Objetivo é impedir que haja setores de atividade que paralisem e restringir o movimento na via pública.
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Apesar de serem mais ou menos favoráveis, os conselheiros ouvidos pela TSF lembram que Marcelo Rebelo de Sousa é favorável à iniciativa, mas mostram-se cautelosos em relação à formulação do decreto, já que se trata de um mecanismo que nunca foi usado em Portugal. Presidente prepara-se para impor condições à circulação, direitos dos trabalhadores e iniciativa privada. Liberdade de expressão e informação não serão postas em causa.
Limites à circulação de pessoas, direitos dos trabalhadores e iniciativa privada. Tudo indica que é nestas áreas que o presidente da República se propõe decretar o estado de emergência. O objetivo é impedir que haja setores de atividade que paralisem e restringir o movimento na via publica.
"A ser declarado, o estado de emergência vai estabelecer o precedente." Por isso, há quem entre os conselheiros de Estado lembre que se trata de um "mecanismo juridicamente delicado" cuja definição de contornos "fará toda a diferença" para o futuro do país.
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Com o Presidente da República apostado em avançar com a medida, um dos conselheiros, ouvido pela TSF, assume que "as próximas semanas são cruciais" na resposta à pandemia do novo coronavírus, mas lembra que o desenho de um "mecanismo que nunca foi usado em Portugal pode fazer toda a diferença".
Entre os mais céticos, como o próprio primeiro-ministro, há quem considere que esse "é o último recurso" e defenda que "até agora, não há evidência de que seja absolutamente necessário". "Ainda é cedo", sustenta o mesmo conselheiro, que ainda assim garante: não haverá resistência a qualquer decisão do presidente da República.
Outro dos conselheiros de Estado, contactado pela TSF, lembra que na mensagem do Presidente do passado domingo, Marcelo Rebelo de Sousa abria a porta a uma decisão mais musculada de Belém ao falar na "iniciativa" que lhe cabe como Presidente. A mesma fonte considera que a declaração de estado de emergência é uma arma "politicamente necessária" e pode permitir "antecipar apelos de autarcas ou responsáveis" da sociedade civil nesse sentido.
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"Agir, em vez de reagir" é o mote, sustenta o mesmo membro do conselho, por oposição a quem é renitente por se tratar de um "estado de exceção" e a quem acha que "ainda é cedo e pode ser ainda mais fatal para a economia".
Seja qual for a decisão, duas certezas: se for declarado estado de emergência, os órgãos de soberania mantêm as mesmas competências e tudo passará pelas mãos do Presidente, do Governo e da Assembleia da República. Decretar o estado de emergência em Portugal cabe ao chefe de Estado, mas as medidas concretas são definidas pelo governo que é quem tem poder executivo.
Uma medida "extremamente grave", diz o primeiro-ministro
Logo no domingo, ao mesmo tempo que afirmou que o Governo não se oporá ao estado de emergência, António Costa também manifestou dúvidas, dizendo não ver motivos, por exemplo, para se limitarem as liberdades de reunião ou de expressão e recordou que a única vez que Portugal viveu em estado de sítio foi no 25 de Novembro, em 1975, durante a revolução. Uma medida "extremamente grave" que a maioria das pessoas "não tem bem a consciência" do que é, acrescentou.
Um dia depois, na segunda-feira à noite, foi ainda mais claro, em entrevista à SIC, ao admitir que antes do estado de emergência "pode ser decretado o estado de calamidade". Apesar disso, o primeiro-ministro tratou de reiterar que essa é uma prerrogativa do presidente da República e revelou que o executivo "tem estado a trabalhar com o Presidente da República" para "desenhar as medidas" que se "podem justificar".
O estado de emergência é declarado pelo Presidente da República mediante autorização do Parlamento e ouvido o Governo, perante "calamidade pública", e vigora por quinze dias, que podem ser renovados.
