia se tivermos capacidade de identificar as ondas
Além dos três cenários traçados, o Foresight Portugal 2030 faz ainda um enquadramento europeu e mundial (evidenciando o modo como as potências, a distribuição de poder e as rivalidades internacionais podem influenciar o futuro português) e um retrato da evolução recente e da situação atual de Portugal. No final, é ainda introduzia uma "wild card" - uma hipótese que pode parecer pouco provável, mas que, a acontecer, modificaria significativamente os cenários projetados: o que aconteceria se a dívida pública à União Europeia fosse alvo de uma reformulação?
Nós somos um bocadinho surfistas", resume José Félix Ribeiro, o coordenador do projeto Foresight Portugal 2030 e o homem por trás dos três grandes cenários traçados, "só chegamos à praia - e a praia, neste caso, é o crescimento e a prosperidade, se tivermos capacidade de identificar as ondas".
A posição geoeconómica e as relações com outros países
O estudo projeta diferentes cenários para a posição que Portugal poderá, em 2030, assumir, a nível internacional, dependendo do nível de abertura que se mostrar capaz de assumir.
"Nós hoje somos uma periferia europeia permanentemente assistida pelos fundos europeus, então temos um cenário em que, na prática, iríamos continuar assim. Depois temos um outro cenário em que dizemos que a União Europeia mudou, e ela quer hoje ser um ator global. Mas uma terceira hipótese é considerar que a União Europeia pode não ter sucesso nessa sua ambição, ou essa sua ambição pode ser realizada de uma maneira que não nos dê um lugar suficiente - então, temos um terceiro cenário, em que estamos à mesma na União Europeia, mas procuramos ter relações com os Estados Unidos, o Japão e a CPLP", refere José Félix Ribeiro.
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Assim, no primeiro cenário, Portugal assume-se como um país periférico de orientação continental, que mantém fortes relações económicas externas com a União Europeia e algumas relações bilaterais na Europa centradas em Espanha, Alemanha, França, além de relações crescentes na Ásia, centradas na China.
O segundo cenário é muito mais marcado por uma matriz marítima e projeção euro-atlântica, com relacionamentos europeus bilaterais que privilegiam os Estados da fachada Atlântica Europeia, mas em que também há um aprofundamento de relações no espaço lusófono.
Já o terceiro cenário prevê uma rede euro global, em que Portugal toma uma matriz marítima e geografia arquipelágica, com forte relação histórica com a Ásia, tem um relacionamento mais intenso com economias prósperas e inovadoras fora da Europa e contribui para o reforço do papel internacional da CPLP.
Valorização do território, especialização, agenda digital e infraestruturas
Ao nível do território, o primeiro cenário desenhado no Foresight Portugal 2030 segue a ótica da continuidade e vê as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto como os arcos em que assenta a internacionalização da economia. O segundo cenário pensa já um reforço das relações marítimas e aéreas destes arcos, com um papel dinamizador das cidades de média dimensão, enquanto o terceiro cenário procura trazer mais-valia ambiental e histórica às zonas de baixa densidade populacional, procurando fazer do território um atrator de novos visitantes, novos residentes e novas atividades.
Em termos de especialização internacional, o primeiro cenário baseia-se na oferta exportadora tradicional, o segundo procura novas atividades e uma maior complexidade económica, e o terceiro centra-se na aposta em quatro novas áreas de desenvolvimento - aeronáutica, espaço, oceanos, e energia sustentável e hidrogénio turquesa - e na criação de novas plataformas industriais.
Quando entramos no tema da agenda digital, os cenários também se dividem: o primeiro está centrado na literacia da população e na modernização do Estado e das empresas; o segundo na oferta de serviços e conteúdos no mercado externo e o terceiro procura combinar a oferta digital com a inovação do país, em áreas como a computação avançada, big data e inteligência artificial.
Passando à agricultura, o cenário mais conservador encara-a como modo de abastecer o mercado interno, de aumentar as exportações e de responder a choques externos no abastecimento, mas um segundo cenário já a vê como elemento da especialização internacional, procurando inverter a quebra na área irrigável. Finalmente, o terceiro cenário opta pela mobilização da política das "quatro agriculturas": o agronegócio, a grande agricultura fundiária; a média agricultura e a pequena agricultura para consumo familiar.