O que dizem os constitucionalistas
A necessidade de declarar o estado de emergência em Portugal para evitar a propagação da Covid-19 divide constitucionalistas. Questionado sobre se a medida se adequa às atuais circunstâncias, Jorge Miranda afirmou não estar na posse de todos os elementos para opinar. "Eu não conheço completamente o contexto, o Governo é que conhece melhor do que qualquer pessoa ou instituição", disse o constitucionalista, sublinhando contudo que "o estado de sítio e o estado de emergência estão sujeitos a limites muito fortes". Referindo o principio da proporcionalidade, que tem que estar assegurado, Jorge Miranda referiu que só podem ser postos em causa direitos e liberdades "estritamente na medida do necessário e por um prazo que não pode ser superior a 15 dias". Nesse caso, o constitucionalista não vê que outros direitos possam ser suspensos para além dos que possam "evitar ajuntamentos de pessoas" e isso é o que já "tem sido exatamente pedido, sugerido e determinado" para a população. "Mas se se quiser fazer as coisas em termos mais formais, recorre-se à declaração do estado de emergência, mas os únicos direitos que podem ser suspensos, e na medida do necessário, são a liberdade de locomoção e a liberdade de manifestação", acrescentou.
O constitucionalista Bacelar Vasconcelos, por sua vez, é taxativo ao afirmar que tem uma "opinião negativa, salvo desenvolvimentos que demonstrem necessidade de medidas coercivas, no sentido de um exercício da atividade policial mais compressor da liberdade das pessoas". "Salvo situações que possam levar a alguma reconsideração das medidas necessárias, não vejo até agora que a declaração de estado de emergência faça sentido", sublinhou, acrescentando que até agora não há indícios disso, "uma vez que as medidas são acatadas voluntariamente pela generalidade das pessoas". "É sempre preferível - se com sentido cívico as pessoas assumem as precauções indicadas pela Direção Geral da Saúde -, do que estar a mobilizar polícias e Forças Armadas para garantir o cumprimento, se não há sinais de violação que ponham em causa a saúde publica e requeiram outro tipo de medidas", disse. Quanto às forças que devem ser chamadas a atuar no terreno, Bacelar Vasconcelos afirma que, "em principio, as forças de segurança, [PSP e GNR] sendo suficientes, não se justifica a mobilização de outras forças", mas admite que, "em última análise" as Forças Armadas podem ser mobilizadas para patrulhamento ou para outras medidas.
Posição radicalmente oposta tem o constitucionalista Paulo Otero, para quem "é inevitável neste momento, se é que não deveria ter sido já ontem ou anteontem, a declaração do estado de emergência". Para este especialista em direito constitucional e ex-conselheiro do Presidente Cavaco Silva, a declaração do estado de emergência é inevitável por duas razões: por um lado, "o estado preventivo deve-se antecipar ao combate aos riscos, aos perigos que são inevitáveis na dimensão interna, mas também na dimensão internacional"; em segundo lugar, "porque é necessário que as autoridades tenham legitimação democrática e jurídica para agir". "O estado de emergência faz convergir quer o Presidente da República, porque desencadeia o pedido, quer o Governo, que é ouvido e posteriormente intervém no decreto do Presidente, quer a Assembleia da República, que autoriza a intervenção do Presidente da República", explicou. Quanto aos direitos, liberdades e garantias que seriam limitados nessas circunstâncias, o constitucionalista assinala que há dois critérios base que têm de ser atendidos: o principio da adequação e o principio da proporcionalidade. Em relação ao primeiro, explica que podem ser suspensos "direitos que se mostrem adequados, numa relação entre meios e fins para o que está em causa".
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Relativamente ao segundo princípio, salienta que os direitos "só podem ser objeto de suspensão na medida em que isso seja estritamente necessário para atingir os fins, os propósitos em causa". No fundo, estão aqui englobados todos os direitos e todas liberdades que possam ser entraves ou dificultem o trabalho das forças da autoridade para a prevenção ou para impedir a difusão do vírus.
A ser declarado, será a primeira vez que o estado de emergência vigorará desde o 25 de Abril de 1974.
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