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Em relação aos recursos hídricos e à zona costeira, o primeiro cenário não antevê diversificação das fontes primárias de água e fala numa insuficiente proteção dos aquíferos subterrâneos. O segundo cenário já olha para a reserva estratégica de água, além de um investimento nas zonas costeiras e de estuários. O terceiro cenário prevê ainda uma diversificação das fontes de água e o uso de tecnologias inovadoras para o seu uso mais eficiente.
No que toca à energia, há a hipótese de continuar a investir em energias renováveis como a solar e eólica, a hipótese de alargar o investimento também à energia das ondas e à produção de hidrogénio verde, ou mesmo de armazenar eletricidade renovável em larga escala com recurso às novas gerações de baterias e apostar nas células de combustível (fuel cells) para o fornecimento de eletricidade e calor nas áreas metropolitanas.
Se o tema for os transportes, o primeiro cenário passa pelo investimento prioritário na ferrovia, seja no traçado e infraestrutura da Linha norte, seja na modernização das Linhas da Beira Alta e Beira Baixa ou no transporte para o centro da Europa, com a possibilidade do projeto de TGV Lisboa-Madrid. Além deste investimento, o segundo cenário foca-se no transporte rodoviário e no transporte marítimo de curta distância para a Europa Central e do Norte. Já o terceiro cenário assenta na renovação verde e digital do transporte rodoviário (com novos sistemas de propulsão e da condução autónoma aliada ao 5G), na renovação das redes ferroviárias urbanas de passageiros (optando pela redução do investimento em infraestruturas de retorno mais incerto) e no transporte aéreo, com o novo aeroporto de Lisboa e um operador aéreo português competitivo.
Por fim, falando de telecomunicações, o primeiro cenário continua dominado pelo atraso da instalação do 5G; o segundo cenário olha para a conectividade interna e internacional como prioridade e equaciona um polo de especialização no país, que acompanhe um consórcio europeu Ericsson-Nokia; enquanto o terceiro cenário projeta uma implementação integrada de aplicações 5G, ao nível dos cuidados de saúde primários, criação de sistemas de alerta para riscos naturais e de prevenção de incêndios, e da circulação de transporte rodoviário sem condutor e de veículos autónomos, como drones.
Modelo económico e social
No estudo hoje divulgado, a Fundação Calouste Gulbenkian não deixa de lado a reflexão sobre áreas essenciais do futuro do país, como o sistema financeiro, a proteção social, o ensino e a inovação.
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No primeiro cenário projetado pelo Foresight Portugal 2030, o sistema financeiro assenta na banca comercial, focada no rédito à habitação, à construção, ao imobiliário e às infraestruturas, e há uma grande dependência dos fundos europeus para financiar investimentos estruturantes. Há uma continuidade do modelo de Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde, com crescentes dificuldades de sustentabilidade. Os jovens têm dificuldade em conseguir empregos com rendimentos compatíveis com a elevada escolarização e há uma insuficiente preparação da sociedade para a economia da longevidade.
No segundo cenário, há um papel crescente do Banco Português de Fomento e um aumento das empresas portuguesas na Euronext. Verifica-se um reforço da capitalização da Segurança Social e uma maior articulação entre o Serviço Nacional de Saúde e os privados, além do reforço do papel dos cuidados de saúde primários. Em termos geracionais, estão previstos cursos orientados para novas competências (conforme as necessidades das empresas) e uma diversificação de apoio ao rendimento e às estruturas de acolhimento de idosos.
Já o terceiro cenário projeta, além das soluções anteriores, um papel central do mercado de capitais e novas formas de obtenção de rendimento a partir de património acumulado pelas famílias. É ainda equacionada a possibilidade de um seguro universal de saúde, de um sistema de ensino vocacionado para as competências de valor acrescentado, exigidas pelas atividades de inovação a desenvolver no país, com uma nova abordagem no ensino superior, apostando na internacionalização avançada da investigação, criando um ecossistema de inovação.
